De 03 a 09 de Setembro, a Casa do Campino, em Santarém, recebe a grande “Festa das Artes e das Tradições Populares do Mundo” naquela que é a 60ª edição do Festival “Celestino Graça”.
Ludgero Mendes, director do Festival, não tem dúvidas que a edição deste ano “consolidará o novo ciclo” na vida do certame, iniciado com o seu regresso ao “chão sagrado que o viu nascer”, o Campo Infante da Câmara e a Casa do Campino, “espaço de grande valor simbólico” onde ocorrem quase todos os momentos da programação.
Numa organização do Grupo Académico de Danças Ribatejanas, em parceria com a Câmara Municipal e a Liga dos Amigos do Festival Celestino Graça, o certame inclui espectáculos de Fado, Folclore nacional e internacional, música popular, bandas filarmónicas, concertinas, para além de exposições de artesanato e de fotografia e mostra gastronómica.
Este ano, e como “grande novidade”, assiste-se à recuperação do Festival Infantil de Folclore, designado de “Cidade de Santarém”, pois, como explica Ludgero Mendes, “as crianças que andam nos grupos de folclore são a nossa esperança de que o projecto de salvaguarda das nossas tradições não se perca nos anos mais próximos”.
Nesta edição do Festival “Celestino Graça” participam seis grupos folclóricos estrangeiros, em representação de Argentina, Brasil, Colômbia, Croácia, Espanha e Sérvia, e nove grupos folclóricos portugueses, em representação do Douro Litoral, da Beira Alta, da Beira Baixa, da Alta Estremadura, do Ribatejo e do Algarve.
O Festival “Celestino Graça” é hoje, à entrada da sua 60.ª edição, uma marca cultural da Cidade. Que balanço faz do seu trajecto e o que se pode esperar desta 60ª edição?
O trajecto de seis décadas, adequado ao longo do tempo às diversas circunstâncias que o condicionaram, para o bem e para o mal, tornou este evento sócio-cultural numa importante referência ao nível da nossa região, e mesmo com repercussão a nível do país e do estrangeiro.
O Festival não tem nos nossos dias a atracção que teve nos seus tempos áureos na Feira do Ribatejo, onde quatro ou cinco mil pessoas enchiam o mítico recinto de espectáculos da Feira, pagando bilhete para assistir ao Festival, e apinhavam-se as ruas da cidade de Santarém para assistir ao extraordinário desfile na tarde de sábado. Mas, não poderemos perder de vista que a Feira do Ribatejo nessa época era visitada por milhares e milhares de pessoas e não havia qualquer actividade a concorrer com os espectáculos do Festival.
Depois, o Festival foi decaindo de importância até que em 1994, quando a Feira foi transferida para a Quinta das Cegonhas, o Cnema entendeu que não havia espaço na programação da Feira para o Festival Internacional de Folclore. O Grupo Académico de Danças Ribatejanas tomou as dores da memória do passado e em preito de homenagem a Celestino Graça passou a organizar autonomamente o Festival, no mês de Setembro, o que aconteceu logo no ano de 1995. Durante quase vinte anos o Festival decorreu no Auditório do Cnema e tinha algumas actividades no centro da cidade. O Festival conseguiu encher o Auditório do Cnema em muitas sessões, mas a força do Festival não era a mesma. As dificuldades organizativas, a que não foi alheia a falta de apoio financeiro, impuseram uma nova mudança no formato do Festival e suscitou o regresso ao Campo Infante da Câmara, instalando-se na Casa do Campino, abrindo espaço à participação de outras áreas da cultura tradicional, como é o caso do artesanato, da gastronomia, do fado, do fandango e dos jogos tradicionais, apostando na diversidade e na construção de um programa não apenas mais abrangente, mas, sobretudo, mais preenchido. Há males que vêm por bem e a decisão de apostarmos num novo modelo apresenta-se hoje como fundamental para assegurar um futuro auspicioso do Festival “Celestino Graça”, agora transformado na Festa das Artes e das Tradições Populares do Mundo. Estamos a crescer e a consolidar este projecto, que até agora se tem revelado muito satisfatório. Mas, há ainda muito espaço para crescer, embora não queiramos dar o passo mais largo do que a perna…
Quantos grupos estão envolvidos, de que países, e como classifica o nível dos participantes?
Nesta edição do Festival “Celestino Graça” participam seis grupos folclóricos estrangeiros, em representação de Argentina, Brasil, Colômbia, Croácia, Espanha e Sérvia, e nove grupos folclóricos portugueses, em representação do Douro Litoral, da Beira Alta, da Beira Baixa, da Alta Estremadura, do Ribatejo e do Algarve. Mas, para além destes grupos folclóricos há a considerar a participação de agrupamentos de música tradicional, de música de animação, de fadistas e de tocadores de concertina. Passarão pela Casa do Campino entre os dias 5 e 8 de Setembro cerca de seiscentos artistas, a nível do canto, da música e da dança. O nível de qualidade é muito elevado e temos dificuldade em eleger qual é o melhor grupo presente nesta edição do Festival, porque qualquer avaliação é sempre subjectiva. Agora há grupos que vão empolgar o nosso público, disso não temos dúvidas…
Que momentos altos do programa deste ano destacaria? E quais são as grandes novidades?
Os momentos mais altos da programação do Festival “Celestino Graça” são as galas de folclore internacional, que constituem a grande âncora do certame. No entanto, a Gala de Fado Amador está a gerar grande expectativa e a recuperação do Festival Infantil de Folclore, a que atribuímos a designação de “Cidade de Santarém”, também nos agrada muito, pois, as crianças que andam nos grupos de folclore são a nossa esperança de que o projecto de salvaguarda das nossas tradições não se perca nos anos mais próximos. Este ano recuperamos também a descentralização de espectáculos e vamos ter grupos folclóricos estrangeiros a actuar em Almeirim, em Abrantes e nas Caldas da Rainha, o que nos permitirá também aumentar algumas receitas para fazer face às elevadas despesas.
E em termos de apoios, como é que a organização consegue manter a realização de um festival deste género?
Nós estamos especializados em gestão de dificuldades, as quais nos acompanham desde sempre. Aliás, se estivéssemos à espera de ter algum dia os recursos, financeiros e logísticos, para levar por diante uma iniciativa desta grandeza nunca a inauguraríamos. Nunca tivemos a sorte de ter os recursos que necessitamos, pelo que o desafio é também o de crescermos sustentadamente e irmos valorizando o Festival à medida das nossas possibilidades. Temos de servir quase quatro mil refeições durante o Festival, temos de assegurar o alojamento de cento e cinquenta estrangeiros durante uma semana, temos de assumir os custos de transporte de todos os grupos estrangeiros em território nacional e temos ainda de pagar uma verba diária por cada componente de todos os Grupos estrangeiros. Depois há as questões logísticas, como os cenários, a sonorização e luminotecnia dos espectáculos, o material de promoção do Festival, entre tantas outras miudezas, que todas juntas atingem valores consideráveis. Contamos com algumas preciosas ajudas, entre as quais a do Centro Educativo de Solidariedade Social da EZN – Fonte Boa, onde alojamos os grupos estrangeiros, e mais alguns apoios residuais, mas ainda assim importantes, porque para nós que somos pobres, pouco é pouco, mas nada é nada. Por isso o pouco já é muito.
Um dos nossos grandes objectivos é alcançarmos a sustentabilidade do Festival “Celestino Graça”, contando necessariamente com os apoios da Câmara Municipal e da União de Freguesias de Santarém, mas sabendo que o Grupo Académico de Danças Ribatejanas tem de ser capaz de fazer face a uma boa parte das despesas. Com a cobrança de ingressos na Casa do Campino, que apesar dos bilhetes serem a preço pouco mais do que simbólico – 3 euros por dia, com acesso a diversos espectáculos – sempre origina alguma receita, com o bar e com a tasquinha vamos logrando alcançar mais algumas verbas. Não está fácil, mas temos de reconhecer que com o grande esforço da equipa que faz o Festival há indicadores que apontam para a possibilidade de encontrar o equilíbrio financeiro, o que é a garantia de futuro. Há muito trabalho voluntário de componentes e dos seus familiares e ainda de alguns amigos dos Grupos, muita dedicação e muita poupança, pois não desperdiçamos nada e reciclamos tudo até à exaustão.
Qual é a relação das culturas populares com a constituição de uma identidade nacional? Essa identidade existe nos nossos dias ou tende a perder-se?
Em bom rigor científico não é correcto falar-se de uma identidade nacional, porque tal é inalcançável. Onde há duas pessoas, há duas identidades, e por aí adiante… No entanto, há alguns aspectos identitários que são comuns a um maior número de pessoas e é aí que se estrutura um imaginário colectivo, que nunca pode ser assumido por absoluto. Nestas coisas tudo é relativo e precário. A invenção de tradições e a criação de estereótipos têm, geralmente, o objectivo de fomentar as matrizes identitárias de uma comunidade, de uma nação, embora não seja culturalmente sério falar-se de uma identidade nacional, ou até regional. Vejamos, o fado é considerado uma expressão identitária portuguesa, mas quem não gostar de fado não se revê nessa matriz. Outro exemplo, a nível do Ribatejo considera-se muitas vezes que a tradição tauromáquica constitui uma das essências da identidade ribatejana, no entanto, quem não apreciar a tauromaquia, já não se revê nesta matriz. Agora, há valores do imaginário colectivo que persistem em muitas gerações, apesar de as modas cada vez serem mais efémeras, e é neste compromisso entre a dimensão afectiva e a dimensão sócio-cultural que perduram algumas referências que poderemos considerar, “grosso modo”, identitárias. E estas não correm o risco de se perder de um dia para o outro, mas, naturalmente, vão evoluindo. Todas as tradições evoluem, até que algumas se descaracterizam ou mesmo se extinguem, para dar lugar a outras. Sempre assim foi e tudo leva a crer que assim continuará a ser. Sem dramatismos!
Quais são os maiores problemas que o Folclore enfrenta actualmente?
O problema que mais afecta o movimento associativo folclórico português é a falta de reconhecimento oficial a nível social, político e cultural. O Estado tem-se demitido de intervir nesta área da cultura, subalternizando a expressão cultural que lhe está associada e não respeitando as largas dezenas de milhar de pessoas que estão envolvidas neste processo. Se não fossem os grupos de folclore, independentemente da sua valia técnica, nós seríamos um povo culturalmente mais pobre, e muito do que constitui o património etnográfico e folclórico nacional estaria inapelavelmente perdido. Neste aspecto pouco ou nada temos que agradecer a praticamente nenhum governo depois do 25 de Abril de 1974. Apenas dois saudosos ministros da Cultura se interessaram por esta matéria, o Dr. Francisco Lucas Pires e o Dr. Coimbra Martins. Os restantes ignoraram completamente o folclore e o movimento que lhe está associado. Olham para o folclore com inqualificável sobranceria. É uma pena. Quando o Estado não reconhece o esforço e a dedicação de tanta e tão boa gente, está tudo dito.
Que futuro antevê para o Festival “Celestino Graça”?
Porque sou, estruturalmente, optimista, aposto num futuro cada vez mais auspicioso para o Festival “Celestino Graça”, em cujo âmbito decorre o festival internacional de folclore, o festival infantil, a exposição-feira de artesanato, a gastronomia ribatejana, a música popular, o salão de fotografia, a gala do fado amador, a animação musical e tudo o que caiba no conceito da arte e das tradições populares do mundo. Há um espaço infindável para crescer, para inovar e para engrandecer. Esse é o nosso constante desafio, pois, nunca nos damos por satisfeitos com o que vamos conseguindo fazer. Queremos sempre mais e melhor e, com base nesta atitude, o Festival “Celestino Graça” só pode crescer e valorizar-se. Assim nos ajudem.