José Salgado, director de vários serviços hospitalares de Psiquiatria desde 2001, no Hospital de Santarém e no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, tendo sido neste último Director Clínico durante quatro anos, apresenta um novo projecto no panorama musical português. Este alia a sua paixão pela escrita à música.
“Comecei a escrever no início da adolescência, tendo publicado alguns poemas em jornais. Depois, como gostava de música comecei a juntar esta a alguns dos poemas que ia escrevendo, quando aprendi a tocar guitarra. Fazia-me sentido juntar a música aos versos, como que se completavam”, explica José Salgado.
Este projecto musical teve início há cerca de 40 anos, que na altura esteve para se concretizar através de um LP para a editora Valentim de Carvalho, mas tal acabou por não acontecer e só em 2017, José Salgado retomou este objectivo.
Actualmente, estão disponíveis em todas as principais plataformas de streaming duas músicas de estilos diferentes, “Noite na Cidade” e “Novo Fado de Lisboa”, que reflectem realidades que observou e onde procura transmitir a sua visão do quotidiano. As pessoas que percorrem a noite nas cidades, na primeira e uma visão de uma Lisboa que não se confina aos bairros tradicionais, nem apenas ao concelho de Lisboa.
“A minha inspiração provém de emoções derivadas das vivências diversas que fui tendo e da curiosidade que tenho em perceber as pessoas e as suas particularidades e que expresso no que escrevo.
O tipo de música, ritmo, estilo, associado a cada uma delas também mostra como essas emoções são diversas”, refere José Salgado. Estas duas músicas são as primeiras a ser lançadas e que fazem parte do disco “Cais de Memórias”.
Como surgiu a ideia de combinar a escrita com a música neste seu projecto musical?
Comecei a escrever ainda na adolescência e foi no final desse período que achei natural acrescentar música a alguns desses textos, que ficariam assim mais completos.
Qual tem sido o papel da poesia na sua vida?
Sempre gostei de ler poesia, penso que pela intensidade das emoções expressas nos poemas. As vivências emocionais têm um papel muito importante na vida das pessoas, mesmo que muitas vezes possamos não ter essa percepção.
Após quase quatro décadas, este seu projecto musical está a ser concretizado. O que o motivou a retomar esse objectivo após tanto tempo?
O projecto musical ficou em stand by durante todos estes anos, principalmente por razões de índole profissional, dado que der médico psiquiatra sempre foi, e continua a ser, muito importante na minha vida, para além de ser muito absorvente. A música embora seja importante, é um hobby, portanto.
Sempre ficou no ar a ideia de “qualquer dia volto a pegar na música”. Pragmaticamente, com o passar dos anos, esse “qualquer dia” corria o risco de nunca acontecer, daí ter decidido que estava na altura.
Como descreveria o estilo musical das suas canções “Noite na Cidade” e “Novo Fado de Lisboa” e como reflectem as suas observações da realidade?
O disco terá dez músicas, que comportam estilos muito variados, que vão desde a música popular ao rock, da canção clássica aos ritmos sul americanos. Traduz a variedade dos meus gostos musicais, e o estilo musical que sinto que melhor se adapta a cada texto. As duas que já estão disponíveis nas plataformas demonstram isso mesmo, porque são muito diferentes entre si.
Além das suas próprias experiências, que outras fontes de inspiração influenciaram suas composições musicais?
Sem dúvida o facto de sempre ter ouvido muita música e de gostar de muitos tipos musicais.
Como é que a sua formação e experiência como médico psiquiatra se entrelaçam
com a sua expressão artística?
É frequente muitos médicos terem necessidade de se exprimir criativamente através de vários tipos de arte, escrita, música, pintura, teatro etc. Provavelmente é uma forma de vivenciarem coisas bonitas, já que na nossa profissão vivenciamos as partes menos boas da vida, o sofrimento, a luta pela vida.
Qual é o conceito por trás desse álbum?
É como o nome aponta um “Cais de Memórias”, construídas por múltiplas realidades que fui vivendo e partilhando.
Nas suas músicas procura transmitir uma visão particular do quotidiano. De que forma isso se reflete nas suas composições?
Há quem diga que os artistas escrevem sempre o mesmo livro, pintam o mesmo quadro ou fazem a mesma música, mudando apenas o enquadramento ou a forma.
Qualquer expressão artística deriva sempre da visão que cada um tem da realidade e da forma como isso a toca. No meu caso, provavelmente também será assim.
Como foi a colaboração com outros músicos e profissionais da indústria na concretização deste projecto?
Foi a descoberta de um mundo com paisagens novas, pessoas diferentes e que gostam muito do que fazem. Particularmente ter conhecido o Manuel Rebelo, professor de canto, maestro e cantor com sólida formação musical e colaboração com muitos nomes conhecidos da nossa música permitiu-me aceder com mais facilidade a esse mundo, onde me senti muito bem aceite.
Além do lançamento de “Cais de Memórias”, quais são os seus planos e ambições futuras no âmbito da música?
O único plano é lançar o disco e fazer uma apresentação pública até ao final deste ano. A partir daí logo se verá, porque eu continuo a ser em primeiro lugar um médico, cuja principal função é contribuir para melhorar a vida das pessoas quando estão doentes. A música será um complemento, embora feito com empenho e dedicação.
Como foi a transição da sua carreira sólida na medicina para se dedicar à música? Quais foram os desafios e as recompensas desse processo de mudança?
Como já referi atrás, não deixei de ser médico para passar a ser músico. As duas coisas irão coexistir, dando prioridade à Medicina, se houver necessidade de optar. Mas fazer música e cantar dá-me muito prazer.
Durante os anos em que exerceu como médico psiquiatra, como é que a música esteve presente na sua rotina e de que forma impactou a relação com os seus pacientes?
Tentei sempre separar as águas, tanto que ainda, actualmente, a esmagadora maioria dos doentes que acompanho não conhecem a minha outra faceta.
Existe alguma ligação entre a música e a saúde mental, na sua perspectiva?
A música pode ser uma ferramenta terapêutica (musicoterapia) e está comprovada a sua validade na área da Saúde Mental. Não será tanto o tipo de música que faço, a não ser pelo prazer que possa dar a quem a ouve.
Quais foram as suas principais inspirações artísticas ao criar as músicas para este novo projecto? Há algum artista ou estilo musical que o tenha influenciado particularmente?
Seguramente muitos me inspiraram desde os anglo-saxónicos aos franceses, desde os brasileiros aos portugueses, desde a música clássica ao fado, as influências são múltiplas.
Como descreveria a sonoridade e as letras presentes nas canções de “Cais de Memórias”? Qual a mensagem que pretende transmitir neste álbum?
Há uma grande mistura de sonoridades como poderão constatar. Penso que não há uma mensagem clara, cada um tirará de cada música a sua própria mensagem. Desta forma o ouvinte é também um participante activo.
Como é que o processo de composição musical e a expressão artística têm ajudado na sua própria saúde mental e bem-estar?
Todas as pessoas precisam de ter factores de descompressão e de prazer, é isso que nos permite ter a capacidade de lidar com as coisas menos boas da vida. Eu, naturalmente, não sou excepção a essa premissa.
Após anos de dedicação à medicina, como se sente ao ver o seu projecto musical está a ganhar destaque e a ser recebido pelo público? Como é que esta nova jornada tem afectado sua vida e sua visão do futuro?
Como já referi atrás, continuarei sobretudo empenhado em ser um médico competente, que contribua para que as pessoas se sintam melhor nesta sociedade, ela própria desafiante e desgastante. Se as pessoas gostarem e se identificarem com as minhas canções, ficarei muito satisfeito com isso e será um complemento à minha actividade como médico psiquiatra.