Anualmente Malaqueijo cumpre a mais que centenária tradição da “Contradança”, uma original dança praticada espontaneamente por ocasião dos tradicionais festejos em honra de São Brás, o santo padroeiro da aldeia.

Malaqueijo é um lugar do concelho de Rio Maior, situado mais ou menos a meia distância entre a cidade de Santarém e sua sede de concelho. Trata-se de uma zona rural, com a paisagem repleta de olivais e de vinhas que se estendem pelos ondulados terrenos que se prolongam até às faldas da serra dos Candeeiros.

O nome da aldeia parece assentar numa lenda cuja origem se perde na voragem do tempo. Segundo a tradição, um caminhante ao passar por este lugar, sentiu necessidade de procurar algo que o alimentasse, tendo avistado ao longe, perdido nos montes, um pequeno casebre. Dirigiu-se na sua direcção e bateu à porta, atendendo-o um velho pastor que lhe perguntou ao que vinha. O caminhante respondeu que procurava alguma coisa que o alimentasse, pois, a dureza da longa caminhada assim o reclamava.

O desconhecido caminhante obteve como resposta a enigmática frase: “Mal há queijo”. E terá sido assim, por mera e casual corruptela linguística, que nasceu o topónimo de Malaqueijo.

Esta aldeia, ciosa dos seus encantos naturais, preservou muitas das suas tradições populares associadas à mundividência rural, como, aliás, seria de esperar, e as festividades cíclicas tiveram aqui a maior aceitação. As festas relacionadas com a produção agrícola encontraram junto desta comunidade um alfobre muito fértil, pelo que as adiafas da apanha da azeitona, os serões das descamisadas ou a Quinta-feira da Espiga causavam aqui uma animação desusada, nomeadamente com o bailarico na Ponte de Ferro, próxima do Entroncamento Espanhol.

Porém, para além destas festividades e manifestações festivas há a considerar uma que é verdadeiramente singular, e cuja introdução nos hábitos comunitários é de uma grande riqueza sócio-cultural. Trata-se da “Contradança”, reconstituição de um conjunto de danças de influência francesa, interligadas entre si, e que, se o tempo invernoso o permitisse, durava uma tarde inteira, na base da improvisada inspiração do mandador.

No dia de S. Brás, a meio da tarde, o largo da aldeia – que hoje, muito justamente tem o nome de Largo da Contradança, na evocação da memória desta tradição – apinhava-se de gente vinda de todos os lugares vizinhos. Era dia de guarda e não se trabalhava nos campos. Um tocador de concertina, para o efeito contratado, começava a tocar as músicas que estavam em voga nessa época e imprimia-lhes uma cadência marcial, imprescindível para o desenvolvimento coreográfico da dança.

O mandador, homem alegre e amigo da paródia, orientava o andamento da dança com frases curtas, para serem perceptíveis, mas – e aqui reside um aspecto curioso – em expressão afrancesada. Com os pares constituindo uma roda imensa, iniciava-se esta animada tarde, após o que o mandador gritava “Grande prémenar”, ou seja, os pares, de braço dado, evoluíam na roda, em passo de passeio (promenade, em francês).

Depois, era ver uma sucessão de movimentações, tentando surpreender os bailadores, não se evitando por vezes alguma atrapalhação, o que tornava ainda mais animada a função.

“Changez Damas” ou “Changez Cavalheiros” era a ordem para que mulheres ou homens evoluíssem na roda, mudando de par; quando o mandador entendia que os pares deviam rodar agarrados, ou valsear, como se dizia na gíria popular ribatejana, gritava “Grande polka”, e era ver todos os pares a rodarem, ora num sentido, ora no sentido inverso.

O curioso desta tradição, segundo ouvi ao Ti’Guilherme, um dos mais carismáticos mandadores da Contradança, é que esta dança foi trazida pelos combatentes da I Guerra Mundial que estiveram em França, e que no seu regresso à terra natal passaram a festejar a sorte que tiveram em regressar sãos e salvos com a reconstituição desta contradança. A população apreciou a novidade, e nunca mais deixou de a renovar. Todos os anos lá se junta uma multidão de gente para reviver a Contradança.

Etnografia & Folclore – Ludgero Mendes

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