Decorre em Santarém até ao próximo domingo, dia 15 de Junho, a 71.ª Feira do Ribatejo – 61.ª Feira Nacional de Agricultura. Este certame conheceu a sua primeira edição no já longínquo ano de 1954, numa notável iniciativa de Caetano Marques dos Santos, de Celestino Graça e do Dr. Luís Hilário Barreiros Nunes secundados por uma vasta plêiade de ribatejanos empenhados no desenvolvimento da região, tendo desde o seu início prestado uma significativa atenção ao folclore, nacional e estrangeiro, particularmente nas primeiras décadas da sua realização.
A realização da Feira do Ribatejo está muito relacionada com um dos principais surtos de criação de ranchos folclóricos no nosso país, posto que a sua programação cultural era constituída quase exclusivamente por animação tradicional, pelo que Celestino Graça estimulou as Câmaras Municipais, as Juntas de Freguesia e as Casas de Povo para apoiarem a constituição de agrupamentos folclóricos que pudessem representar as respectivas aldeias e vilas na programação da Feira.
Esta iniciativa foi estimulada por um homem profundamente sabedor e consciente quanto à forma como deveriam ser criados os ranchos folclóricos, exortando os seus promotores a indagarem junto das pessoas mais idosas das respectivas comunidades as informações necessárias e imprescindíveis para a representação da cultura tradicional dessas terras. Esse Homem, de saudosa memória, foi Celestino Graça, a quem o Folclore e o Ribatejo tanto ficaram a dever.
Como técnico agrícola de grande reputação, Celestino Graça estava muito bem identificado com os trabalhadores rurais, com quem gerava fácil empatia, e, também, por isso, estava muito desperto para esta questão, pelo que aconselhava os animadores destes ranchos sobre os procedimentos a seguir e, particularmente, sobre os cuidados que deveriam ter para assegurar uma correcta representação das tradições populares das respectivas comunidades. O trajo, a dança, a música, o cancioneiro…
Nas duas primeiras edições da Feira eram poucos os ranchos folclóricos existentes no Ribatejo – Cartaxo, Azinhaga do Ribatejo, Regional do Sorraia, Bailarinos do Pego, os Pescadores do Tejo e alguns outros de efémera existência – mas em 1956 já se apresentaram alguns novos grupos folclóricos, que ainda hoje estão em actividade, como foram os casos do Rancho Folclórico do Vale de Santarém, dos Grupos Infantil de Dança Regional e Académico de Danças Ribatejanas, de Santarém, do Rancho Folclórico da Casa do Povo de Almeirim, do Rancho Folclórico do Bairro de Santarém (do Graínho e Fontaínhas) e do Rancho Folclórico da Glória do Ribatejo.
O prestígio da Feira do Ribatejo cresceu significativamente e quando, em 1959, Celestino Graça organizou o primeiro Festival Internacional de Folclore a parada subiu imenso. Este Festival engrandeceu-se de tal modo que em 1970 viria a integrar o núcleo de fundadores do CIOFF – Comité International des Organizateurs de Festivals de Folklore et d’Arts Traditionelles, onde Celestino Graça exerceu as funções de delegado oficial português até à hora da sua morte, sempre acompanhado do seu bom amigo João Gomes Moreira, que lhe sucedeu durante alguns anos após o seu falecimento.
Em 1995 o Festival Internacional de Folclore de Santarém passou a realizar-se fora da programação da Feira do Ribatejo, numa organização do Grupo Académico de Danças Ribatejanas, em preito de homenagem a Celestino Graça. Os tempos foram evoluindo, mas o nível de exigência manteve-se, pelo que ainda agora os grupos folclóricos portugueses mantêm o empenho em participar no Festival Celestino Graça – A Festa das Artes e das Tradições Populares do Mundo, como actualmente se designa, e que se realiza no mês de Setembro, mantendo a mística que lhe incutiu o seu fundador.
A presença de grupos folclóricos portugueses na actual programação da Feira do Ribatejo / Feira Nacional de Agricultura não tem agora o carácter de outrora, dada a circunstância de ali não se realizarem festivais, mas, ainda assim mantém-se a participação de alguns ranchos folclóricos que garantem alguns momentos de animação tradicional, a par de outras actividades musicais.
Lamentavelmente, como os actuais organizadores da Feira do Ribatejo não têm conhecimentos técnicos nas áreas do folclore e da etnografia, e como aproveitam a “oferta” generosa de alguns municípios ribatejanos para trazerem à Feira ranchos folclóricos do seu concelho, perdeu-se o critério de apenas ali apresentar grupos representativos, o que não abona o próprio certame nem os concelhos representados, porém, bem sabemos que a maioria dos autarcas não distingue os bons dos maus projectos, porque cada pessoa é um voto, quer integre um grupo qualificado ou não.
Em bom rigor a componente tradicional regional perdeu espaço e fulgor na programação actual da Feira, desde há alguns anos mais empenhada na realização de concertos musicais, alguns dos quais suscitam enorme afluência de público, o que em termos de receita financeira não é despiciendo.
Mesmo sem a realização do Festival Internacional, a Feira poderia promover um excelente Festival Nacional de Folclore no qual participassem representantes de diversas regiões etnográficas do nosso país, potenciando, assim, a acção da Feira na divulgação da cultura tradicional e popular portuguesa, respeitando a memória e a tradição do próprio certame ao longo de tantas décadas, e especialmente, a do seu fundador, Celestino Graça.
Porém, os desígnios da actual Feira do Ribatejo são distintos, evoluíram, alteraram-se, pelo que não é expectável esperar-se que os seus organizadores se empenhem em causas que não correspondam ao seu “core business” – a agricultura e a pecuária – e às actividades lúdicas capazes de arrastar multidões, o que tem um grande impacto na saúde financeira da empresa organizadora.
O movimento associativo folclórico nacional ainda não foi capaz de seduzir este tipo de organizações para a promoção de grandes eventos culturais nos quais a etnografia e o folclore sejam as âncoras, valorizadas tanto no aspecto estético como no âmbito cultural.
Acresce que, sendo a entidade promotora da Feira do Ribatejo uma empresa privada, não é possível exigir uma prática que não se consubstancie com os seus objectivos estatutários, pois é compreensível que o mais importante não seja a valorização da nossa cultura, mas sim a captação de muito público, o que é sinónimo de elevada receita.
Assim, podemos constatar que o Folclore na Feira do Ribatejo ainda não é uma miragem, mas lá chegaremos…