Depois de mais de década e meia a trabalhar na casa agrícola Paciência, em Alpiarça, João Alcobio resolve estabelecer-se por conta própria, criando uma empresa de comercialização de vinhos.
Depois de cedo ter abandonado os estudos, inicia a sua vida profissional numa oficina de mecânica em Alpiarça, era o pai feitor naquela importante ‘casa agrícola’. Cumprido o serviço militar em Dezembro de 1984, casa e prestes a abalar, como emigrante, para a Austrália, para onde já tinha celebrado contrato de trabalho, acaba por ceder às insistências dos pais para não deixar Portugal, a que não foi alheio o facto de ser filho único.
Vai para a Casa Paciência substituir o chofer do patrão, já muito idoso, e pela sua formação profissional, à condução vai dando uma mão à manutenção das máquinas, fossem motores de rega, fossem tractores.
A Casa Agrícola Paciência tinha cerca de 100 hectares de vinha mas naquela década de 80 já era cada vez era mais difícil contratar trabalhadores para a vindima, mesmos ranchos vindo de fora (do norte ribatejano ou do distrito de Leiria). As vindimas nas propriedades duravam cerca de mês e meio, com ranchos à volta de 90 pessoas a cortar uvas.
Já com a filha do doutor Hermínio, e o seu marido, à frente da ‘casa’, em 1985 é decidido comprar-se uma máquina para vindimar. “Foi a nossa e a do Marques da Cruz, de Almeirim, as primeiras aqui, no Ribatejo. Fui eu o primeiro manobrador, ensinado por um técnico francês da fábrica, da Braud, que cá veio”, diz-nos João Alcobio.
“Depois, como a nossa máquina foi a primeira que apareceu aí e a dificuldade da mão-de-obra era comum a todas as ‘casas agrícolas’, alugávamos a máquina, por exemplo, aos Margarides, à Alorna, ao Casal Branco, à hora”, acrescenta o nosso interlocutor.
A pouco e pouco, primeiro com o seu pai e depois com outras pessoas, “aprendi muita coisa, não só a nível de vinificações mas também a nível de estabilizações, de colagens”. Um dos seus grandes mestres viria a ser o conceituado enólogo Melícias Duarte, técnico durante alguns anos da Casa Paciência.
Com a morte de seu pai, João Alcobio passa a ter funções de feitor na empresa agrícola dos descendentes do doutor Hermínio. Mas em 2002, acaba por sair da ‘casa’ que lhe abriu as portas à agricultura, particularmente para o mundo da viti-vinicultura e lança-se para outros voos, para voos próprios.
Cria a empresa e marca «Adega do Feitor», denominação em honra ao seu pai que tinha sido feitor até praticamente à sua morte naquela importante casa agrícola alpiarcense.
A pouco e pouco vai criando um interessante leque de referências com a marca «Adega do Feitor».
Para além de vinhos brancos e tintos, criou vinhos frisante, rosé e abafado (licoroso). Nos brancos ‘agarrou’ uma vertente importante de comercialização, o vinho de cozinha destinado a restaurantes, vendido em garrafões, para temperar comida.
Ao contrário do que, naturalmente, fazia na sua antiga ‘casa’, larga a viticultura para se dedicar apenas ao vinho (criação de lotes e à sua comercialização). Passa a comprar vinhos apenas do seu agrado, “vinhos adquiridos quase sempre aos mesmos produtores agrícolas, de modo a ter um produto com as mesmas castas todos anos. Em termos de produto, pode haver uma diferença de um ano para o outro, mas acaba por não diferir muito. Consigo, assim, manter mais ou menos um lote linear para essa situação”.
João Alcobio focou-se no canal HORECA (hotéis, restaurantes e cafés), particularmente nos ‘vinhos de mesa’, para melhor penetrar na área da restauração, onde a concorrência é muito forte. Os seus vinhos surgem à mesa de importantes restaurantes desta zona ribatejana, sendo a área de distribuição Santarém e a margem esquerda do Tejo, desde Torres Novas até Salvaterra e em Lisboa e concelhos limítrofes
Em restaurantes com grande volume de vendas, muitas vezes o seu vinho é que é apresentado aos clientes com a referência de ‘vinho da casa’, podendo, a pedido do empresário de restauração, serem as garrafas apresentadas com roupagens personalizadas, não deixando, no entanto, João Alcobio de frisar que “o cliente conhece a sua origem visto lá ser referido, no respectivo contra-rótulo, engarrafado por Adega do Feitor”.
O empresário alpiarcense, em restaurantes de maior qualidade, aposta hoje em dia na gama premium, na qual também a diferenciação passa por “garrafas esteticamente mais elegantes”.
Tal como grande parte dos empresários portugueses, esta PME de Alpiarça está a sofrer fortes quebras nas vendas devido à pandemia de Covid-19, para mais quando quase todo o seu produto é destinado, como referimos, no canal HORECA, e aqui a contração tem sido grande.
“Nunca trabalhei com uma empresa de grande distribuição, tal como nunca trabalhei com nenhum hipermercado em grande escala. E a única coisa que se manteve aberta, a trabalhar, foram os hipermercados, que era onde a gente não tinha negócio nenhum”. Exceptuam-se algumas mercearias ou minimercados independentes da região ribatejana.
Depois do confinamento na passada primavera, refere-nos Alcobio que “no início surgiu alguma esperança mas eis que agora retornou tudo quase à estaca do início. Em fim de Maio, Junho, as coisas começaram outra vez a tentar normalizar. Manteve-se o verão, mais ou menos dentro dessa situação, os jantares é que foi sempre muito mais restrito.
E agora, aquilo que ouço aos meus clientes é que mesmo à hora do almoço já estão com muito menos clientes. E aos jantares praticamente quase não se trabalha”.
Mas, apesar do contexto em que se vive, o empresário alpiarcense lançou no corrente ano um novo produto a pensar num outro tipo de consumo (ou momento de consumo): vinho licoroso (ou abafado) em pequenas garrafas, particularmente a servir como aperitivo ou em ambientes de café.
Também está esperançado com o resultado das experiências que está a desenvolver a nível de espumante. Para já, diz-nos que os ecos que tem recebido são muito estimulantes, estando de partida para todo o processo burocrático de licenciamento.
Na conversa que tivemos com este empresário alpiarcense nas suas novas instalações (onde também funciona a loja de vinhos) numa zona da vila que assiste a uma requalificação urbana, a dois passos do jardim municipal, não se nota nele, apesar da conjuntura e social e económica, desânimo. O amor que nutre ao vinho e o consequente esforço a nível da qualidade do produto que faz chegar aos seus clientes será, com certeza, um antídoto aos tempos que correm.
Sinal disso é também as explicações finais que nos dá junto a uma zona de armazenagem, com cinco ou seis mil garrafas já cheias. “Sou apologista que os vinhos novos não sejam logo lançados no cedo. O poder de recuperação do vinho não é de um dia para o outro. E o vinho precisa de estar sossegado, ali dentro da garrafa durante, pelo menos, quinze dias para o vinho recuperar, para ter outra vez a tipicidade e os seus aromas virem ao de cima”.
Parte das garrafas que observámos já tinham sido engarrafadas há dois ou mais meses. “Este vinho com todo este tempo, sossegado, já o vinho é completamente diferente. Sempre tive e continuo a manter um grande respeito por este tipo de produto comercializado, é aquilo que respeito mais”, conclui João Alcobio.
Ricardo Hipólito