Maria Alice Rodrigues – Direcção Técnica da Santa Casa da Misericórdia de Pernes

As instituições de resposta social da região, em particular as de apoio aos idosos, prepararam, com antecedência, planos próprios de contingência face ao novo coronavírus, tendo em conta as orientações da Direcção-Geral de Saúde (DGS). A ministra da Saúde, Marta Temido, tem deixado claro que a “preocupação central” do Governo se foca, agora, nas estruturas residenciais para idosos, independentemente da sua tipologia. Na região, a tutela tem deixado elogios à forma como as instituições têm reagido, salientando que existe “prontidão na resposta e que os meios estão preparados”. O Correio do Ribatejo contactou quatro instituições que estão na linha da frente da protecção aos mais frágeis: Centro Social Interparoquial de Santarém, Misericórdia de Pernes, ARPICA e Fonte Serrã que explicam as medidas tomadas para combater a Covid-19.


“Importa também cuidar dos que cuidam”

Que medidas preventivas foram tomadas face à pandemia do COVID-19?
Desde a primeira hora em que se falou no SARS-COV-2 (COVID-19), ainda não existia nenhum caso em Portugal, em meados de Fevereiro, a Santa Casa da Misericórdia de Pernes (SCMP) dedicou a devida importância a este assunto, que jamais se perspectivava que evoluísse de uma forma pandémica, como a que estamos a assistir.
Toda a equipa directiva e operacional tem levado a efeito um conjunto de acções que antecipem alguma situação que venha a verificar-se, acções universais à totalidade das respostas sociais e dos seus trabalhadores.
Trabalhamos para que não exista nenhum caso, embora essa situação possa ser inevitável, atendendo ao facto de não se perspectivar para já, nem para tão cedo, uma solução para o problema. E como não se podem controlar todas as variáveis, e o vírus é invisível, temos a consciência que corremos o risco, à semelhança de outros, de poderem vir a existir possíveis casos. No entanto, e se tal vier a acontecer, e fazendo um paralelismo com o que acontece a nível nacional, que possamos, enquanto Misericórdia, poder guardar os nossos, ou seja, que possamos não ser atingidos de forma massiva, mas de forma controlada, em que os meios que temos ao dispor possam responder, cabalmente, àqueles de quem cuidamos. Não falaríamos em planalto, nem em picos, mas sim de ir resolvendo casos pontuais que, eventualmente, possam aparecer. Nesse sentido, a SCMP tem desenvolvido acções em várias dimensões, no combate ao contágio pelo SARS-COV-2 (COVID-19). Ao nível dos recursos humanos, desenvolvemos acções de formação atempadas, promovidas em parceria com a Unidade Saúde Familiar do Alviela, e outras internas, procedemos à redefinição de equipas de trabalho, distribuindo-as por áreas e sectores de forma mais permanente e alteráramos o local de toma de refeições, para alguns trabalhadores, diminuindo o fluxo no refeitório principal e promovendo o distanciamento social e cruzamento entre equipas.
Por ouro lado, procedemos também à alteração de fardamento para outro compatível com o que actual situação exige e, para além disso, passou o mesmo a ser lavado na própria Instituição, deixando de ir para os domicílios dos trabalhadores (todos usam). Para além disso, há agora a obrigatoriedade da monitorização diária da temperatura e a utilização dos Equipamentos de Protecção Individual. Intensificámos a comunicação interna, por meio de orientações de registo diário, em que cada colaborador fica informado dos avanços ou das alterações ao Plano de Contingência.
Em termos de capacitação da Instituição, realizámos o provisionamento de bens de primeira necessidade, EPI’s, rouparia, alimentares, medicamentosos e outros, levámos a cabo acções de desinfecção interna e externa, em todas as estruturas residenciais e viaturas, com a periodicidade recomendada, por entidades externas. Foi ainda preparada uma unidade de retaguarda com 20 camas para possíveis utentes com SARS-COV-2 (COVID-19) positivo, na Casa Social. Tivemos ainda em linha de conta a capacitação das estruturas com pontos de desinfecção das mãos, nas entradas, saídas, corredores e zonas comuns, assim como com áreas específicas para realização de isolamento profiláctico. Capacitámos ainda os espaços comuns com divisórias em acrílico para promover a segurança dos seus utilizadores, redefinimos circuitos de recolha e transporte de lixo, assim como os de recolha e transporte de roupas.
Procedemos ao esforço diário na desinfecção e higienização dos espaços.
Em relação aos utentes, alterámos os Planos Individuais de Intervenção, ajustando as diversas actividades ao contexto pandémico.
A par disso, promovemos o isolamento e o distanciamento social, na medida do possível, sendo que as visitas foram suspensas e redobramos a monitorização diária da temperatura e outros sinais vitais. Igualmente, redefinimos procedimentos de acompanhamentos a serviços médicos, assim como os procedimentos de comunicação com o exterior, nomeadamente através de videochamadas, para além dos telefonemas, e reforçámos as medidas de higiene e desinfecção das mãos, assim como dos objectos pessoais.
Procedemos também ao esforço da comunicação com os familiares, através de comunicados semanais sobre o ponto da situação na Instituição.

Quais são as maiores dificuldades sentidas?
Não existir uma definição temporal para o regresso à normalidade, se é que alguma vez vai haver, e o facto de aqueles com quem temos que nos relacionar, todos eles, queiram defender a sua posição, e por vezes a articulação não é a mais célere para nenhum dos envolvidos.
Outro aspecto é o facto de considerarmos como a primeira e grande preocupação das Direcções Técnicas evitar o contágio, para poder salvar vidas, e, por isso, o foco e o compromisso tem que ser este, não podemos dispersarmo-nos com práticas burocráticas, que se têm intensificado, no que respeita a responder a questionários atrás de questionários, para as mais variadas entidades.

Em termos de equipamentos de protecção dos trabalhadores, como conseguiram resolver esta questão, visto que há escassez no mercado?
Não temos stock, mas, ainda assim, temos conseguido, com uma boa gestão e controlo dos EPI’s, disponibilizar, diariamente, os necessários.
Existem equipamentos que já foram adquiridos e pagos, e ainda não entregues. No entanto, também temos tido apoio por parte da Segurança Social e da Câmara Municipal de Santarém, em alguns, recentemente, numa altura em que a escassez se avizinhava, permitindo-nos aliviar a pressão sobre esta situação.

Concorda que a prioridade deveria ser “testar, testar, testar”?
Sem dúvida. Só faz sentido actuar em função do que se conhece e os testes ajudar-nos-iam a agir em conformidade com as situações. No entanto, isoladamente, não resolvem, pelo que alteraria o “testar, testar, testar”, por “capacitar, testar, isolar, cuidar”, numa atitude regular e preventiva, até que a vacina possa vir a surgir, pois, caso contrário, estamos todos na iminência de poder contrair o vírus.

Muitos Lares estão a apelar ao voluntariado para fazer face à falta de pessoal. No caso em concreto, como se está a proceder?
Neste caso, e porque a estratégia foi pensar em pessoas capacitadas para desenvolver trabalho na Instituição, a nossa preocupação nesta área foi contactar ex-colaboradores, com saídas relativamente recentes, que a conhecem e que não fizeram mais nada durante toda a vida que cuidar de pessoas idosas. E o resultado foi uma resposta positiva por parte de todos, mostrando um compromisso com a Misericórdia de Pernes e com os colegas que nela trabalham e que enfrentam estes tempos tão difíceis. Enaltecer esta prontidão, para o caso de ser necessário.

O presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social afirma que “só se resolve esta questão nos lares de idosos com um regime de internato dos trabalhadores”. Concorda com este ponto de vista?
Não existem respostas certas ou erradas. Nós, na Misericórdia de Pernes, para já, não estamos a utilizar este regime porque não dá garantias, existem sempre profissionais que entram e saem, como médicos, enfermeiros, etc., e as equipas, inevitavelmente, também se revezam. Para além disso, a situação promete durar e as questões associadas com a resiliência dos profissionais, mais tarde ou mais cedo vão surgindo, em qualquer regime. Importa também cuidar dos que cuidam e, cada Instituição, fará a análise que entende perante a tipologia dos trabalhadores que tem e a forma como está organizada.

O que mudou na rotina do Lar?
Tanta coisa. O mundo mudou. O país mudou. Nós mudámos. E as Instituições mudaram também. Desde que se entra à porta e se tem que passar por um tapete chumbado de lixívia, para além dos procedimentos e das orientações da DGS, que seguimos, mudaram as relações com as pessoas, com os utentes, com os colegas de trabalho, com as chefias, com todos. Retratamos esta resposta com a expressão de um nosso utente que nos marcou, entre muitas, “Porque não me dá um beijo? Eu não tenho a boca suja!”, que se esquece das circunstâncias em que vivemos. Entendem que nós é que mudámos, sem perceber porquê, quando respondemos que o fazemos para sua segurança.

O que têm feito para diminuir o isolamento dos idosos, impedidos de receber visitas?
Em termos de Instituição-Família, temos proporcionado, diariamente, a todas as famílias que mostrem interesse em, com eles, continuar a comunicar, através de videochamadas, telefonemas, para além do envio de fotografias em dias festivos, como sejam o dia de aniversário e outros.
No que respeita à Família-Instituição, para além disso, recebemos várias iniciativas por parte de familiares, que são de louvar, que nos fazem chegar, vídeos, fotografias, cartas, livros e que, naturalmente, se constituem numa forma de aproximar utentes e respectivas famílias.

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