O Dia Mundial de Combate ao bullying assinala-se a 20 de outubro. A data é um alerta internacional para o problema do bullying com que muitos jovens vivem. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), uma em cada três crianças do mundo, entre os 13 e os 15 anos, é vítima de bullying na escola, regularmente.
O surgimento do bullying ocorre na Inglaterra e a expressão deriva do verbo to bully, que tem seu significado atrelado à grosseria, desumanidade, tirania, terror e medo. Este fenômeno ocorre principalmente no ambiente escolar, onde convivem crianças e adolescentes em formação de caráter e valores, caracterizando-se em suma por atos, atitudes, gestos e palavras, direcionadas por um agressor hostil e degradante à outra pessoa, a qual denominamos de vítima.
O bullying escolar, ou violência entre pares não é um fenómeno novo. As conhecidas consequências e efeitos negativos deste comportamento para o desenvolvimento e saúde dos jovens envolvidos e as muitas implicações do ponto de vista da prática educativa, trouxeram renovado interesse sobre a problemática do bullying por parte dos alunos, pais, profissionais da educação, da saúde, da comunicação social e governantes de todo o mundo. Não obstante, a sua importância só recentemente foi reconhecida. Até então, muitos casos de bullying foram ignorados e apelidados de “coisas de criança”, inerentes ao crescimento.
Entre nós, por bullying entendemos uma conduta vexatória, humilhante, constrangedora, degradante e violenta, de forma sistemática e prolongada, cuja repercussão se reporta a dignidade e integridade física e psíquica de um determinado ser humano, cujo objetivo é prejudicar sua autoimagem, causando um sofrimento intenso e ainda, eliminá-lo do meio social e da convivência da sociedade.
Quanto à forma como se concretiza, podemos falar em três tipos de bullying: o bullying físico, que consiste em produzir danos físicos à vítima através de rasteiras, empurrões e restantes agressões à integridade física da mesma; o bullying verbal ou gestual, no qual, embora os agressores não produzam danos físicos, servem-se de insultos, injúrias, troça, ameaça, alcunhas e “caretas” que afetam a vítima; o bullying indireto que consiste em ostracizar, excluir socialmente, espalhar boatos e difamar a vítima e, ainda, o bullying sexual que consiste em reproduzir gestos obscenos, fazer comentários de cariz sexual e obrigar à prática de atos sexuais.
Os sinais e sintomas que a criança que sofre bullying pode apresentar são: “enurese noturna, alterações do sono, cefaleia, dor epigástrica, desmaios, vômitos, dores em extremidades, paralisias, hiperventilação, queixas visuais, síndrome do intestino irritável, relatos de medo, resistência em ir à escola ou a determinado lugar, insegurança por estar na escola, queda no rendimento escolar, atos deliberados de autoagressão, demonstrações de tristeza e quadros psiquiátricos como anorexia, bulimia, isolamento, tentativas de suicídio, irritabilidade, agressividade, ansiedade, perda de memória, quadros conversivos, depressão e pânico.
No encalço de legislações de vários países, o Governo Português elaborou a Proposta de Lei n.º 46/XI/2.ª4, que se destina a criar o crime de violência escolar, prevendo-se, para esse efeito, uma alteração do Código Penal. A autonomização deste crime é justificada, na exposição de motivos da Proposta de Lei, pela protecção especial que deve ser dada à manutenção de um ambiente escolar seguro e salutar, que ao Estado compete garantir. Há, porém, quem veja como desnecessária a criação deste crime, quer por consistir na tipificação de condutas subsumíveis a outros tipos de crime – crimes de ofensas à integridade física (artigo 143.º), coação (artigo 154.º), injúria (artigo 181.º), difamação (artigo 180.º), devassa da vida privada (artigo 192.º) ou gravações e fotografias ilícitas (artigo 199.º). A estes tipos acresce a previsão de agravações ou qualificações. Outra sede de tipificação, com afinidades com a tipologia penal, pode ser encontrada na Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14/09, atualmente, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4/2015, de 15/01). Em sede de responsabilidade civil, a base de toda a responsabilização radica ainda hoje no artigo 483.º do Código Civil, de cujo teor se extraem os pressupostos da obrigação de indemnizar.
Foi esta a proposta de tipo legal de Violência escolar 1 -Quem, de modo reiterado ou não, e por qualquer meio, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a membro de comunidade escolar a que o agente também pertença, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 -A mesma pena é aplicável a quem infligir maus tratos físicos ou psíquicos a membro da comunidade escolar a que também pertença um seu descendente, colateral até ao 3.º grau ou menor relativamente ao qual seja titular do exercício das responsabilidades parentais. 3 -Se dos factos previstos nos números anteriores resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. 4 -Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência escolar.»
“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida.” (Cesare Beccaria).
