A demora na resposta de municípios e entidades culturais sobre espectáculos suspensos devido à covid-19 está a criar um “grave problema” no pagamento a equipas e artistas que dependem de estruturas como a associação Materiais Diversos.

A directora artística da Materiais Diversos, Elisabete Paiva, afirma que a situação mais crítica que enfrenta nestes dias prende-se com a dificuldade de diálogo e de obter respostas de entidades municipais – Câmaras, espaços culturais e uma comunidade intermunicipal – que haviam adquirido espectáculos de projectos associados.

“Assim que começámos a lidar com os cancelamentos, o que procurámos fazer foi manter o diálogo mais aberto possível com as várias instituições com quem tínhamos espectáculos agendados dos nossos projectos associados”, disse.

Segundo Elisabete Paiva, apesar de ter passado mais de um mês desde que começou a ser cancelado o agendamento de espectáculos, até à data, mantém-se a dificuldade em “obter respostas por parte dos teatros e centros culturais e municípios sobre o que pretendem fazer relativamente aos espectáculos cancelados”.

“Para nós esse tem sido um problema grave, porque temos equipas de artistas a nosso cargo que dependem dos honorários que viriam a auferir na apresentação desses espectáculos. Não tendo respostas claras das estruturas que tinham esses espectáculos comprados, mas que ainda não tinham efectuado pagamento, nós não temos capacidade de tesouraria para pagar às equipas que temos a nosso cargo”, declarou.

Sendo todas instituições públicas – entre as quais uma comunidade intermunicipal que só esta semana comunicou um cancelamento sem dizer se vai assumir o pagamento, “totalmente ou em parte” -, a directora artística da Materiais Diversos lembra que foi criada legislação extraordinária para que este tipo de compromissos seja assumido.

“Isso parece-me já grave, porque, se estivéssemos a falar de uma venda a outra estrutura independente, com uma escala menor e dependência de fundos públicos, aí compreendemos que seria mais difícil com rapidez dar uma resposta, mas, no caso das estruturas públicas, os orçamentos para 2020 estão mais do que fechados”, além de que “há uma retaguarda, que é uma lei extraordinária, que já obriga essas entidades públicas a assumirem os compromissos”, salientou.

No caso da Materiais Diversos, estão em causa cinco eventos que envolvem três equipas diferentes, num total de cerca de 20 pessoas.
Estas pessoas “precisam sobreviver e pagar as suas contas agora e não em 2021 ou daqui a seis meses”, afirmou.

Elisabete Paiva lamentou ainda que, em vez de respostas claras, estas entidades optem “por respostas evasivas ou unilaterais”, dizendo que optam pelo reagendamento, nalguns casos definindo novas datas unilateralmente, sem terem em conta a agenda das equipas, que “trabalham a projecto”, estando “comprometidas por várias vias e ao mesmo tempo estão suspensas por todas elas”.

Nos casos de Alcanena e Cartaxo, onde decorre o programa regular da Materiais Diversos, a situação é diferente, porque existe “um apoio sustentado da Direcção-Geral das Artes (DGA)”, que reagiu “rapidamente”, mantendo as transferências.

Essa “margem de apoio sustentado” permitiu, em diálogo com as equipas contratadas para o programa regular, perceber o que era mais benéfico para todos, se o reagendamento ou o cancelamento, mantendo os pagamentos previstos.

“Neste momento, temos em perspectiva reagendar todos os eventos do programa regular. Há uma parte que está concentrada nos meses de verão – Julho, Agosto e Setembro – e só há uma actividade pensada para passar para 2021”, disse.

No caso das residências artísticas, a que se iria iniciar nos estúdios Vítor Cordon – no âmbito do projecto “O Primeiro Sol”, de Sofia Dinger e Miguel Boneville – foi adaptada para um formato ‘online’, tanto na fase de criação como a apresentação, decorrendo a residência no Cartaxo “mais tarde”.
Uma outra residência artística programada para o Cartaxo vai ter a fase de entrevistas a decorrer online, prevendo-se a apresentação do espectáculo já em palco, adiantou.

Com toda a equipa em teletrabalho desde 9 de Março, a Materiais Diversos iniciou uma rubrica nova, mensal, na sua ‘newsletter’, “O Tempo das Cerejas”, inaugurada com um texto de reflexão sobre a pandemia do artista plástico João Sousa Cardoso, a que se seguirá, em Maio, o artista italiano Alessandro Sciarroni.

Parte da equipa, a que habitualmente faz trabalho no terreno, está a fazer pesquisa no âmbito de um projecto, que conta com ‘mentoring’, durante um ano, da Acesso Cultura, para “alterar algumas práticas de acessibilidade do programa regular e do festival”, como a inclusão de língua gestual portuguesa e a adequação a pessoas com deficiência.

Elisabete Paiva está já a preparar a programação para 2021, sem pressa, porque quer “avaliar a situação como mais tranquilidade e obter mais dados sobre qual o desenvolvimento da pandemia”.

Em Março, o Governo aprovou “medidas excepcionais e temporárias no âmbito cultural e artístico, em especial quanto aos espectáculos não realizados, entre os dias 28 de Fevereiro de 2020, até 90 dias úteis após o término do estado de emergência”.

O Ministério da Cultura realçou que estas medidas, concretizadas num decreto-lei publicado a 26 de Março, permitem “às entidades públicas, nacionais ou municipais, promotoras de espectáculos de natureza artística” no caso de reagendamento, “utilizarem os mecanismos legais dos regimes de adiantamento do preço, revisão de preços e ainda o regime dos bens, serviços ou trabalhos complementares”.

“Em caso de cancelamento, as mesmas entidades públicas podem proceder ao pagamento dos compromissos assumidos e efectivamente realizados, na respetiva proporção”, assinalou o ministério, quando ao decreto.
A Assembleia da República aprovou propostas incluídas num projecto de lei do Bloco de Esquerda (BE) que alteram aquele diploma, no sentido do pagamento, por entidades públicas, de espectáculos cancelados como se se tivessem realizado.

Em concreto, as alterações dizem respeito ao artigo 11.º do decreto-lei, que visa os “espectáculos promovidos por entidades públicas”, explicitando que essas mesmas entidades devem garantir “o pagamento de todos os valores devidos, em razão da actividade que venha a ser cancelada, a todas as pessoas, singulares ou colectivas, incluindo autores, artistas, trabalhadores e prestadores de serviços, pelo montante total contratado ou previsto, como se a actividade fosse realizada na data prevista para o efeito”.

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