Miguel Antunes, arquitecto e artista plástico, apresenta na Casa do Brasil, em Santarém, a sua exposição “Gigantes Frágeis”, uma reflexão profunda sobre a ligação simbiótica entre a natureza e a humanidade. Inspirado pelas memórias de infância e pela ligação ao campo, Antunes utiliza o desenho e elementos naturais para questionar o impacto das acções humanas sobre o meio ambiente. Com obras como “Mapas da Terra” e “Ramos de Vida”, o artista expõe as feridas deixadas pela destruição de árvores e convida o público a repensar a forma como interage com a natureza. A exposição pode ser visitada até 9 de Novembro, de terça-feira a sábado.

O que o inspirou a criar a exposição “Gigantes Frágeis” e como surgiu a ideia de explorar a ligação entre a Natureza e a Humanidade?

Para alertar para “o estado das coisas”. A ligação à natureza é vital para todos nós. É simbiótica. Tendo crescido em Alcanhões, é ainda mais marcante. Os passeios pelo campo com os avós são memórias das quais não me consigo dissociar. Sendo arquitecto, essa ligação é também uma procura constante, porque construímos sem respeitar o que já existe. Essa é uma das mensagens da exposição. Como podemos cortar uma árvore esquecendo a vida que representa? Por exemplo, para passar um cabo de alta tensão?! Foram estas situações que me instigaram a utilizar o desenho como expressão, a coleccionar histórias que compõem a exposição e representam os nossos actos sobre a terra.

Que mensagem procura transmitir com obras como “Mapas da Terra” e “Ramos de Vida”?

“Mapas da terra” é composto por 15 desenhos de troncos cortados. Quando assisti ao corte do olival desconhecia a intenção. Pensei apenas que a vida daquelas árvores não podia ser desperdiçada assim. Registei os troncos como se fossem feridas. Nesse lugar foi plantado um olival intensivo e tornou-se óbvio, “time is money”. Sabemos que este tipo de culturas desgastam os recursos naturais, exponho essas feridas para criar o confronto. “Ramos de Vida”, é diferente. Procuro a aproximação com as árvores, recriar nos ramos as nossas linhas de vida e percepcionar as semelhanças entre nós.

Quais são as maiores dificuldades e desafios que enfrenta ao trabalhar com elementos naturais nas suas obras?

A dificuldade que encontro é a escala, porque gosto de grandes formatos para “entrar” no desenho. Por vezes, não tenho espaço suficiente. De resto, só facilidades porque os elementos naturais já existem e estão disponíveis por todo o lado para serem olhados, vistos e apreendidos. O meu processo passa por utilizar o papel para representar o que o ramo ou o tronco transmitiu. Tão simples como continuar a vida que existia.

Considera que o público tem, actualmente, uma maior consciência sobre a importância das árvores e da preservação da natureza? 

Penso que existe mais, mas ainda não chega porque continuamos a assistir a cortes e a incêndios devastadores. Por outro lado, é incompatível a sustentabilidade quando para isso temos de cortar árvores. Há duas semanas li uma notícia acerca da venda de oliveira milenares alentejanas por 35 mil euros para “decorar o hall de entrada de palácios do Catar”. Estas árvores já existiam antes de nós, dos nossos pais, avós, bisavós… Não podemos cortá-las, vendê-las como se essa antiguidade nada valesse. É o nosso património vegetal, a herança cultural que está em causa. São modas que não podemos seguir.

Como espera que a sua exposição possa influenciar esse debate?

Questionando os nossos actos diários. Que o corte de uma árvore, não seja mais um. Possa ser questionado e entendido como responsabilidade de todos nós. Ajudar o planeta, o clima está nas nossas mãos, com actos simples como plantar árvores. Por esse motivo, planeámos várias actividades no decorrer da exposição com início no dia 12 de Outubro. Práticas de respiração, conversas e a plantação de árvores. Quero envolver todos e proporcionar o debate através de partilhas diferentes.

Quais são os seus próximos projectos artísticos e de que forma pretende continuar a explorar a relação entre arte e natureza?

Ainda tenho ideias para desenvolver no tema “Gigantes Frágeis”. Entendo-o como um caminho. Quero continuar a coleccionar memórias de árvores e a revelar as suas particularidades noutros registos e técnicas. Voltar a trabalhos já iniciados, mas que precisam de um novo olhar. Paralelamente, tenho a prática diária da arquitectura com projectos de reabilitação e construção onde dedico muito tempo. E, onde exploro estas ideias de relação com o lugar e o existente. 

Um título para o livro da sua vida?

Continuar, como um caminho.

Viagem de sonho?

Às terras de sol nascente.

Música preferida?

Tenho várias, mas destaco os álbuns “Fado jazz” e “Amália” de Júlio Resende.

Quais os seus hobbies preferidos?

Ter tempo para mim, escutar o silêncio. O som do entardecer na floresta.

Se pudesse alterar um facto da história, qual escolheria?

O momento em que começou o divórcio com a natureza.

Se um dia tivesse de entrar num filme, que género preferiria?

Biográfico e documental. Gosto de entender os caminhos, o que está “por detrás”.

O que mais aprecia nas pessoas?

A capacidade e o poder de todas juntas, mudar positivamente o mundo.

O que mais detesta nelas? 

Delegarem essa capacidade.

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