O programa cultural Verão In.Str está de volta, com mais de uma centena de espectáculos nos diferentes bairros da cidade e nas vilas do Concelho de Santarém. Sob o lema “Do Solstício ao Equinócio”, a programação aposta este ano na ligação da cidade às freguesias rurais, esteando-se às seis vilas do concelho – Alcanede, Alcanhões, Amiais de Baixo, Pernes, Tremês e Vale de Santarém -, que vão receber residências artísticas itinerantes, no âmbito da programação em rede da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo.

Verão In.Str foi o ponto de partida de uma conversa com o vereador da Cultura da Câmara de Santarém, Nuno Domingos, que nos dá nota que, acima de tudo, nesta extensa programação, há o desejo de contribuir para que os habitantes e os visitantes possam “viver e sentir” a cidade, assim como as suas zonas periféricas e as vilas do concelho.

Nesta entrevista, Nuno Domingos, que tem também os pelouros do Património Cultural, Bibliotecas e Arquivos, Associativismo Cultural e Centro Histórico, partilha ainda a sua visão de cidade e levanta o véu da estratégia que desenhou para o sector da Cultura de Santarém, que descreve como um “importante factor de desenvolvimento económico, social e pessoal”

Quais são as grandes linhas da programação deste ano do IN.STR e as principais novidades?

A Iniciativa Verão In.Str, nascida da vontade de uma parceria de agentes culturais de Santarém e da Câmara Municipal, retoma este ano o seu padrão inicial de filosofia de intervenção e de prática da sua concretização. Projecto que nasceu centrado no Centro Histórico da cidade e na sua valorização, enquanto espaço de identidade e de afirmação do nosso território, viu a pandemia interromper essa lógica, durante os últimos dois anos.

Assim, desde logo importa sublinhar o regresso a um evento cujo perfil se desenha temporalmente no Verão. Do Solstício ao Equinócio, frase que assumimos como assinatura da Iniciativa e que, por isso, decorrerá de 21 de Junho a 23 de Setembro.

Mas, a este objectivo centrado da promoção e na valorização do Centro Histórico, juntamos dois outros: Unir a cidade e Unir o concelho, (que se articula com o Projeto Vilas).

Como vai ser a dinâmica deste evento, ao nível de palcos, espectáculos e envolvimento com as associações locais?

Como deriva do que antes afirmei, a Iniciativa Verão In.Str, vai este ano ocupar palcos um pouco por toda a cidade. Assim, teremos às quartas-feiras, o cinema no Sacapeito, às quintas-feiras, rotativamente, Guitarra Clássica no Jardim da Biblioteca Municipal, Jazz na Fonte das Figueiras, Música dos anos 60 nos Leões, e teatro e música em São Domingos; às sextas e aos sábados à noite, espectáculos alternadamente na Praça Sá da Bandeira (palco Seminário) e no Largo Visconde Serra do Pilar (palco Praça Velha); aos sábados (manhãs e tardes), acções a decorrer alternadamente no Jardim de Cima, Alto do Bexiga, Bairro das Trigosas e Ribeira de Santarém, bem como a animação etnográfica, no centro Histórico. Por toda a cidade, o actor Paulo Patrício, deambulará com a sua Amália.

Mas esta programação estende-se às vilas do Concelho, sobretudo com projectos ligados à dança contemporânea e à Arte Urbana. No âmbito do In.Artes, para além de outras iniciativas, vamos também ter a grande exposição de fotografia, com o tema “Artes e saberes da Construção e Uso da bateira Avieira”, que se integra no âmbito do Plano de Salvaguarda da “Cultura Avieira”. Cruzando tudo isto, alguns eventos marcantes, como o “Festival de Estátuas Humanas”

Qual é a mais-valia para este projecto da parceria com a CIMLT?

A Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT), apresentou uma candidatura à Programação em Rede, na qual foram previstas duas linhas de programação: Lezíria Imaterial, que foi executada no passado ano e Lezíria 11 x 11 que está em execução este ano.

Neste contexto, está prevista a apresentação de um conjunto de espectáculos que integram a programação da Iniciativa este ano. É naturalmente muito importante esta parceria, quer pela articulação de projectos com os outros municípios da Lezíria do Tejo, quer pela redução de custos para cada um desses municípios.

Quem vem de fora, de outras geografias, vê coisas na cidade que quem nela vive pode não ver. É isso que o IN.STR também traz?

Quem vem de fora, normalmente procura conhecer a cidade e, por isso, traz consigo o desejo de visitar o nosso património cultural, de experienciar a arquitectura e a gastronomia, enquanto aproveita a oportunidade de se recrear com as oportunidades de vivenciar espectáculos e outras formas de arte. E isso é muito importante para a cidade.

No entanto, confesso que a minha principal preocupação não é essa, mas outrossim que a população da cidade e do concelho se sinta bem que possa ela própria experienciar o que a cidade e o concelho têm de melhor para oferecer. Isto é: qualificar a vida cultural na cidade, densificando as oportunidades de experienciar o fenómeno artístico.

Foi o grande arquitecto, ainda como Técnico do Município, deste evento. Agora tem outras responsabilidades. O que fará de diferente?

O que este ano já está diferente é esta visão integral do território, que procurei materializar em objectivos que transcendem o Centro Histórico, sem o esquecer, para se recentrar na cidade como um todo, e no concelho de Santarém, através das Vilas, tal como antes referi.

Os portugueses estão habituados a conhecer a cultura como o parente pobre dos vários orçamentos estatais e autárquicos. Qual é a estratégia de Santarém por detrás deste grande investimento cultural e que mensagem se poderá passar aos outros órgãos do poder central e local?

A cultura é um importante factor de desenvolvimento económico, social e pessoal e é nessa dimensão que me interessa, sobretudo, projectar a intervenção do Município. Pessoal, porque pode potenciar o melhor de cada um de nós e, simultaneamente, oferecer oportunidades de experiências realizadoras; Económico, porque tem reflexo directo nas receitas do território. Note-se que num território que não tem mar, a cultura e o património cultural (material, imaterial) são os principais produtos turísticos.

Num outro nível, a cultura pode ajudar a

cidade a projectar-se como um lugar de qualidade de vida, de bem-estar, de encontros e de experiências e nesse sentido também potenciar o desenvolvimento social.

Uma Direcção Regional de Cultura precisa- se?

Sim, precisa-se e muito. E o nosso tecido artístico e criativo muito se tem ressentido da sua inexistência, para já não falar de outras dimensões, mais ligadas ao património Cultural. Em todo o caso, o que temos vindo a perceber é que a breve trecho, a organização regional dos serviços desconcentrados do estado se irá reestruturar, com o reforço do papel das CCDRs, onde tendencialmente todos estes sectores se irão integrar.

Que planos tem o executivo para a Cultura em Santarém para este mandato, que é também a sua estreia na vereação?

O programa que apresentámos a sufrágio, estruturava-se em torno de um conjunto de objectivos, boa parte dos quais constam do Acordo firmado entre os dois partidos. De entre estes, destaco: “Consolidar princípios e partilhar poder”, o que tem vindo a ser concretizado de diversas formas, com destaque para o trabalho conjunto dos programadores culturais da cidade e da divulgação conjunta da agenda cultural;

“Fazer fazer, fazer acontecer”, o que se materializou na implementação de um Programa de Apoio (PAAAC) reforçado, que mesmo assim se manifestou insuficiente, com destaque para os grandes eventos, alguns de caracter internacional, organizados por diversos agentes culturais;

“Arrumar a casa”, objectivo que se está a materializar quer nas redes de parceria que já estão em desenvolvimento, quer no trabalho apenas iniciado de criação de uma rede concelhia de espaços culturais, quer também na área da criação e desenvolvimento da Rede de Centros de Interpretação; ou do projecto Vilas; quer ainda ao nível dos planos que estão a ser desenvolvidos internamente, como por exemplo a criação de uma Galeria Municipal de Arte Contemporânea; quer finalmente, na valorização dos Recursos humanos do Município;

“Fazer o que ainda não foi Feito”, com destaque para o Fórum Santarém, o MAVU – Museu de Abril e dos Valores Universais, o Centro de Interpretação do Teatro em Santarém, a instalar na casa onde nasceu Bernardo Santareno, entre outras medidas.

Seria importante Santarém assumir, também, o papel de liderança em termos culturais nesta região?

Claro que sim e, de alguma forma, procuramos dar o nosso contributo através da CIMLT, mas temos um longo caminho a percorrer e, neste momento, o mais importante é ser capaz de desenvolver trabalho conjunto e construtivo, envolvendo todos os agentes do território nesse processo.

Uma sala de espectáculos com outra dimensão seria importante para o concelho?

Sim, é muito importante e estamos a trabalhar para que possa vir a acontecer no Campo Infante da Câmara, como se foi consensualizando na cidade. No nosso projecto, deverá integrar-se naquilo que designamos de Fórum Santarém.

Como se qualificam e formam os públicos, formal e informalmente?

Neste mandato, o que pedi aos programadores artísticos e culturais, foi um reforço de propostas que envolvam a população, que a façam sentir parte, que a confrontem com as actuais formas de expressão (contemporâneas), ao nível da música, do teatro, da dança, do circo, etc.

Por outro lado, tem havido um esforço nosso no contínuo estreitar de laços com a formação artística, pública e privada, procurando ser sempre um parceiro disponível para procurar soluções e criar oportunidades.

Há um espaço a conceder à criação artística de profissionais e amadores do território. É importante dar palco aos criadores locais, oferecendo-lhes possibilidades de encontro e trabalho conjunto com outros criadores.

Há que procurar estender este movimento ao território do concelho, atraindo outros possíveis participantes aderentes ao fenómeno artístico e cultural. Deste ponto de vista, temos também feito da política de convites para espectáculos, uma estratégia para qualificar a produção artística local.

O ‘Coração’ da Cidade está em obras. O que lhe parece este projecto de revitalização e o que pretende alcançar?

Há que adequar a cidade aos novos desafios, aos desafios da modernidade, nomeadamente a retirada de barreiras, tornando-a inclusiva e confortável, no fundo adequando-a à circulação pedonal, mantendo sempre que necessário a possibilidade do transito automóvel.

Deste ponto de vista, as obras em curso, conquanto terríveis para quem vive e trabalha nas áreas intervencionadas, são essenciais para que a vida possa melhorar e a cidade se torne cada vez mais atractiva e desejada.

A valorização do património de Santarém, seja este material ou imaterial, assim como o acesso do público ao mesmo, será uma das grandes lutas a travar nesta década. Quais são os grandes objectivos nesta matéria?

Santarém tem vindo a concretizar relevantes intervenções na valorização do seu património cultural. Decorrem obras de restauro nas Igrejas de São João do Alporão, e Santa Iria da Ribeira de Santarém, bem como na Torre da Trindade. Em Pernes, o Município apoia o restauro já concluído do adro e da Igreja da Misericórdia. Também a Santa casa da Misericórdia de Santarém desenvolveu um notável trabalho de restauro da Capela Dourada. Para citar alguns exemplos, mas, naturalmente, fica-nos sempre a mágoa de tudo o que está por fazer e também é urgente e imperioso. Estamos já a trabalhar na II fase de restauro de Santa Iria; recebemos o castelo de Alcanede, a necessitar de obras de reabilitação, o palácio Braamcamp e o Edifício dos Paços do Concelho precisam de obras urgentes, a Torre das Cabaças e o Teatro Sá da Bandeira, reclamam urgente intervenção de manutenção…. É de facto, um trabalho que nunca acaba e todos os que passamos por esta cadeira onde hoje me sento têm sempre que ter em atenção.

Mas, na valorização do património, também importa ter em atenção as possibilidades de a ele aceder. É por isso que o município está a ultimar um acordo de colaboração, que envolve a Diocese, a Santa Casa da Misericórdia e o ISLA, no sentido de garantir acesso a todos os monumentos da cidade.

Desertificação, fuga de moradores para as periferias, envelhecimento populacional, encerramento de serviços públicos, entre outros, são traços apontados ao Centro Histórico (CH). Em que medida é possível inverter estas características, tornando o CH no tal “território de desejo e desejado”?

Poderá dizer-se que no centro se está a observar uma certa especialização de terciarização. Isto é: num território onde o sector terciário sempre teve uma dimensão preponderante, a oferta de alojamento turístico começa a ter uma certa visibilidade. Também, é certo que tem havido alguma recuperação de imoveis com fins habitacionais.

Normalmente, o investimento privado segue o investimento público. É também por isso que as intervenções em curso são importantes. Há que qualificar permanentemente a vida na cidade, criando e promovendo um clima de desejo de viver nestes locais.

Há que manter os serviços essenciais à vida nestes locais, qualificando-os e modernizando- os, no fundo adequando-os às exigências actuais, mas sem nunca perder de vista que estes territórios são também habitados por estratos populacionais mais idosos e financeiramente mais débeis. É preciso pensar a cidade para todos.

A tão propalada candidatura do centro histórico de Santarém a património da UNESCO ficou “esquecida” nos corredores da capital. Seria importante, do seu ponto de vista, recuperar este dossier?

É um assunto sobre o qual valerá a pena pensar com tempo e profundidade, reunindo e envolvendo um

conjunto alargado de pessoas. Confesso, no entanto, que actualmente não é a minha prioridade.

FILIPE MENDES

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