Rui Anastácio, actual presidente da Câmara de Alcanena, conseguiu que uma candidatura com o apoio do PSD, CDS e MPT colocasse um ponto final numa hegemonia socialista no concelho de Alcanena. O empresário hoteleiro traz para a autarquia uma nova visão de gestão e assume alterações de perspectiva em temas estruturantes. Como prioridades para este mandato, Rui Anastácio identifica as questões relacionadas com o ambiente e em criar condições para fixar a população jovem, para além do crescimento económico.

Os principais desafios que o concelho de Alcanena enfrenta neste momento?
Eu diria que, em primeiro lugar, temos que resolver as questões relacionadas com o ambiente, embora já tenhamos uma estratégia. Assinámos, no mês passado, um contrato de 5 ME para investimentos que faltavam ainda fazer no sistema de Alcanena no que respeita a águas residuais e demos um passo fundamental para a resolução do problema, cumprir com a lei da água e, de uma vez por todas, controlar a questão dos maus-cheiros que acontecem, embora, felizmente, nos últimos tempos não têm sido tão fortes.
Por outro lado, todos os municípios do Médio Tejo têm perdido população, com algumas excepções, mas, regra geral, e no concelho de Alcanena em particular, existem, inclusivamente, freguesias que perderam 20% da população nos últimos 10 anos. E isto deve ser um enorme sinal de alerta. Por isso, a par das questões de ambiente, estamos empenhados em criar condições, em primeiro lugar, de habitação, com várias soluções a esse nível, não só resolvendo questões relacionadas com pessoas que ainda vivem em situações habitacionais não muito dignas – e aí vamos fazer um investimento forte nos próximos anos – mas também intervenções profundas no edificado.
Vamos começar a requalificar os nossos cascos: já temos identificadas várias situações e iremos, nos próximos dois anos, reconverter casas devolutas dos nossos cascos de Alcanena, Minde e também nas freguesias. Queremos disponibilizar essas habitações, quer a custos controlados quer para situações de realojamento de pessoas que necessitam. Ao mesmo tempo, voltando a dar vida aos cascos. Vamos, também, transferir a nossa loja do Cidadão e criar uma Loja do Empresário no nosso centro histórico. Vamos, igualmente, criar uma bolsa de estacionamento, requalificando um terreno que está há muito tempo sem uso. A par disso, estamos a criar um projecto que seja âncora, a que chamamos ‘Projecto Couros’ e que passa por reabilitar os espaços industriais devolutos que vamos adquirir e requalificar, devolvendo-os à população. Espaços de criatividade, com uma componente económica forte, criando condições para fixação de novas empresas. Já estamos a trabalhar nesse projecto, quer do ponto de vista da aquisição dos terrenos, quer do ponto de vista do próprio projecto.
Pensamos que isto poderá dar uma nova vida a Alcanena e ao próprio centro de Alcanena. É preciso criar condições para que esses espaços possam ser requalificados e possam voltar a ser habitados. Temos, também, a conhecida Fábrica da Cultura, e estamos já a fazer os projectos de execução, à procura de financiamentos e a equacionar o melhor modelo de gestão de forma a conseguirmos encaixar isso nos próximos fundos comunitários. Paralelamente a isso, estamos a avançar com o Plano de Pormenor da A1 – A23, um projecto âncora no qual me tenho empenhado.

Que outros projectos espera concretizar neste mandato?
Vamos abrir, também, um processo de alteração do PDM e já tivemos reuniões agendadas nesse sentido, para criar uma zona industrial exclusiva para a indústria de curtumes ou para indústrias de utilização intensiva de água, junto da ETAR de Alcanena por forma a conseguirmos criar uma situação de economia circular e de reaproveitamento das águas tratadas.
Temos um processo que está por resolver, que tem a ver com o destino final das lamas da ETAR, que são um problema sério, a Aquanena – empresa municipal – está a pagar de taxa de deposição de resíduos de cerca de meio milhão de euros, o que é um desafio grande.
Estamos também apostados em aproximar a autarquia dos cidadãos e, nesse sentido, criamos uma iniciativa chamada ‘conversas às segundas’ onde todos os meses, à segunda-feira ao fim do dia, escolhemos um tema. O primeiro foi a protecção civil, e agora, em Março, será a vez do Sistema de Alcanena e vamos apresentar a nossa visão, a nossa estratégia, debater e reflectir sobre esse tema. Em Abril será o mês da Cultura, Maio será o mês da habitação e em Junho vamos ter o Plano de Pormenor e modernização administrativa. Estamos, também, a trabalhar com o NERSANT para a criação de uma incubadora de empresas e estamos a tentar trabalhar alguns temas, como por exemplo a valorização do olival tradicional e do azeite, que nele se pode produzir. O grande desafio é que o azeite deste olival extensivo, de variedade galega, deixe de ser vendido a 5 euros o litro e passe a ser vendido a 25. Para isso, vamos estruturar uma equipa técnica que possa desenvolver o programa que vise este objectivo. Temos que valorizar o que temos. Se o que temos tem qualidade, tem que ser vendido e bem vendido, tem que ser valorizado.
Ao nível do Turismo, achamos que não vale a pena olhar para isso apenas do ponto de vista concelhio: temos Aire e Candeeiros e, aí, as sete Câmaras do Parque vão ter que se entender sobre o modelo de gestão. Vamos ter reuniões em breve no sentido de poder definir a estratégia. É preciso estruturar a marca e depois ir vender essa mesma marca. As câmaras têm tendência a criar vídeos bonitos que só para elas verem…. Quando uma câmara faz um vídeo de 10 minutos, não serve rigorosamente para nada. Do ponto de vista prático, o efeito é zero.
As estratégias das autarquias têm sido muito isoladas, e sem grandes resultados práticos. A meu ver, a única maneira é conseguir estruturar produto, como o que acontece na Rota Vicentina que fez isso muito bem no sudoeste alentejano e hoje têm lá milhares de turistas e centenas de operadores turísticos a trabalhar. Estruturaram o produto e foram vendê-lo nos lugares próprios. É preciso trabalhar o território. Estamos a uma hora de Lisboa, temos tudo para poder ter sucesso na Serra de Aire e Candeeiros. Precisamos de uma imagem forte: ninguém, hoje, vai às serras ou vão muitas poucas pessoas, e nós gostaríamos que viessem mais. Temos aqui várias portas de entrada: os Olhos de Água, que é um espaço para o qual temos um projecto de valorização neste momento, é uma delas. Temos, também, um projecto para o espaço da EPAL com quem vamos ter reuniões em breve. Queremos envolver instituições de ensino superior e trabalhar para que os Olhos de Água e as nascentes do Alviela sejam uma das portas de entrada dessa grande visão para o território que se chama Aire e Candeeiros, inclusivamente com um projecto de mobilidade que vá ao longo do rio e que se cruza com um plano de mobilidade que vamos começar a trabalhar a partir deste mês. Já temos um esboço inicial que passa por um incentivo à mobilidade suave e a uma rede de circulação no próprio concelho, que se ligue aos concelhos vizinhos.
O parque em si tem um conjunto de valências: as salinas de Rio Maior, a zona da Fórnea, a Ecopista de Porto-de-Mós, as pegadas de dinossauro, grutas de Mira de Aaire, Fátima, o Mosteiro de Alcobaça… temos que ter a capacidade de gerar âncoras que possam fixar e tornar-se referência para esses fluxos turísticos que andam nestas zonas.
Estamos a falar de milhões de pessoas e temos que ter um território com capacidade de fixar e integrar estes territórios nesses fluxos turísticos que não estão a ser aproveitados devidamente.
É preciso haver sinergias: se os turistas vão a Fátima têm que vir à Serra, se vão ao mosteiro da Batalha, também têm que vir à Fórnea e à Ecopista.

Tem formação em Gestão e Conservação da Natureza. Acha possível compatibilizar as questões ambientais com o crescimento económico?
Sim, claramente. Mas temos que ter economia: não conseguimos fazer conservação da natureza sem ela. Para fazer conservação é preciso dinheiro e recursos, para ter um Estado Social é preciso dinheiro. Não vale a pena pensar que podemos distribuir dinheiro sem o gerar. Esse é um grande erro deste país e é um erro no qual temos incorrido continuamente. Precisamos de uma indústria forte, moderna, com inovação. A alternativa a isso é continuar de mão estendida. Os fundos [comunitários] não resolvem nenhum problema, ajudam se percebermos exactamente onde queremos chegar e qual a nossa estratégia. Andamos a receber fundos desde os anos 80 e os problemas estruturais continuam. Nós geramos pouco valor, introduzimos pouca inovação e, em resultado disso, temos ordenados baixos… o dinheiro não circula.
Se queremos chegar ao pelotão da frente da Europa, temos que definir uma estratégia. O turismo pode ser parte da solução, mas não é o único caminho. O turismo é uma componente, mas não resolveu nenhum problema de base.

Que investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) seriam fundamentais para alavancar o concelho?
O PRR, idealmente, e contra mim falo (risos), deveria estar virado para a economia, para ajudar as boas empresas a tornarem-se melhores e para ajudar ao nascimento de novas. Eu acho que o dinheiro deve ser posto, sobretudo, na economia. O PRR deve ser substancialmente para a economia. Para suprir uma quantidade de carências na área da saúde, mas estes dinheiros têm que ter forçosamente efeitos multiplicadores. Ou fortalecemos a nossa economia e ajudamos as empresas estruturadas a crescer, tornarem-se exportadoras, investirem em inovação e apostando seriamente nelas, esperando que depois venha o retorno sob a forma de impostos que nos ajudem a ter um estado social melhor, ou, então, o dinheiro acaba por se perder.

O facto de o Ribatejo estar dividido em duas CIM’s e responder a duas CCDR’s, tem prejudicado o desenvolvimento da região?
Eu acho que o nosso problema principal não é esse. Mas, se me perguntar se facilita, eu concordo, preferia relacionar-me só com uma CCDR e uma CIM. Mas não é por causa disso que o Médio Tejo perdeu população. O problema base é não conseguirmos mudar o perfil e estrutura da nossa economia. Estamos a uma hora de Lisboa e não há motivo nenhum para que um concelho como Alcanena, que está a 50 minutos de Lisboa, tenha perdido 10 % da população nos últimos 10 anos. A única razão que vejo é o facto de a economia não ter capacidade de fixar os jovens, que vão embora à procura de melhores oportunidades de vida. Estes territórios não estão só a perder população: estão a perder uma coisa muito importante que é massa critica. Depois, o que resulta daqui é, muitas vezes, um poder autárquico muito “enquistado” onde falta sentido crítico. Perdemos jovens, e muitas vezes perdemos os melhores jovens. Os que querem arriscar, mais ambiciosos e que vão à procura dessas coisas noutros locais.
Os jovens sentem que não têm oportunidades nestes territórios e não têm empregos de acordo com as suas expectativas, onde possam pôr em prática tudo aquilo que andaram a aprender.
Andamos a gastar dinheiro na formação de jovens, a própria Câmara de Alcanena aprovou esta semana um pacote de bolsas para estudantes universitários e estamos a falar quase com 100 mil euros. É importante, mas depois é um desperdício brutal que estes jovens não fiquem cá. Esperamos, portanto, conseguir criar condições para que eles aqui se fixem. Temos as estratégias e o caminho identificado e vamos colocar em prática estas ideias.

Qual é a sua opinião sobre a reorganização administrativa na região com a criação de uma NUT II englobando a Lezíria, o Médio Tejo e o Oeste?
Nada contra. Eu acho que facilita porque coloca os centros de decisão mais perto. Esta nova NUT II poderá gerar aqui um centro de competências a todos os níveis: não consigo perceber, por exemplo, porque temos três politécnicos que não têm força. Com excepção do de Leiria, que já é uma estrutura com outro grau de ligação à economia. No meu entender, precisávamos de ter uma Universidade na nossa região, como por exemplo, como acontece com a Universidade de Aveiro que hoje é uma das grandes alavancas de desenvolvimento. Não temos uma instituição de ensino superior forte, de investigação, de transferência de tecnologia para a economia.

O país deve avançar para um verdadeiro processo de regionalização?
Eu já fui a favor da regionalização. Desde logo, acho que os deputados deviam ser eleitos pelo distrito, dar a cara, e responder aos eleitores. De uma maneira geral, não há uma ligação dos deputados aos territórios e isso podia ser resolvido de várias maneiras, nomeadamente com a alteração da lei eleitoral – algo que nunca foi feito – falou-se muito sobre isso, mas fez-se muito pouco. Mas a questão da regionalização seria algo importante: eu acredito que os eleitos respondem mais rapidamente sobre as coisas. Há um vínculo maior, uma exigência maior de quem elege. Agora, também sei que se tende a criar clientelas com isto. Eu conheço um pouco do exemplo espanhol – e a Espanha é um País cinco vezes maior que o nosso – e percebo que as clientelas, que aqui, em Portugal, que se criam à volta das Câmaras, lá se criam em torno das regiões e isso é nefasto. Eu acho que há aqui alguma perversão, ou seja: se o compromisso fosse reorganizar e gastar menos em termos de estrutura, a regionalização seria boa para o País. Mas isso nunca seria um processo eficaz a menos que houvesse uma fusão de municípios, que é algo que nunca ninguém quer abordar, mas eu abordo e não tenho problema nenhum porque não tenho clientelas, nem ninguém a quem tenha que agradar a não ser à minha consciência. Se me disserem, vamos por as coisas assim: vamos ter regionalização, mas, ao mesmo tempo, vamos fundir municípios e vamos baixar com isso os próprios custos estruturais da administração pública e garantimos que não vamos aumentar os custos estruturais, mas vamos até reduzi-los, estaria disposto a apoiar o processo. Alguém está disponível para isso? Eu estou. Agora, se falarmos de regionalização e isso representar mais custos estruturais do Estado, eu digo-lhe que não, porque nós já não conseguimos suportar os actuais custos e é por isso é que temos carências no ensino, na habitação, na oferta cultural, nos cuidados de saúde e enormes carências na área da justiça. Temos um conjunto de carências, temos um conjunto de serviços que o Estado não consegue manter. Então, vamos falar em aumentar esses custos? Se calhar, a administração central devia emagrecer, isso é outra conversa, e talvez tivesse de emagrecer mais do que a própria administração local. Não vai ter nenhum colega meu a dizer-lhe isto, certamente…

Perfil – Rui Anastácio

Nasceu em Alcanena em 1970, é Licenciado em Engenharia Florestal e tem uma Pós-graduação em Gestão e Conservação da Natureza e em Direcção Hoteleira.
Iniciou o seu percurso profissional em 1989. Quatro anos como professor do ensino secundário, 3 anos como responsável do Gabinete de Ambiente da Câmara Municipal de Alcanena, 4 anos como Vereador com diversos pelouros na mesma autarquia. Foi responsável pela área de novos negócios na empresa de paisagismo Visabeira SA, acumulando funções com a direção do seu primeiro projecto de turismo rural “Casa dos Matos – turismo de natureza”, situada na aldeia de Alvados, Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
Entre 2007 e 2011, abraça também um projecto familiar de exportação de peles para calçado para o mercado asiático.
Em 2012, cria o segundo projecto de turismo rural, na aldeia de Alvados, o “Cooking and Nature Emotional Hotel”, que foi eleito, em 2013, “Hotel Revelação do Ano pelo Guia Boa Cama Boa Mesa”. Ainda em 2013, integra a prestigiada Hot List da Revista Conde Nast Travel, como um dos novos melhores hotéis do mundo, sendo o único hotel Português e, um dos poucos no mundo, a integrar as 3 sub-listas “Amazing Pools at the Best New Hotels”, “Hot new hotels for under $300” e “The best new hotels with great food”. Em 2015, é eleito,, pelo jornal “The Times”, como um dos 20 melhores Refúgios de Montanha da Europa. Já em 2016, integra a lista da Forbes dos 25 hotéis mais “cool” do mundo e é eleito, pela Trivago, para o top 8 dos hotéis no mundo ideais para se ligar à natureza.
Em 2020 lança o seu mais recente projecto turístico – The Nest by Cooking and Nature. É presidente da Câmara Municipal de Alcanena, desde 16 de Outubro de 2021.

Tinha, portanto, de ser um processo mais profundo?
Acho que, se falarmos só em criar mais estrutura intermédia, estamos a falar, sobretudo, em aumentar os custos. Não quero com isto dizer que não pudesse haver uma proximidade maior dos centros de decisão, mas nós somos um País relativamente pequeno. Há vários modelos possíveis, se me perguntar se deve ser aprofundada a democracia no sentido de aproximar os eleitos dos eleitores? Eu acho que sim, a todos os níveis.

E em relação à transferência de competências do Governo para as Autarquias. Como é que vê este processo?
Nuns sectores mau, noutros sectores, muito mau, e noutros, péssimo. São as três formas de classificar este processo. Obviamente, que estas transferências são importantes, agora isto não pode ser assim. Eu não aceito que me imponham uma coisa, sem sequer haver um enquadramento do ponto de vista negocial. Isto não chega dizer: ‘vocês recebem hoje ou recebem amanhã’, agora escolham. Os autarcas colocaram-se numa posição de dizer, ‘ok, já que somos obrigados a receber amanhã, então recebemos já hoje’. Isto não é nada… não é assim que os processos negociais decorrem. O que nós estivemos a assistir – e tivemos agora o adiamento da área da saúde, porque realmente não tem ponta por onde se lhe pegue – é inacreditável, não há outro termo. Estas coisas não se fazem com os pés. Houve presidentes de Câmara, entre os quais a minha antecessora, que aceitou isto de cruz. Acho, inclusivamente, que houve autarcas que se prestaram a fazer favores ao Governo e acho que não têm que os fazer. Os autarcas são eleitos para, independentemente do partido que está no Governo, defender os seus territórios e os seu munícipes. Acho que houve situações em que isso não aconteceu. Penso que deveria ter havido uma negociação muito séria sobre isto e, obviamente, quando se transferem competências, quando se transferem edifícios, tem de se transferir as devidas compensações económicas e financeiras para este tipo de coisas. Eu não posso aceitar estes equipamentos sem garantir, em primeiro lugar, que vêm em óptimo estado e, depois, que recebo um envelope financeiro para os manter. Quando o ministério da Educação desliga o aquecimento das escolas, as pessoas compreendem e não protestam. Mas se for a Câmara a desligar o aquecimento, ninguém vai perceber. É preciso que se tenha isso em atenção. Os custos energéticos são brutais e ainda não ouvi falar em compensação para as Câmaras. Temos equipamentos a nosso cargo altamente consumidores de energia, como por exemplo as piscinas municipais. Fora os pavilhões, fora os cineteatros, fora tudo isso. Neste momento, e só este ano, para ter o ar condicionado da Câmara, do cineteatro e da biblioteca a funcionar convenientemente, invisto meio milhão de euros… onde é que eu vou buscar esse dinheiro? Agora, recebo as escolas, recebo o centro de saúde com muitos problemas, e como é que fazemos? Já não tenho dinheiro, estruturalmente, do ponto de vista do meu financiamento. O dinheiro que as Câmaras recebem dá para manter os seus equipamentos minimamente a funcionar e já não chega. Acabei de dar o exemplo do ar condicionado destes três edifícios, que são apenas três dos muitos que a Câmara tem ao seu cargo. Teria de ser um processo aprofundado, negociado e com muito rigor, o que não tem acontecido.

O que o motivou, pessoalmente, a assumir a liderança da autarquia e como é que a encontrou?
Encontrámos a ‘casa’ minimamente organizada, não tivemos aqui nenhuma surpresa de maior. Claro que que tivemos algumas surpresas, porque não houve aquilo que devia haver sempre – e que os presidentes deviam ser obrigados por Lei – um relatório detalhado da situação. Se a administração de uma empresa faz a transferência para outra, há um ‘report de gestão’. Alguém que esteve aqui 12 anos, apenas se predispôs a ter duas ou três horas de reunião, acha que isso normal? Eu não acho. Acho até uma indignidade, acho gravíssimo e isso aconteceu. O que nos disseram foi que todos os processos, estavam nos devidos serviços. Mas não é disso que se trata. Estou com a responsabilidade de gerir 12 anos e não tenho um ‘report de gestão’ para passar aos meus sucessores? Um documento devidamente detalhado, sobre um conjunto de dossiers. Isso tinha-nos poupado dois ou três meses de trabalho. Fora isso, a Câmara está globalmente equilibrada, tem um bom grau de organização, que iremos tentar melhorar, como é nossa função e obrigação.
Mas eu gosto de desafios e foi por isso que decidi avançar. Obviamente que havia aqui uma mudança de ciclo e uma oportunidade de um projecto alternativo e que teria mais probabilidades de vencer. Sobretudo, foi o facto de termos conseguido criar um grupo de trabalho que me dá prazer. Isso, para mim, nestas coisas, é meio caminho andado. Se estamos a trabalhar com pessoas de quem gostamos, em que confiamos – e aqui neste grupo há enorme crítica – tudo é mais fácil. Os meus vereadores são os meus maiores críticos. Procuro que toda a gente diga aquilo que pensa e não esteja inibido de dizer mal, porque é isso que evita que achemos que estamos a fazer tudo bem quando, na realidade, não estamos.

No fundo, quer desenvolver esta terra e aproveitar as oportunidades?
Apesar de tudo, não vejo só isso em Alcanena. Do ponto de vista do Médio Tejo, diria do Ribatejo, acho que nós continuamos a marcar passo e a perder cada vez mais protagonismo, por comparação com outras regiões que connosco concorrem.

Que mensagem quer deixar aos munícipes?
O que gostaria de dizer aos munícipes do concelho de Alcanena é que estamos sempre disponíveis para ouvir e que as pessoas não se inibam de nos fazer chegar aquilo que pensam. Obviamente, nós depois temos de filtrar, concordamos umas vezes, outras vezes não concordamos. Decidimos em função da nossa consciência, mas, acima de tudo, que nos façam chegar as suas preocupações, as suas ideias. Quando começamos a ouvir as pessoas, percebemos que há coisas que não identificamos como prioritárias, mas, na realidade, para as pessoas são. Esse é o grande desafio. O dia-a-dia e os problemas que aterram nas nossas secretárias às vezes dificultam-nos a colocar a cabeça de fora. Eu gostava que isso não me acontecesse, por isso, também deleguei muito nos meus vereadores, inclusivamente áreas que habitualmente os presidentes de Câmara não delegam, como a área financeira, recursos humanos, entre outras…. Procurei delegar muito para me poder concentrar em alguns projectos mais estruturantes e que podem, a meu ver, mudar a face do concelho.

Filipe Mendes

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