Um voluntário da associação HEROWS que opera na fronteira polaca de Medyka lançou um apelo ao Governo português para “ajudar a salvar milhares de refugiados”, vítimas da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Jornalista ‘freelancer’, José Peixe, 59 anos, esteve nas guerras do Kosovo e nos Balcãs, e, há 12 dias, rumou para a Polónia com dois amigos, para levar “dois mil quilos de medicamentos e material médico para os hospitais ucranianos”. Mas decidiu ficar em Medyka, perto da cidade de Przemysl.
“Dei o meu lugar para duas pessoas autistas ucranianas viajarem até Portugal. Sei que já chegaram ao Ribatejo e que estão bem”, contou.
Dormiu durante três dias na Estação de Caminhos de Ferro de Przemysl, onde encontrou “temperaturas muito negativas” e “situações muito graves”, como tentativas de tráfico de “crianças e mulheres indefesas”.
“A situação foi denunciada por nós, portugueses, pelos espanhóis e franceses. Agora, é possível detectar esses traficantes e resolver esse drama”, avançou.
Na Polónia, a HEROWS, “uma organização que não é falsa, não é pirata, não se está a aproveitar de ninguém e tem delegação em Portalegre”, conta com 15 voluntários portugueses, concentrados no apoio no Centro de Refugiados de Tesko, em Przemysl.
“Aqui chegam diariamente muitos milhares a fugir da guerra. Vêm feridos, arrasados, a fugir de Mariupol e de outros sítios, porque esta é a fronteira que dá acesso a Lviv e é a maneira mais fácil de chegar à Europa central”, explicou.
Ali, o cenário “é dramático”, porque partem para os países escandinavos e centro da Europa centenas de pessoas todos os dias, “a cada hora chegam mais, os comboios não param: estão a chegar aqui ao Centro de Acolhimento de Tesko diariamente 1.600, 1.700 pessoas”.
Na zona, José Peixe contou que está também “uma equipa de médicos e paramédicos portugueses notáveis, de Alverca”.
“Estão aqui há cinco dias e trabalham 24 horas sobre 24 horas. Têm socorrido muita gente, inclusive pessoas que já partiram também para Portugal”.
Alguns, contou o jornalista, são ucranianos que há uma década foram à procura de melhor vida em Portugal. “Trabalharam na construção civil e, entretanto, voltaram à Ucrânia. Montaram pequenas e médias empresas e agora ficaram sem nada. Viram-se obrigados a regressar novamente a Portugal e saíram daqui para Faro, Évora ou Coimbra”.
O responsável pelo movimento voluntário queixou-se, contudo, de falta de apoio do Governo português.
“Estamos aqui a trabalhar com voluntários de França e Espanha. A verdade é que os embaixadores desses países têm vindo aqui. Gostava que o embaixador de Portugal em Varsóvia nos viesse visitar. Era importante esse ‘feedback’, dar um abraço, porque isso significava um reforço de energia para toda a equipa”.
José Peixe disse que os voluntários “sentem-se abandonados pelas autoridades portuguesas”.
Por isso, lançou um apelo ao Governo para ajudar a “salvar o maior número de famílias ucranianas que querem ir para Portugal”.
“Necessitamos de apoio do Governo português, com uma ou duas viaturas. Temos duas tendas oferecidas pelo Grupo Jerónimo Martins, para a fronteira e para o centro de acolhimento, e não temos como as transportar. Precisamos de material informático, para registar quem parte, para onde, para no fim da guerra sabermos onde estão essas pessoas”, sublinhou.
Outra necessidade urgente são “medicamentos, que têm de ser certificados pelo Infarmed, porque em Espanha e França outros não passam, para evitar o tráfico. Mandem para a nossa organização, que os enviamos para os hospitais pediátricos que necessitam”.
Em sentido inverso, o voluntário pediu à população portuguesa que não envie roupa, apenas se for térmica.
O jornalista ‘freelancer’ denunciou também “a falta de ética de alguns portugueses, mas também italianos, espanhóis e franceses, grandes agricultores e empresários da construção civil”.
“Alguns pagaram a jovens, que se infiltram no centro de refugiados e prometem bom transporte, alojamento e salário [aos refugiados]. É tudo mentira: estão à procura de mão-de-obra escrava; querem novos escravos para trabalhar para eles em Portugal, França, Espanha e Itália”. Esta situação já mereceu queixas junto dos serviços secretos polacos, garantiu.
José Peixe pediu que as iniciativas de ajuda para os refugiados na fronteira de Medyka sejam encaminhadas para o ‘e-mail’ reba.ucrania@gmail.com.
A Rússia lançou a 24 de Fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 726 mortos e mais de 1.170 feridos, incluindo algumas dezenas de crianças, e provocou a fuga de cerca de 4,8 milhões de pessoas, entre as quais três milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.