O Grupo Folclórico de Abitureiras esteve na passada segunda-feira, dia 10 de Janeiro, no programa televisivo “Praça da Alegria”, da RTP 1, onde representou de forma muita digna e interessante as tradições etnográficas e folclóricas da sua aldeia, integrada em plena região do Bairro ribatejano.
A caminho das três décadas de existência e de ininterrupta actividade, este agrupamento de folclore do concelho de Santarém tem desenvolvido um notável trabalho de pesquisa e de estudo da cultura popular e tradicional da região, o que está bem patente na qualificada representação ao nível dos trajos, das danças, das músicas e do cancioneiro.
A RTP-1, através do Programa “Praça da Alegria”, apresentado por Sónia Araújo e Jorge Gabriel, tem vindo a divulgar o folclore nacional através da presença em estúdio de diversos grupos e ranchos folclóricos, criteriosamente seleccionados pela Federação do Folclore Português, que, assim, tem garantido o mérito e interesse dos projectos apresentados, o que reverte inequivocamente a favor da divulgação e da dignificação do património etnográfico e folclórico do nosso país.
Alípio Canaverde, presidente da direcção deste Grupo Folclórico, detalhou em agradável conversa com os apresentadores do programa diversos aspectos das características sócio-culturais de Abitureiras, nomeadamente através da descrição de alguns dos trajos que integram o seu quadro etnográfico, destacando a indumentária mais rica própria da gente abastada e a roupa da semana, usada no quotidiano da população que outrora se dedicava quase em exclusivo às actividades agrícolas.
A gastronomia ribatejana não poderia deixar de marcar presença e, assim, foi possível apreciarmos o nosso amigo Jorge Silva “Ti Póvoas” a confeccionar uma “massa à barrão”, a que o povo antigamente chamava tão simplesmente “massa com batatas e bacalhau”. Pelo aspecto deveria estar muito gostosa…
Como sempre acontece neste programa televisivo, os grupos presentes em estúdio fazem a reconstituição de uma cena tradicional e o Grupo Folclórico de Abitureiras recreou o início de um bailarico à moda antiga, com o mestre sala a ver-se em palpos de aranha para impor alguma ordem entre os jovens bailadores que mal ouviam uns acordes do harmónio logo avançavam em correria para garantir um par. Outros tempos…
Em complemento desta excelente apresentação nos Estúdios do Monte da Virgem, uma equipa de reportagem da “Praça da Alegria” esteve em Abitureiras, onde se evocou a lenda em torno da construção da igreja local, e que, segundo a tradição, estará na origem do nome de Abitureiras, e esteve igualmente no Secorio, lugar próximo da freguesia de Abitureiras, onde, em agradável conversa com o artesão Artur Fonseca, se falou sobre o bunho e o seu aproveitamento na criação de peças antigamente usadas como mobiliário, ou das célebres esteiras, e que no presente, quase em vias de extinção, constituem uma interessante vertente artesanal.
Abitureiras – Lendária e Pitoresca
A freguesia de Abitureiras encontra-se situada na margem direita do Rio Tejo, ao norte de Santarém, na região denominada por Bairro. Uma paisagem muito característica, retalhada por pequenos casais disseminados por uma zona ondulada, em alguns casos com declives muito acentuados, intensamente arborizada, designadamente por oliveiras, que constituíam uma das principais fontes de rendimentos destas famílias, cuja subsistência era garantida através das sementeiras de cereais de sequeiro, e da criação do porco, cuja carne, cuidadosamente guardada nas salgadeiras, tinha que durar o mais possível.
Abitureiras é um povoado muito antigo, cujas origens se perdem na voragem dos tempos, porém, já no século XIV esta povoação, apesar de pequena, assumia alguma notoriedade, ao ponto de duas tecedeiras ali quererem edificar uma igreja. De tal modo o projecto destas duas mulheres era arrojado e ambicioso que o povo de então se lhes referia como “aventureiras”. A memória popular local defende que a designação de Abitureiras resultará da corruptela linguística de “aventureiras”. Cientificamente não é uma tese muito crível, no entanto, o povo sempre tenta arranjar respostas simples para situações complexas.
Estas duas senhoras calcorrearam os lugares à volta de Abitureiras a pedir apoio e ajuda para levarem por diante o seu projecto. A uns, certamente mais abastados, pediam dinheiro, a outros pediam géneros alimentícios, com que alimentariam as pessoas envolvidas nos trabalhos, ou “materiais” de construção, e àqueles de mais modesta condição era pedido o esforço do seu labor, a todos sendo prometida a intercessão divina em atenção ao seu contributo.
O que é verdade é que ao fim de alguns anos a igreja foi construída e ainda hoje está colocada na torre sineira uma pedra gravada com os símbolos das tecedeiras – uma roca, um fuso e uma dobadoira. Entretanto, o edifício conheceu fases de muito fulgor, em que se engrandeceu o seu interior com interessantes peças alusivas ao culto religioso, e outras em que se deixou degradar o edifício, chegando a ameaçar ruína. Porém, nos nossos dias, apesar de carecer de alguma intervenção de restauro, continua bem conservado no seu interior.
Para além desta lenda tão curiosa, outras duas estão associadas à bela igreja de Abitureiras. Consta que em tempos idos, no lugar que o povo conhece como Chães, nas imediações da Póvoa de Três, foi descoberta a imagem de uma santa. Suja e a necessitar de cuidados, quem a achou entendeu que o seu lugar deveria ser na igreja, tendo diligenciado nessa trasladação. Pouco tempo volvido a imagem desapareceu e após intensas buscas foi encontrada no local onde antes havia sido encontrada. Devolvida à igreja, esta situação repetiu-se mais algumas vezes, até que alguém terá sugerido que fosse construído um pequeno nicho virado para a Póvoa de Três onde a imagem pudesse ver o lugar de Chães, onde tinha sido achada. Por mais estapafúrdia que esta ideia pudesse parecer, o que se tem como verdade é que desde então nunca mais a imagem “fugiu” do local onde ainda hoje se mantém.
Finalmente, uma terceira lenda, igualmente interessante. Durante as invasões francesas do início do século XIX a tropa de uma das expedições aquartelou por uns dias nas proximidades de Abitureiras. Os oficiais responsáveis pela cavalaria terão decidido ocupar o interior da igreja para acomodar as suas montadas. Encontrando a porta fechada a sete cadeados, muniram-se de machados e começaram a destrui-la. Porém, quando lograram rebentar a resistente porta depararam-se com uma luz esplendorosa que irradiava do altar da igreja, e os cavalos quando se chegaram à porta ajoelhavam, recusando-se a entrar no sagrado templo.