José Relvas ficou para a História de Portugal como o rosto que, da varanda dos Paços do Concelho, em Lisboa, proclamou a República no dia 5 de Outubro de 1910. Mas José Relvas foi muito mais que o republicano que inventou o Escudo, que integrou sucessivos Governos e que foi embaixador de Portugal em Espanha nos primeiros anos do novo regime. Grande proprietário agrícola, filho do célebre fotógrafo Carlos Relvas, José Relvas construiu uma notável colecção de arte com milhares de obras, algumas delas de referência internacional. Atingido por sucessivas tragédias familiares que o deixaram sem descendência, José Relvas doou a Quinta dos Patudos e a respectiva casa com as suas colecções de pintura, escultura, mobiliário, têxteis ao povo de Alpiarça.
A Casa dos Patudos foi inaugurada, como Museu, em 15 de Maio de 1960. Hoje, sexta-feira, 15 de Maio de 2020, 60 anos volvidos, Nuno Prates conduz o Correio do Ribatejo numa viagem através deste riquíssimo património resgatado, graças aos fundos comunitários, do declínio em que havia entrado na década de 1990, sendo hoje uma referência nacional. Com o primeiro projeto de reabilitação apresentado em 1998, no mandato do socialista Joaquim Rosa do Céu, a casa que José Relvas mandou construir no início do século XX, com desenho do arquitecto Raúl Lino, viu travada a degradação que estava a ser provocada pelas infiltrações de água a partir da cobertura.
Começou aí um lento processo de reabilitação concluído em 2013, no mandato de Mário Pereira, e que deu à Casa dos Patudos não só a reabilitação do edifício, mas, também, um novo percurso expositivo com a abertura de espaços até aí fechados ao público e o restauro de muitas obras, mostrando a colecção de arte reunida por José Relvas ao longo da sua vida. Nuno Prates acompanhou o processo: nasceu em Alpiarça, é Conservador da Casa dos Patudos – Museu de Alpiarça desde 2011, um espaço, que, afirma, “é único”. Licenciado em História (Variante de Arqueologia) pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, frequentou ainda a Licenciatura em História da Arte, na mesma Universidade. Na Universidade de Évora obtém estudos pós-graduados em Museologia. Na Universidade Aberta, Lisboa obtém o Curso – Inventário do Património Cultural Imaterial. É ainda formador na área e domínio da Didáctica da História, pela Universidade do Minho. Mestrando em Gestão e Valorização do Património Cultural – especialidade Património Artístico e História da Arte Professor de História, Investigador em História Local e Regional e Museólogo. Tem colaborado em algumas publicações no âmbito da sua área académica e profissional.
A Casa dos Patudos foi inaugurada, como Museu, em 15 de Maio de 1960. Qual é a importância para a região desta casa-museu?
Sim, é verdade a Casa dos Patudos, abriu ao público no dia 15 de Maio de 1960, há precisamente 60 (sessenta) anos.
É sem sombra de dúvida um espaço museológico importante para a região, uma vez que, pelo excelente acervo, é considerado o melhor museu autárquico do país. É um espaço único neste território.
Para além de podermos ver a excelente colecção de arte reunida por José Relvas, podemos também ficar a conhecer a história desta família e por sua vez a História Contemporânea de Portugal. De acordo com a importância que este espaço tem na região é gerador de uma sustentabilidade económica e social, esta traduz-se pelo desenvolvimento de oportunidades de cariz empreendedor para as comunidades locais.
Uma vez que a nossa visita é sempre guiada e há possibilidade de a realizar em seis línguas (português, castelhano, inglês, francês, alemão e italiano) são vários os turistas nacionais e estrangeiros que nos visitam e que acabam por visitar outros pontos de interesse neste espaço territorrial, criando-se assim polos de desenvolvimento turístico sustentável e de cariz promocional da autenticidade e valores das tradições locais. São disso exemplo a estreita ligação com a divulgação dos nossos produtos locais e regionais (provas de vinhos, doçaria e artesanato).
A conclusão das obras no edifício, em 2013, foi um marco importante na própria história da casa?
Sem dúvida, marca um momento importantíssimo na História da Casa. Abriu-se ao público o segundo andar, ou seja, os aposentos privados. Em tempos já tinham sido abertos os aposentos de José Relvas, mas os novos espaços como, por exemplo, o quarto de escovar, o quarto de João Chagas, o quarto da Dª Eugénia e uma casa de banho da época, foram-no pela primeira vez.
Registou-se também a recolocação de um painel de azulejos que tinha sido retirado aquando da abertura ao público como museu, em 1960, criando-se o novo circuito museológico que intitulámos de José Relvas entre os seus. Entre os seus, os amigos e a família.
Houve também a possibilidade de realizar todos os arranjos exteriores da Casa dos Patudos, a abertura da cozinha e a sua integração no circuito museológico e ainda a construção de um auditório onde temos vindo a realizar a nossa programação cultural.
Na sua leitura, quais os aspectos mais diferenciadores deste espaço museológico?
Os aspectos diferenciadores deste espaço museológico prendem-se com o facto de ser uma Casa-Museu, com Histórias e estórias, pode-se dizer que tem uma alma própria de um espaço vivido. Não é só um museu, existe uma narrativa histórica que ajuda a perceber quem foi a família Relvas, do que gostavam, o que faziam, como era a sua vida, com eram passados os serões. É como entrar num espaço e vivê-lo por dentro, não como espectador, mas como parte integrante dessa história.
E as peças mais curiosas que os visitantes podem ver?
A Casa dos Patudos foi propriedade de José Relvas, que a legou ao Município de Alpiarça, com todo o seu acervo artístico. A colecção tem peças de variadas épocas e tipologias, desde os finais do século XV até aos inícios do Séc. XX. A Casa dos Patudos pode ser encarada em três vertentes museológicas: A Casa em si, de Raul Lino; a colecção eclética e a memória do seu fundador, José Relvas. Na Casa podemos encontrar uma vasta colecção de obras de arte, composta por pintura, escultura e artes decorativas. Na pintura portuguesa destacam‐se: Silva Porto, José Malhoa, Columbano Bordalo Pinheiro e Constantino Fernandes, além de notáveis artistas de escolas estrangeiras. Podem, ainda, ser apreciadas porcelanas de Sèvres e de Saxe, azulejaria, peças da Companhia das Índias, cerâmicas da Fábrica das Caldas da Rainha (Rafael Bordalo Pinheiro), Rato, Bica do Sapato e Vista Alegre e ainda bronzes de Chapu, de Mercié e de Frémiet. A colecção é composta por cerca de 8.000 obras de arte das quais destacava como as mais importantes o Retrato de Domenico Scarlatti, óleo sobre tela, atribuído a Domingo António Velasco, do Século XVIII; a Jarra Beethoven, Faiança da Fábrica das Caldas da Rainha, da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro, datada de 1902 e um Tapete de Arraiolos em seda sobre linho, datado de 1761.
Está à frente do da casa-museu desde 2011. O que o levou a aceitar este desafio?
Sim é verdade, estou à frente da Casa dos Patudos – Museu de Alpiarça desde 2011, foi mais um desafio e principalmente porque gosto muito da terra onde nasci: Alpiarça e em particular deste espaço, que é único.
Que marca quer deixar, em termos de projecto de musealização e na divulgação e valorização deste património?
Encaro a minha missão ao serviço da Casa dos Patudos como potenciador da valorização deste património, divulgá-lo e torná-lo acessível a todos, cumprindo as funções museológicas (Investigação, Documentação, Conservação, Exposição/Interpretação/Difusão e Educação).
A abertura de novos espaços que temos em perspectiva virão dar novas leituras à Casa. Deste modo estou certo que deixarei a minha marca e o meu legado na história da instituição.
Como é que, com uma equipa exígua e recursos limitados, se consegue tratar de um espólio de cerca de 8.000 peças, constituída por pintura, escultura e artes decorativas?
A equipa é exígua e os recursos são limitados, mas todos damos o nosso melhor e só desta forma que se consegue realizar um trabalho que é meritório por parte de todos nós.
De realçar o empenho de todo o executivo da Câmara Municipal de Alpiarça, em particular do Vereador da Cultura, Carlos Jorge Pereira, que têm sido fundamental para a concretização deste projecto.
O Ministério da Cultura deveria ter um outro olhar para a dimensão nacional do património deixado por José Relvas e envolver-se, efectivamente, na sua defesa e preservação?
Em 2011 o Senhor Secretário de Estado da Cultura (Dr. Francisco José Viegas) visitou a Casa dos Patudos, o ano passado aquando da Comemoração do Centenário do Governo de José Relvas (27 de Janeiro a 30 de Março de 1919) o Senhor Presidente da Republica, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa também a visitou, ambos ficaram impressionados com o vasto e rico espólio, uma das melhores colecções de arte existentes no país.
A Casa dos Patudos faz parte da direcção da Associação Portuguesa de Casas Museu, onde tem tido um papel fundamental na dinamização desta tipologia de museu. De acordo com o referido sobre este projeto, destacamos ainda a importância que tem para o concelho de Alpiarça, uma vez que é um espaço de referência na museologia nacional e internacional. Este espaço é o principal postal turístico do nosso concelho.
A Casa dos Patudos foi inaugurada, como Museu, em 15 de Maio de 1960 e ao longo destes 60 anos foram vários os prémios e distinções que recebeu, destacamos alguns: Prémios SOS Azulejo 2011, foi atribuída a Menção Honrosa Intervenção e Restauro’ pelo Estudo e intervenção / recolocação de painel de azulejos intitulado “Cenas agrícolas da Quinta dos Patudos conforme plano e edifício originais.
Louvor Público atribuído pela Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico, pelo trabalho desenvolvido na valorização e reabilitação da Casa dos Patudos.
Prémios APOM 2014 (Associação Portuguesa de Museologia), Prémio Projecto Internacional – Menção Honrosa – Casa dos Patudos – Museu de Alpiarça, no âmbito do projecto Animals in arts and nature, do programa Comenius.
Medalha de Ouro atribuída pela Associação Portuguesa dos Municípios com Centros Históricos (APMCH) em 2016 e o Prémio de Melhor Projecto Público de 2015 e 2017 da Entidade Regional de Turismo Alentejo e Ribatejo.
A divulgação nacional e internacional da Casa dos Patudos deveria ser articulada com outras ofertas da região e do próprio concelho?
A divulgação nacional e internacional da Casa dos Patudos já é articulada com outras ofertas turísticas na região e no concelho.
Conhecida a vontade do patrono e trabalhando para cumpri-la, contribuímos para a preservação de um património que inclui o registo memorial e documental de um ilustre republicano, a Casa tem sido um elo de ligação entre outros polos de interesse para o concelho e região, nomeadamente nas ligações entre a produção vitivinícola; espaços de lazer (Albufeira, Parque de Campismo, Piscinas e Núcleos Desportivos) e ainda a criação de um Espaço de Reserva Ambiental – Reserva do Cavalo Sorraia. A abertura de novos espaços museológicos em 2011 (Aposentos) e 2013 (Cozinha) possibilitou um atractivo para quem já conhecia o projecto, manifestando-se por um aumento de visitantes. Esta Casa constitui uma referência cultural regional e também nacional, para estudiosos e público, em geral, assim como para algumas instituições internacionais que começam a despertar para a qualidade rara do acervo.
Filipe Mendes