A abstenção eleitoral, o direito de não exercer o direito de voto, tem vindo em crescimento desde 1975.

Se olharmos de forma direta para o confronto entre os dados de 1975, ano das primeiras eleições legislativas após o 25 de abril, versus os de 2022, ano das últimas eleições legislativas, a diferença é assustadora: 8,5% vs 48,6%, e isto considerando a percentagem de eleitores a viver dentro e fora do país.

Mas, se olharmos para o fenómeno considerando apenas os residentes em Portugal, também aqui temos uma enorme diferença: 8,3% de abstenção em 1975 contra 42% em 2022.

Há diversos fenómenos que justificam uma abstenção crescente no nosso país ao longo de 50 anos em democracia.

A principal, transversal aos diversos países democráticos, resulta do descontentamento político e a manifestação de insatisfação com os partidos políticos, com candidatos e até com o próprio sistema político.

A esperança que havia na sociedade nos anos 70 foi galvanizadora e impulsionadora para uma elevada participação em 1975. Ao longo destas 5 décadas foi-se constatando, fruto da redução sua participação, que muitas vezes os cidadãos não se sentem representados nas opções que se colocam a eleições, motivo pelo qual optam, simplesmente, por não votar.

A juntar a este facto, temos de ter em linha de conta uma crescente desconfiança nas instituições, quer com o governo, com a assembleia da república, a Europa e mesmo o sistema judicial, o que desencoraja à participação.

A perceção de corrupção ou falta de transparência pode igualmente minar a confiança dos eleitores.

Depois, temos de ter em conta que alguns eleitores pura e simplesmente não se interessam pela política ou consideram que o seu voto não faz qualquer diferença.

Este sentimento resulta de uma certa falta de educação cívica, de informação insuficiente, mas também da errada perceção de que a política não afeta diretamente suas vidas.

As características do sistema eleitoral e a dinâmica partidária também influenciam a abstenção. Ao não se identificarem com nenhum partido ou candidato, os eleitores sentem que as opções são limitadas, podendo optar por não participar.

Depois as mudanças demográficas, numa sociedade cada vez mais envelhecida e com um crescimento de esperança de vida como a nossa, influenciam de forma direta os próprios padrões de abstenção e interferem inclusive diretamente com as sondagens, isto se tivermos em linha de conta a estrutura etária das populações que dispõem de telefones fixos e que são mais facilmente participantes em processos de sondagem.

Teremos ainda a dificuldade do exercício do direito de voto. Ou melhor dizendo, a questão do voto presencial e na área de recenseamento.

O regime ainda não se adaptou o suficiente aos tempos em que vivemos e à mobilidade dos cidadãos. O voto eletrónico ainda não foi adotado e o voto antecipado, apesar dos esforços, ainda fica muito aquém de poder ser um verdadeiro obstáculo à abstenção.

E depois, claro está, temos os “eleitores fantasmas” que continuam a existir nos cadernos eleitorais e que ninguém parece interessado em querer mexer.

De acordo com um Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, teríamos em Portugal, em 2021, cerca de um milhão de eleitores recenseados a mais face ao número de residentes em Portugal com direito de voto.

Este sobre recenseamento resulta dos portugueses que emigram, mas continuam inscritos nos cadernos eleitorais nacionais em vez de se inscreverem num consulado, o que tem ocorrido de forma mais evidente com a população jovem licenciada que tem optado pela emigração numa procura de oportunidades e melhores condições no estrangeiro e que, a prazo, o país pagará um preço bem elevado por esta perda de capital humano.

Para contrariar a ausência da participação, o primado do voto em mobilidade, nos dias dos atos eleitorais, poderia ser uma arma poderosa contra a abstenção.

A revisão dos cadernos eleitorais, que tão raras vezes ocorreu no nosso país, seria outra arma importante e com impacto direto na redução da abstenção.

Por fim, a necessidade de aumentar o grau e índice de credibilidade das instituições. Talvez sendo esta a mais importante, é igualmente a mais difícil. Certo é que, todas juntas, contribuiriam de forma decisiva para aumentar a participação dos cidadãos, e impediriam que, eleição atrás de eleição, a abstenção fosse “uma das vencedoras da noite”.

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