Irmã Maria de Jesus Armez, Superiora Geral da Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima

A Congregação, religiosa e feminina, das Servas de Nossa Senhora de Fátima, fundada por Luiza Andaluz, em 1923, na cidade de Santarém, tem como missão “responder às necessidades urgentes da missão da Igreja”.
Recentemente, realizou o XVII Capítulo Geral, no qual a Irmã Maria de Jesus Armez foi eleita Superiora Geral da Congregação. Ocupará o cargo nos próximos seis anos, durante os quais pretende dar continuidade aos projectos em que a Congregação está empenhada, “alguns já com história, outros ainda a iniciar”.
Segundo a Irmã Maria de Jesus Armez, “o Capítulo é um tempo especial mas não fica tudo definido, há muito trabalho a fazer. Aliás a nossa vida é muito assim, não ter as coisas demasiado definidas, mas viver nesta atenção ao mundo e a Deus, que nos fala muito através das situações”, afirma nesta entrevista ao ‘Correio do Ribatejo’.

A Congregação, religiosa, feminina, fundada por Luiza Andaluz em 1923 na cidade de Santarém, tem como missão responder às necessidades urgentes da missão da Igreja. Que missões são essas?
Como os locais onde temos comunidades têm necessidades diferentes as respostas são bastante diversas. Na área social estamos presentes em centros sociais, onde houve uma mudança na forma de presença, sendo, no presente, sobretudo nas direcções, assegurando assim a presença dos valores nas Instituições. Nesta linha tem-se investido na implementação de actividades pastorais: “Despertar da fé” e “Põe-te a mexer com Jesus”.
Esta presença social concretiza-se também através de outras Instituições, como a Fundação Luiza Andaluz, em Santarém, que acolhe crianças e jovens em risco desde 1925 ou colaborando com organismos paroquiais que se ocupam dos mais desfavorecidos, ou ainda empenhando-nos na resolução de problemas das pessoas que conhecemos nos meios onde vivemos.
Há tanto que fazer nesta área, tantas pessoas que se forem ajudadas podem encontrar o caminho do bem para si mesmos e para as suas famílias e como consequência para a sociedade.
A área pastoral é outra onde realizamos a missão também de forma muito diversificada, de acordo com as necessidades da Igreja local.
A inserção profissional, sobretudo nas áreas da saúde e da educação é também um campo de missão que privilegiamos porque nos possibilita chegar aos que não encontramos na Igreja, e que são afinal os mais “necessitados” da sua missão.
Mas uma parte significativa da missão é realizada pelas relações informais com os vizinhos, colaboradores… e na atenção às suas necessidades. Por isso, abrimos novos campos de missão como os Centros de Dinamização Juvenil ou o Luiza Andaluz Centro de Conhecimento.

Uma das vossas preocupações é a promoção da dignidade da pessoa humana através daquilo a que chamam “educação integral”. De que forma se manifesta esse empenhamento?
Manifesta-se, de acordo com as situações, em procurar que cada pessoa desenvolva as suas potencialidades a todos os níveis e se torne protagonista da sua própria história e ao mesmo tempo um cidadão empenhado na sociedade. E, se acolher o dom da fé, um cristão convicto e activo na vivência e no testemunho da fé e dos valores cristãos de acordo com a sua vocação.

A sociedade, tal como se nos apresenta nos nossos dias, acaba por pôr em causa essa mesma dignidade. Que respostas tem a Congregação para quem é vítima?
A primeira coisa que procuramos fazer é despertar nas pessoas a consciência dessa dignidade – entra aqui a formação integral. Depois, nas situações e grupos específicos temos algumas respostas concretas, o caso da Fundação Luiza Andaluz, já citada; de um projecto de formação de jovens raparigas líderes em Moçambique, que tem como primeiro objectivo que as jovens não abandonem os estudos precocemente mas se formem e desenvolvam para poderem ser protagonistas da sua própria vida e não vítimas. É preciso cortar o ciclo de uma mentalidade onde a mulher tem poucos direitos além do de ser mãe, muitas vezes mãe que tem de prover sozinha ao sustento dos filhos.
Estes são campos de acção mais organizados, mas existem muitas outras, como por exemplo participar na ajuda aos refugiados – recebemos várias famílias nas nossas casas e acompanhámo-las até se integrarem e poderem prover ao seu sustento; ajudar pessoas que não têm direitos porque não estão legalizadas e ajudá-las a aceder às respostas sociais existentes…

Sentem que a vossa acção é compreendida por uma sociedade cada vez mais depejada de valores? Vivemos um tempo desafiante?
As pessoas tendem a valorizar o que é bem, o que vai em auxílio dos que precisam e muitas colaboram nesta acção em favor do bem social. Nesta dimensão parece-me que o que fazemos é compreendido e valorizado. Isto é muito bonito, o ser humano tem este gosto pelo bem e se não entrou em caminhos de desumanização, interessa-se pelo bem do outro. Deus criou-nos, a todos, à sua imagem, e isso é muito forte, é estrutural. Assim os valores não vão acabar. Há um eclipse de valores, alguns fundamentais, inclusive para a possibilidade da continuidade da humanidade, mas entretanto também há outros que emergem.
Sim, creio que vivemos numa fase crucial e desafiante, o pior que nos pode acontecer é não termos esperança e aqui a fé tem um papel muito importante porque nos abre a um horizonte de esperança.
O grande desafio é que as pessoas se deixem encontrar por Deus que experimentem a sua presença, o seu amor… Deus é sempre a “solução” do ser humano, por isso do nosso mundo.
Esta é a parte que muitas pessoas valorizam menos da nossa acção, da nossa vida e é a mais importante, o testemunho, o anúncio de que Deus está connosco, quer caminhar connosco, porque nos ama.

Madre Andaluz é, ainda hoje, fonte de inspiração?
Sem dúvida, uma fonte de inspiração que, nós Irmãs, estamos continuamente a redescobrir. Até há pouco tempo não tínhamos acesso aos seus escritos e esta “fonte” vai ajudar-nos muito, vai inspirar-nos nesta fase desafiante mas muito bonita da nossa história, que nos cabe viver.
Luiza Andaluz fez uma experiência muito profunda e bela de Deus e da vida, o que se reflectiu numa vivência muito intensa e unificada entre fé e vida, entre relação com Deus e compromisso com o bem integral das pessoas. E, com a sua capacidade de liderar, conseguia envolver os outros, mesmo os que não partilhavam a fé, neste projecto de desenvolvimento das pessoas. A sua confiança em Deus dava-lhe suporte para avançar, no que percebia ser a vontade de Deus. A ousadia e determinação para a realizar, leva Luiza a procurar todos os meios para que as pessoas sejam atraídas por Jesus.

Realizaram o XVII Capítulo Geral, no qual elegeram um novo governo, nomedamente, uma nova Superiora Geral da Congregação. De que forma vai gerir os próximos seis anos desta Congregação e que projectos vão colocar em marcha?
Iremos dar continuidade aos projectos em que a Congregação está empenhada, alguns já com história, outros ainda a iniciar, e vamos estar atentas às necessidades do nosso mundo e aí escutar o caminho que Deus nos chama a percorrer, as respostas que nos chama a dar. O Capítulo lançou-nos desafios, apontou-nos caminhos que nos orientam. A partir de Setembro iremos, o grupo que recebeu este mandado, encontrar forma de os concretizar, faremos a planificação do sexénio e a programação para o próximo ano. Este é um tempo de procura, o Capítulo é um tempo especial mas não fica tudo definido, há muito trabalho a fazer. Aliás a nossa vida é muito assim, não ter as coisas demasiado definidas, mas viver nesta atenção ao mundo e a Deus, que nos fala muito através das situações.

“O que tenho vou dar-te” foi a expressão inspiradora deste XVII Capítulo. Significa exactamente o quê?
Significa a consciência que o que temos e somos é dom de Deus e por isso não pode ser guardado. É para partilhar. E também que, porque é dom de Deus, é de boa qualidade, é necessário e útil ao nosso mundo, porque os dons de Deus são sempre para bem dos outros.
A escolha deste lema compromete-nos a sermos ousadas e criativas, a confiarmos, como Luiza, na força do dom do carisma (o dom que Deus concede, neste caso, a uma família religiosa, que lhe dá a identidade).

A Congregação está presente em várias Dioceses portuguesas, mas também no estrangeiro. Onde concretamente?
Em Moçambique, em duas dioceses, Maputo e Inhambane; Angola, duas dioceses, Luanda e Sumbe; Brasil, em Belo Horizonte; Guiné Bissau, em Bissau; Bélgica, em Bruxelas e Luxemburgo, no Luxemburgo.

Em qualquer local onde estejam assumem sempre um compromisso de proximidade à comunidade que servem. De que forma é esse compromisso compreendido pela comunidade?
As comunidades são sensíveis a esta forma de presença, no geral há uma relação muito próxima, em muitos casos familiar com as pessoas. Para algumas pessoas as Irmãs são um apoio, a família – o caso dos migrantes com quem partilhamos a missão sobretudo em Bruxelas e Luxemburgo. Mas também noutros locais, aqui em Portugal, há uma relação normal de proximidade com as pessoas com quem colaboramos, com os vizinhos.
Por vezes, os contextos em que as comunidades estão inseridas não facilitam tanto esta proximidade, mas é aí onde ela se torna ainda mais necessária. Sabemos a solidão em que vivem muitas pessoas nos grandes centros urbanos. Para nós é um desafio estabelecer relação, chegar a essas pessoas. As nossas limitações, em número, não nos permitem, por vezes, sermos tão presentes como gostaríamos. Aqui vem o desafio de, como Luiza, envolver outros neste desejo de chegar a todos.

Os Centros de Dinamização Juvenil pretendem ser uma resposta à formação cristã dos jovens?
Sim, à formação cristã e humana, a tal formação integral. Os Centros existem, neste momento, em Portugal, Angola e Moçambique e têm programas diferentes segundo as necessidades dos jovens. O seu objectivo é proporcionar aos jovens um espaço de desenvolvimento pessoal onde a dimensão da fé tem um lugar importante, porque estamos convencidas que o melhor que podemos fazer por uma pessoa é ajudá-la a descobrir a presença de Deus na sua vida e a aderir ao seu projecto de amor. Mas há jovens a frequentar os centros que não têm fé, ou têm outra religião.

Outro dos projectos, já uma certeza, é o Luiza Andaluz Centro de Conhecimento. É o aproveitar da dimensão educativa que a fundadora sempre teve?
Este projecto, ainda no início, é inspirado na abertura de Luiza ao mundo, e numa necessidade gritante de abrir portas para que a cultura, a arte sejam caminho para Deus.
A divisão em que vivemos entre o espaço religioso e o profano, não é cristã. O Deus de Jesus Cristo é um Deus connosco. Luiza, como já tentei dizer, é portadora deste carisma, desta visão de Deus e nós sentimo-nos impelidas a encontrar as formas de partilhar este dom.
O Luiza Andaluz Centro de Conhecimento tem este objectivo de ser um lugar, físico e virtual onde se possa experimentar esta presença de Deus através das realidades do mundo e se possa também partilhar a pessoa de Luiza, porque ela é muito inspiradora para quem deseja viver com um horizonte de plenitude.

Há quatro anos (2017) o Papa Francisco aprovou um decreto que reconhece “as virtudes heróicas” de Luiza Andaluz. Foi, digamos, o primeiro passo para o processo de canonização de Madre Andaluz. Acha-o possível? Está dependente de quê?
É perfeitamente possível, porque Luiza tem uma história que justifica ser tomada como indicadora do caminho para Deus.
Está dependente de haver um milagre que possa preencher os requisitos necessários para ser considerado como tal. E este, por sua vez, está dependente de nós o pedirmos a Deus, de criarmos condições para que Deus se revele através da sua serva Luiza. Há uma parte importante que depende de nós, que conhecemos e confiamos na intercessão de Luiza e outra, a maior, que depende de Deus e, por vezes, o tempo de Deus é muito diferente do nosso.

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