O livro “Corazones de musgo / Corações de musgo”, de Nuno Garcia Lopes, foi a obra vencedora do II Prémio de Ecopoesia Ponte do Guadiana, aberto a autores portugueses e espanhóis.
Neste que é o nono livro de poesia do autor nascido na Linhaceira, e o quinto consecutivo a ser premiado.
O que o inspirou a escolher o título “Corações de Musgo” para o seu livro e que significado tem para si?
Há livros em que já sei o título antes de os escrever. Outras vezes ele só aparece numa fase final, por vezes retirado de um verso. É o caso de “o cobertor de terra cheira a corações de musgo”, que me pareceu especialmente adequado porque, na primeira camada de leitura, muitos destes poemas são da terra, do húmus. Além disso, o musgo tem uma importância muito grande para mim, pois representa essa relação intrínseca com a terra, que descobri muito novo quando o meu pai me levou com ele ao pinhal a primeira vez a buscá-lo para o presépio. Ainda hoje, um dos dias mais importantes do ano na vida familiar continua a ser aquele em que vou com as minhas filhas à procura do musgo para o Natal.
Que importância atribui a este prémio no contexto da ligação entre a poesia portuguesa e espanhola?
Foi uma surpresa muito prazerosa ter descoberto o trabalho que está a ser feito no sul de Espanha, com uma ligação também muito forte ao Algarve, na construção de uma comunidade literária sem fronteiras entre os dois países, em que a Ponte do Guadiana é uma metáfora forte porque é ela que permite também a facilidade de circulação entre os dois países para as actividades que vão decorrendo de um e outro lado.
E aí, o empenho do Santiago Aguaded Landero, poeta, editor e o grande impulsionador deste prémio, deve ser profundamente reconhecido. O que percebi também é que esta missão não se esgota no prémio, há encontros regulares, para os quais aliás já fui convidado, e uma partilha com iniciativas congéneres em Portugal e Espanha.
Qual a relevância de publicar “Corações de Musgo” numa edição bilingue e como acha que isso contribui para a valorização da poesia em ambos os países?
O objectivo de qualquer poeta é ser lido, duvidem de quem diga o contrário, daí que seja muito importante para mim chegar ao público de fala espanhola ao mesmo tempo que ao português. Sendo bilingue, permite que mesmo quem lê em língua estrangeira possa contactar com o texto original, o que é relevante pois a poesia nunca pode ser exactamente traduzida, mas apenas vertida.
Referiu que houve um processo de depuração das palavras e de síntese das ideias nos poemas. Pode explicar como se dá este processo e porque é que o acha importante?
Ao pensar de forma conceptual neste poemário, pretendi que ele fosse o mais possível expurgado do acessório, composto por poemas curtos, de apenas quatro versos, que sintetizassem as ideias que pretendia transmitir, um pouco como fotografias de pequeno formato, mas com muitos níveis de leitura.
Quais são as principais temáticas que aborda em “Corações de Musgo” e que influências literárias ou pessoais mais marcaram esta obra?
Reforço a ideia das várias camadas de leitura. Numa leitura superficial, poder-se-ia talvez dizer que este é um livro sobre a natureza, os animais, as plantas, a própria terra. Mas tal e qual como acontece quanto remexemos o húmus, encontramos por baixo uma profunda diversidade, neste caso de imagens alternativas e de ideias. No fundo, descrevo cenas da natureza para falar da vida dos homens e das mulheres, das nossas dúvidas e inquietações. Já falei do meu pai, está neste livro muito do que ele me ensinou. Quanto a influências literárias, depois de termos lido tanto como eu já li, somos um pouco a súmula de tudo isso – o que aprendemos com os livros e com as pessoas. Mas nesta procura de depuração das palavras, é inevitável que refira a marca que perdura em mim da poesia da Sophia e do Eugénio de Andrade, além da tradição japonesa, em especial o Matsuo Bashô.
Qual a importância de Espanha na sua vida e na sua obra?
Comecei por ter uma relação muito estreita com a Galiza, onde cheguei a publicar em revistas nos anos oitenta. Sou um apaixonado pelo norte de Espanha, os Picos de Europa, os Pirenéus.
Mais recentemente, e talvez por um efeito de bola de neve, tenho tido experiências extraordinárias na perspectiva pessoal e literária por exemplo em Zamora, ou agora na Andaluzia.