Cumpriram-se nesta quinta-feira, dia 7 de Dezembro, seis anos sobre a data do infausto falecimento do nosso Amigo João Gomes Moreira.
João Gomes Moreira morreu aos 95 anos na plenitude das suas faculdades intelectuais, deixando nos seus inúmeros amigos uma saudade infinita, pois o relacionamento com esta ilustre personalidade fluía tão naturalmente como o simples acto de respirarmos. Faz-nos falta a companhia do João Moreira, com quem as conversas nunca estavam acabadas, pois os pretextos e os temas eram infindáveis. Tive a sorte de ter sido amigo do João Moreira quase meio século, mas assumo com muito orgulho que este amigo foi um verdadeiro mestre e uma espécie de irmão mais velho, embora tivesse idade para ser meu pai.
Tive a sorte, qual privilégio, de conviver com alguns Amigos que muito me marcaram, pelo exemplo das suas vidas e pela generosa partilha do seu saber que usufruí através de uma convivência intensa e duradoura.
Entre todos esses amigos conto o João Moreira, aquele com quem mais tempo tive a oportunidade de conviver, de trabalhar e de aprender.
O relacionamento de amizade que mantive com João Moreira foi mais intenso, foi até cúmplice, pois as circunstâncias da vida proporcionaram-nos uma maior proximidade e um infinito companheirismo.
Quando Celestino Graça morreu no já longínquo ano de 1975, João Moreira sucedeu-lhe em algumas das suas funções, nomeadamente na direcção do Festival Internacional de Folclore de Santarém e no CIOFF – Conseil International des Organizateurs de Festivals de Folklore.
Por esse tempo eu acompanhava Celestino Graça e passei então a seguir as pisadas de João Moreira, integrando pela primeira vez a Comissão Organizadora do Festival de Santarém no ano de 1977. O facto de ser então um dos responsáveis pela direcção dos Grupos Infantil de Dança Regional e Académico de Danças Ribatejanas – ambos fundados, e dirigidos até à hora da sua morte, por Celestino Graça – impôs-me um frequente aconselhamento com João Moreira, dada a sua reconhecida experiência no meio.
Desde então, em Lisboa, onde João Moreira trabalhava e vivia, ou em Santarém, durante os fins-de-semana que aqui passava, o contacto era assíduo. Havia sempre coisas a conversar e, embora nem sempre estivéssemos de acordo em relação a alguns aspectos, havia sempre muitos ensinamentos que retinha dos seus judiciosos conselhos. Pelo país, em reuniões da Federação do Folclore Português, cujos órgãos sociais eu integrava, ou em diversos festivais de folclore, deslocávamo-nos juntos, partilhando esse tempo para discutir esta tão aliciante matéria que a ambos apaixonava.
João Moreira não era um folclorista muito devotado às práticas da investigação etnográfica, mas detinha uma excepcional cultura geral e apreendia tudo com a maior das facilidades, caldeando a sua sabedoria com os conhecimentos que resultavam da sua infância passada entre Santarém e Vila Nova de S. Pedro, terra de seu querido pai, pelo que estas conversas eram sempre muito profícuas.
Onde João Moreira dava cartas como ninguém era no relacionamento fácil e muito afectuoso com os grupos folclóricos, gerando uma empatia extraordinária, pelo que acompanhar o João Moreira em qualquer festival, no país ou no estrangeiro, era uma experiência singular. O curso de Turismo que fez no Instituto das Novas Profissões, em Lisboa, foi especialmente importante, pois permitiu-lhe conciliar a teoria aprendida no Instituto com as suas qualidades inatas de um homem de elevada formação cívica e com uma enorme facilidade em falar diversas línguas estrangeiras.
Mas acompanhar o João Moreira era também uma constante animação, pelas mais surpreendentes situações em que tantas vezes nos víamos envolvidos.
Ainda hoje, tantos anos passados sobre esses tempos áureos do João Moreira, é notória a sua influência na maioria dos Festivais de Folclore que se realizam no nosso país, pois este saudoso Amigo estava sempre disponível para ajudar em qualquer pormenor e aconselhar quem se lhe dirigia com a maior das franquezas, sendo que, igualmente, não deixava de tecer alguns reparos em relação ao que lhe parecia menos bem. Mas, a forma como o fazia e, sobretudo, a intenção positiva com que o fazia, tornavam-no sempre muito desejado.
Como continuo a participar em diversos fóruns onde o folclore constitui a componente fundamental da sua realização, a lembrança de João Moreira continua bem viva, pelo que, com toda a propriedade se pode dizer que só morrem os que são esquecidos. E posso garantir que o nosso Amigo João Moreira continua presente nas nossas reuniões.
Mas, seria redutor evocarmos o nosso João Moreira apenas pela sua paixão e sabedoria na área do folclore, posto que na sua vida este amigo tocou os sete instrumentos, desde logo na vertente musical, sendo um dos fundadores da Orquestra Típica Scalabitana, a par do Maestro António Gavino, onde para além de executante foi também responsável pela boa guarda das partituras do seu apreciado reportório musical. No Círculo Cultural Scalabitano João Moreira foi actor teatral e até fez de palhaço, formando parelha com o comum Amigo António Cacho.
Colaborou com a Rádio Ribatejo, com o Jornal Correio do Ribatejo, onde chegou a ser “Director de Verão”, apoiando o Dr. Virgílio Arruda no período das suas férias estivais, e integrou a secção cultural da Associação Académica de Santarém, ao lado do Prof. Joaquim Veríssimo Serrão e de António Cacho, entre outros, na organização de conferências e de colóquios.
A convite de Celestino Graça João Moreira integrou a Comissão Executiva da Feira do Ribatejo / Feira Nacional de Agricultura, ocupando-se de diversos pelouros, mas fundamentalmente do Folclore, nacional e estrangeiro, vindo a ser um pilar na organização do Festival Internacional de Folclore de Santarém, que viria a ser membro fundador do CIOFF – Conseil International des Organizateurs de Festivals de Folklore, em França, no ano de 1971.
Nesta fase João Moreira chegou a integrar o conjunto musical dos Grupos Infantil e Académico de Santarém, o que lhe proporcionou participar em inúmeros festivais de folclore no país e no estrangeiro.
A irrequietude e o espírito de curiosidade do João Moreira, associados à sua infinita generosidade, fizeram com que este Cidadão do Mundo se interessasse por tantas outras áreas da cultura e do espectáculo, desde o campismo, à defesa do Património histórico-cultural, passando pelo turismo, pelo fado de Coimbra, a par de inúmeras colaborações na organização das Jornadas de Convívio dos Alunos do Antigo Liceu de Santarém ou de homenagem pública a amigos que se destacaram em diferentes áreas sócio-culturais.
Evocar uma personalidade como João Moreira é tarefa árdua e ingrata na medida em que, por mais que o tentemos, nunca conseguimos abordar satisfatoriamente a sua intensa e valiosa acção. O conhecimento enciclopédico do João Moreira era uma das suas mais-valias, pois não havia conversa que alimentássemos em que este nosso Amigo não interviesse com judiciosos e pertinentes contributos.
O tempo esvai-se muito celeremente, o que torna mais distante a convivência com este saudoso Amigo, mas a sua ausência torna-se mais notada pela falta que nos faz a companhia de pessoas assim tão referenciais, que cultivavam valores fundamentais que pautaram uma vida plena de dignidade. Sermos Amigos de João Moreira é uma honra e um orgulho que o tempo e a saudade não logram reduzir e muito menos matar! Obrigado, João Moreira!