Aos 90 anos de idade faleceu na cidade de Santarém, onde vivia desde 1949, Edgar Gargalo Nunes (28-07-1932 / 28-06-2023), conceituado comerciante e prestigiado cidadão natural de Alpiarça.

Diligenciando uma vida mais confortável, Edgar Nunes e seu irmão Joaquim deixaram a terra natal para procurar melhor futuro na capital do Ribatejo. Não foram fáceis os primeiros tempos, tendo ficado hospedados na “Pensão Rapideza”, ali ao Largo do Seminário, onde embarcaram na “Jangada dos Náufragos”, que já integrava os cinco irmãos Cacho, com António, o mais velho, a liderar as circunstâncias, e os homónimos João Moreira, pai e filho, que ali coincidiam em todas as refeições.

O humor fino de António Cacho e a elevada cultura dos restantes “náufragos” contribuíram para a consolidação de uma amizade que duraria toda a vida. Os mais velhos foram partindo no tempo limite das suas vivências e o nosso amigo Edgar Nunes era agora o único sobrevivente desta memorável Jangada. Gente simples cuja família, por umas ou outras razões, não estava presente no seu quotidiano, o que, contudo, não impediu que todos tivessem passado pela vida de forma assinalável, valorizando as respectivas trajectórias, de que não me irei ocupar nesta referência, mas que constituíram interessantes histórias de vida.

A todos me ligou uma profunda amizade e uma elevada estima pessoal, e em alguns casos até uma certa cumplicidade, mau grado a diferença de idade que nos separava. Apenas não tive o privilégio de conviver com o Padre Moreira, um Homem austero, inteligente e culto, que cultivava um humor refinadíssimo e que com as suas ponderadas opiniões a todos ajudava a reflectir no futuro que queriam dar às suas vidas. Nesta fantástica Jangada conviveram grandes mestres e grandes alunos, de que a cidade de Santarém muito beneficiou. Adiante.

Chegado a Santarém Edgar Nunes logo tentou prover o seu sustento aceitando as ofertas de trabalho que lhe surgiam, mas a oportunidade de entrar na actividade comercial ligada aos têxteis haveria de ditar de forma bem relevante a sua vida.

Homem inteligente e perspicaz, Edgar Nunes tomou consciência de que a situação política no nosso país não correspondia aos seus ideais e, por isso, integrou-se na campanha presidencial do General Humberto Delgado, o que sinalizava bem a sua opção cívica em prol de um estado livre e democrático. Não fez carreira política, embora nunca escondesse a sua maneira de pensar.

Certamente por influência das Famílias Cacho e Moreira, Edgar Nunes cedo se envolveu no movimento associativo sócio-cultural, sendo à data do seu infausto falecimento um dos mais antigos associados do Círculo Cultural Scalabitano, prestigiada instituição que há cerca de cinco anos o distinguiu pela dedicação a esta tão notável associação cultural, com a qual muito colaborou inicialmente.

Destes contactos resultou também uma aproximação aos ilustres advogados Dr. Ginestal Machado e Dr. Fernando Martinho, pessoas de grande relevância social, mas que nunca esconderam o seu desencanto pelo regime político então vigente, pelo que estes contactos tiveram uma expressão muito significativa na formação cívica de Edgar Nunes. 

Inteirando-se facilmente das regras do comércio e com o apoio da Família Branquinho, Edgar Nunes fundou e geriu a Casa Ideal, ao tempo uma das mais prestigiadas casas de moda de Santarém, sendo uma referência a nível regional. Nesta fase da sua actividade empresarial, envolveu-se também na direcção da Associação Comercial de Santarém, cumprindo alguns anos de muita dedicação a esta causa e pugnando pela valorização da actividade comercial na cidade de Santarém e nos concelhos que então faziam parte desta prestigiada instituição. 

Dinâmico e interessado no desenvolvimento social, económico, cultural e desportivo de Santarém Edgar Nunes haveria de integrar os órgãos sociais de diversas instituições associativas, onde sempre se destacou pela sua lucidez e pelo espírito de superação que sempre o caracterizou. Em todos os cargos que ocupou Edgar Nunes deixou sempre a evidência de uma intervenção inovadora, competente e dinâmica, o que muito o distinguiu a nível regional.

Esta atitude face à vida social de Santarém não passou despercebida aos edis escalabitanos, e Edgar Nunes foi convidado para integrar a Comissão Municipal de Turismo, num tempo em que, apesar de vivermos em ditadura, havia espaço para a intervenção cívica em determinadas estruturas locais dependentes dos municípios. A experiência de vida entretanto adquirida e o contacto com pessoas tão envolvidas no sector turístico, como eram os casos de Celestino Graça, António Cacho e João Gomes Moreira, constituiu a base para uma qualificada colaboração neste sector de actividade ainda a dar os primeiros passos na nossa região.

Nestas andanças da sua vida Edgar Nunes teve a oportunidade de se relacionar também com Celestino Graça, então secretário-geral da Feira do Ribatejo / Feira Nacional de Agricultura, vindo a integrar algumas sub-comissões da Feira, de que sempre se desincumbiu com reconhecida competência e grande empenho. Até ao ano de 1974 a Feira do Ribatejo / Feira nacional de Agricultura era organizada por uma Comissão Executiva, liderada por Celestino Graça, e por uma Comissão Consultiva, presidida pelo Dr. Luís Hilário Barreiros Nunes, estando a sua estrutura organizativa assente em comissões e sub-comissões dos diversos aspectos abordados nestes certames que tanto prestígio proporcionaram à nossa cidade.

Também por influência de Celestino Graça, Edgar Nunes começou a relacionar-se com o mundo tauromáquico, pelo que mais tarde viria a integrar a Comissão Organizadora das Corridas de Toiros da Monumental “Celestino Graça”, onde ombreou com Celso dos Santos Pereira, José Dias Tinoca e Vítor Baeta da Graça. Tempos áureos em que as mais mediáticas corridas de toiros tinham lugar no tauródromo escalabitano.

Nos últimos anos Edgar Nunes fez parte da Tertúlia da Taberna do Quinzena, intervindo em diversos jantares de homenagem a antigas e a actuais figuras do toureio, sempre muito concorridas por elevado número de aficionados ribatejanos, e também colaborou com a organização da Feira do Ribatejo na animação das largadas de toiros e das corridas de campinos, actividades incluídas na programação da Feira.

Edgar Nunes faleceu vítima de uma doença prolongada que lhe impôs um certo afastamento do convívio com os seus muitos amigos, mas felizmente para todos nós pudemos beneficiar muito tempo da sua sabedoria e da sua lucidez. 

Apresentamos a expressão das nossas condolências à Família enlutada, nomeadamente a sua Esposa, D. Sílvia Limpinho Águeda, e a seu filho, Dr. Mário Edgar Nunes.

Leia também...

O que nos diz Zamora…por Ricardo Segurado

Junho é o mês dos Santos Populares. Mas, paralelamente e pelo contraponto…

As dez lições da pandemia (até agora)

Depois do susto inicial trazido pelo SARS-CoV-2, é tempo de organizar ideias,…

Visitar vírus e virtudes em Vila Viçosa

A pandemia de COVID-19 entrou de rompante nas nossas vidas e virou…

“As surpresas e confirmações da noite eleitoral…”, por Ricardo Segurado

As eleições de 30 de janeiro tiveram tanto de surpresa como de…