Um tetraplégico tornou-se um dos mais emblemáticos activistas dos direitos dos deficientes. Eduardo Jorge tem 56 anos e vive num lar. No início de Dezembro, desafiou o presidente da República e o governo a Cuidarem dele, numa acção de sensibilização em defesa do projecto “Vida Independente” e para assinalar o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Um mês depois, o Correio do Ribatejo falou com o activista que se mostra convicto que o protesto “deu frutos”. A trabalhar como assistente social no Centro de Apoio Social da Carregueira (CASC), concelho da Chamusca, Eduardo Jorge esteve, entre os dias 1 e 4 de Dezembro, em frente à Assembleia da República, em Lisboa, deitado numa cama articulada e fechado dentro de uma gaiola.
O que motivou o seu protesto em defesa da Vida Independente? Desde 2013 que os sucessivos governos prometem a criação da filosofia de Vida Independente (VI) em Portugal. O actual não fugiu à regra, mas somente em Maio de 2017, dois anos depois de iniciar funções, criou o Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), e em 9 de Outubro do mesmo ano, o Decreto Lei 129/2017 que institui a referida medida de apoio. Chegamos a Novembro, 18 meses após a criação do MAVI, data que anunciei o protesto, pouco mais tinha sido feito. Além desse facto, o MAVI criado pelo governo, não permitia o acesso a assistência pessoal a quem se encontra-se institucionalizado, o que é o meu caso e de muitos outras pessoas com deficiência, daí a minha acção de protesto.
Haverá, efectivamente, uma mudança na legislação? Claro. Penso que o governo não iria dar-se ao trabalho de emitir um comunicado de imprensa a anunciar a alteração da Lei, se esse não fosse o seu desejo. Também sabemos que o nosso Presidente da República está atento.
Onde vai buscar a coragem para fazer estas acções de defesa dos direitos das pessoas com deficiência? Ao orgulho que tenho na minha deficiência, e sobre o papel que quero ter na sociedade do qual não abdico. Sou um cidadão com direitos e deveres como os demais, como indica a nossa Constituição, e não aceito que a minha deficiência seja utilizada como motivo de recusa desses direitos. Viver não é só respirar! Exijo respeito e dignidade.
A palavra ‘inclusão’, no nosso país, tem verdadeira expressão? De maneira nenhuma. Só o será quando tivermos direito a uma vida em pleno. Direito a uma vida independente, ao trabalho, educação, formação, ir e vir sem barreiras arquitectónicas, lazer, desporto, transportes, etc. O que neste momento está longe de acontecer.
E quanto à inclusão no mercado de trabalho? Continua a ser privilégio só de uma minoria. Onde me incluo. No meu caso tive a sorte da direcção do Centro de Apoio Social da Carregueira, acreditar em mim. Somente este mês foi regulamentado no Parlamento a lei das quotas de emprego para o sector privado. Já existe na administração pública, mas não é cumprida e nem são punidos os infractores. Segundo um estudo publicado recentemente pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos em Portugal, em 6 anos, de 2011 a 2017 o desemprego entre pessoas com deficiência subiu 24%, na população em geral desceu 34,5%. Costumo dizer que nem de graça as entidades empregadoras nos querem. Pois como é do conhecimento geral existem alguns apoios à contratação. Eu, por exemplo, encontro-me a trabalhar ao abrigo do Programa Contrato de Emprego em Mercado Aberto, o Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Há ainda um longo caminho a percorrer em direcção à autodeterminação da pessoa com deficiência? Infelizmente sim. Depositamos alguma esperança na mudança do paradigma com a entrada deste novo executivo, pelo facto de ter sido criada uma Secretaria de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, e nomeada como responsável uma Secretária de Estado com deficiência, assim como a eleição do primeiro deputado em cadeira de rodas, e a direcção do Instituto Nacional para a Reabilitação ter sido também entregue a uma pessoa com deficiência. Três cargos de relevância na área da deficiência, ocupados por pessoas que conhecem a nossa realidade, um nosso grande desejo. Daí “Nada sobre nós, sem nós”. Mas esta nova realidade na prática pouco acrescentou à melhoria de vida das pessoas com deficiência. A mudança não é visível.
Existem barreiras para a [sua] felicidade? Claro. Eu não consigo ser feliz num país onde me privam de direitos básicos e me obrigam a humilhar e mendigar esses mesmos direitos. Consigo ter momentos muito felizes, mas ser feliz não. Quero, mais, preciso de mais, tenho direito a mais, e tenho consciência disso.
Qual será a sua próxima ‘luta’? Terminar a que iniciei agora. Ainda não me encontro na minha casa, a viver com quem quero, e como quero, e o MAVI tem muito ainda a melhorar para ir de encontro a uma desinstitucionalização em pleno, e real necessidade das pessoas com deficiência.
“Esta humilhação já está. Obrigado!”
Eduardo Jorge, natural de Concavada, e institucionalizado num lar de
idosos em Carregueira (Chamusca), cumpriu o prometido com uma acção
de protesto realizada no início de Dezembro, em frente à Assembleia da
República. O relato da jornada vem na primeira pessoa.
“Chego a Lisboa para realizar a acção de protesto, conduzido pelo João Condeço, e acompanhado pela Rafaela Fialho. A cama onde me irei deitar está a chegar ao Parlamento. Presidente da instituição onde me encontro, o meu amigo Duarte Arsénio, tem a jaula quase montada com a ajuda de uns seus amigos que com ele se deslocaram da Carregueira e outros que o aguardavam em Lisboa. São 14h e como não me alimentarei nos próximos dias, paramos junto a uma pastelaria, peço um prego, mas trazem-me ao carro um folhado de chouriço cheio de gordura e nada apetecível. Foi a minha última refeição. Chego à Assembleia da República (AR), a jaula já se encontra montada, aguardam-me alguns amigos, preparo-me para entrar, mas uma agente da Polícia de Segurança Pública, pede-nos para retirar a jaula daquele espaço por supostamente estarmos a infringir a lei. Levam-na para uma ilha em frente da AR, entre duas vias de trânsito. Já era complicado subir o passeio junto à AR, onde a jaula se encontrava por não cumprir a lei das acessibilidades , aceder ao outro espaço, em cadeira de rodas, era impossível e muito perigoso com os carros a circularem sem parar. Felizmente apareceu o deputado Jorge Falcato, e graças a si a situação foi desbloqueada e a jaula voltou para o passeio junto à AR. Só tinha de ser assim. Avisei com antecedência a Câmara Municipal de Lisboa sobre o protesto e tamanho da jaula, que por sua vez encaminhou a informação para o Ministério da Administração Interna e Comando Geral da PSP. Começam a chegar os primeiros jornalistas, dou entrevistas e despeço-me, e entro para a jaula, Rafaela Fialho a minha acompanhante deita-me na cama de costas, posição sugerida pelo Sérgio Lopes, também tetra, e ainda bem que a acatei, porque foi muito mais fácil interagir com as pessoas, dar entrevistas, atender alguns telefonemas, sugar água através da sonda e passar o tempo. Ainda bem que não fiquei de barriga por baixo, como previsto.
A JAULA E A HUMILHAÇÃO A rede passou a ser a minha janela para o exterior e também a prova da minha prisão. Antes de tudo o meu olhar tinha de se focar nela. Todas as imagens que recebia estavam enjauladas, e começo a sentir a humilhação a invadir-me. Vem a vontade de chorar. Foi o início de muita dor na alma. A exposição deixa- me de rastos. Doe-me muito. Demoro muito tempo a esquecer. Calma, engoli em seco, olhei em volta e ali estavam os fiéis guerreiros e guerreiras do costume ao meu lado, também pensei em todos os outros que como eu se sentem aprisionados todos os dias, e encarei a situação de frente. Os fiéis guerreiros e guerreiras por ali andavam como guardiãs. As pessoas vinham e iam após deixar o seu apoio e solidariedade. Cada pessoa que fazia o favor de deixar o conforto do seu lar, para de muitas maneiras vir mostrar o seu apoio, era um incentivo para continuar, a todos e todas fiz questão de tocar com as minhas mãos e senti-las. Pensava, ainda existem pessoas boas. Deixar tudo para se deslocarem até aqui, é um gesto de ternura sem preço.
PRESENTES E COMIDA Os primeiros trouxeram chá e biscoitos, outros continuaram a trazer comida, a eles e todos os outros que foram aparecendo, expliquei que não iria me alimentar. O Francisco trouxe-me uma rosa, o amigo e comendador Arruda, presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, ofereceu-me a sua medalha conquistada na maratona das descobertas realizada naquele dia, também recebi umas quentinhas collants térmicas, pantufas, almofada, etc Além de palavras de apoio, muitos traziam também relatos de injustiças que estavam a sofrer. Uma mãe com o seu filho adolescente com escaras profundas a aguardar uma cadeira de rodas há anos, e quando finalmente a avisam que foi aprovado o seu pedido, é informada que não há dinheiro. Outra mãe que é obrigada a ficar com a sua filha também adolescente em casa, porque a escola onde iniciou o ano letivo, a informou que tem de encontrar uma escola particular que a receba, porque segundo eles a filha não se adaptou à sua escola. Um pai indignado por só ter direito a 37,50€ mensais, de comparticipação por 5 embalagens diárias que gasta em fraldas com a filha, etc, etc. Era uma maneira de juntarem a sua indignação à minha. Na hora do almoço, no dia dois da acção, ouço a preocupação dos meus fiéis guerreiros em almoçarem perto de mim. De imediato lhes expliquei que poderiam comer junto à jaula porque não me faria diferença. E o cheiro? Vais ver a comida. Não, não vamos comer perto de ti. É uma maldade muito grande. Insisti que não, aceitaram almoçar por ali e o certo é que não me fez diferença nenhuma. Nunca senti fome durante o período que ali permaneci. Fraqueza sim.
A PRIMEIRA NOITE A noite foi difícil de passar. Teria sido muito mais complicado se a Isabel Faria e amigos, não tivessem encontrado maneira de tapar a maior parte da jaula, com uma espécie de lona. Dizia-me o deputado Jorge Falcato. Não tens um aquecedor? Sinceramente nem sequer imaginava que existissem aquecedores de rua. Os meus protectores fazem-me chegar também um aquecedor que ficou a noite toda ligado. O frio e desconforto diminuiu muito. A noite avança, consegui convencê-los a sair. Entenderam que seria muito doloroso para mim vê-los a passar frio e a sofrer por minha causa. A Rafaela Fialho, essa não consegui convencer a sair de perto. Foi descansar para o carro estacionado no outro lado da rua, e ia aparecendo de vez em quando a tremer de frio. Na primeira noite ainda tentou que eu me alimentasse. Come só um pouquinho de doce gato! (é brasuca) Não Rafaela, nem penses. Ai gato, estou tão triste! Esquece, é muito importante para mim cumprir com o que prometi. É a minha verdade. Ainda insistiu: e um suco, água com açúcar? Isso não é comida. Como não cedi, lá vai ela toda tristinha encolhida devido ao frio. Felizmente não aceitei que tapassem também a rede da parte da frente da jaula. Foram surgindo pessoas quase toda a noite, policiais de serviço também iam passando e perguntando se estava bem.
CANSAÇO Surgem os primeiros sinais de desgaste. Também devido ao facto de ter suspendido a medicação do dia-a-dia. Olhos a arder, cheios de água, e muito pesados que mal conseguia manter abertos. A perna esquerda resolve ter uma crise de espasmos. Esticões seguidos que nunca mais paravam. Quando acontece é porque algo no organismo não se encontra bem. Ligeira dor de cabeça e muito cansaço cerebral, assim com desconforto devido ao frio. Tentei tapar o rosto com a roupa da cama, na tentativa de dormir uns minutinhos pelo menos. Mas foi impossível, a perna não parava de pular, o barulho na via pública era muito, alguns curiosos paravam. Destapei a cara e começo a sentir o rosto húmido de maresia, o chão brilhava molhado, o frio trazido pelo vento começa a surgir junto à cabeça, fixo o olhar no passeio sem fim ao fundo das escadarias da Assembleia da República, e eu ali naquela cama. Como vieste aqui parar Eduardo? Porquê tudo isto Eduardo? Confirmei o esperado. O meu grito de desespero não foi ouvido pelos governantes. Fui mais uma vez ignorado. Veio a tristeza e com ela as primeiras lágrimas. Só voltaram a surgir com a entrega da rosa pelo Francisco. Voltei a ser prático e determinado. Dava jeito. Eu que me sentia tão forte e convicto até aquele momento não podia começar a ceder.
SEGUNDO DIA Surgem os primeiros raios da manhã. Frio apertava. Dor de cabeça mantinha- se. Desgaste emocional também. Ai se eu pudesse lavar pelo menos os olhos e as mãos, aliviar uns segundos o corpo daquele colchão que se colava a ele…Rafaela surge ao fundo toda encolhida a perguntar se estava bem. Respondo que sim. Fico com o coração apertado por imaginar a péssima noite que passou por minha causa. Surge o Sérgio Lopes, de seguida os outros e outras. Começa a rotina. Mais chá, comidinha, chocolate quente e muito amor, e eu sem fome nenhuma. Serviam-se os outros. Nada se perdia.
ESTOU A ATENTAR CONTRA A MINHA VIDA? Sou visitado pelo Delegado de Saúde Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que a pedido da respectiva Administração Regional de Saúde, mostrava a sua preocupação com a minha saúde. Recebi os seus conselhos e agradeci. No primeiro dia também tinha recebido a visita de um médico com as mesmas preocupações. A enfermeira Teresinha também não me deixou um minuto. Médicos do Mundo também marcaram presença. Todos com a mesma preocupação. A minha suposta frágil saúde. Fisicamente até poderia estar, mas mentalmente continuava forte. De todos vinha o conselho para beber água com açúcar ou com clara de ovo. Era fundamental ingerir proteína. Como se tratava de líquidos isso não inviabilizava a minha greve a alimentos. Resisti. E sinceramente não sentia fome.
AUTORIDADES Comuniquei o protesto a todos os grupos parlamentares, deputados eleitos pelo meu distrito, gabinete da Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Presidência da República, gabinete Primeiro Ministro e Instituto Nacional para a Reabilitação. Recebi um email da deputada Idália Serrão do Partido Socialista, de imediato um telefonema do deputado Jorge Falcato, independente pelo Bloco de Esquerda (BE) a mostrar a sua preocupação e a tentar demover-me da acção por achar que estaria a pôr em risco a minha saúde. Ao verificar que nada me demovia, mostrou a sua solidariedade e disponibilidade para ajudar. O que aconteceu. Esteve sempre ao nosso lado no terreno. No 2º dia recebi a visita da coordenadora do BE Catarina Martins, acompanhada por vários órgãos de comunicação social, depois de se inteirar do meu protesto comunicou-me o que eu também já sabia, que a minha acção poderia ter sido evitada caso o Governo tivesse aceite a proposta do BE apresentada três dias antes no Parlamento, a propor a alteração do Decreto Lei 129/2017 a solicitar os 6 meses de transição para permitir a desinstitucionalização que eu estava também a exigir. Não tenho dúvidas que a sua presença tornou ainda mais visível o meu protesto. Também compareceram duas representantes do Instituto Nacional para a Reabilitação, a pedido dos membros do seu Conselho Directivo. Do Gabinete do nosso Primeiro Ministro recebi a resposta que tinham encaminhado o assunto para o Ministério do T. Solidariedade e Segurança Social, e da presidência recebi um ofício que me deixou ainda com mais vontade de avançar. Confundiam Estatuto do Cuidador com Modelo de Apoio à Vida Independente. No último momento do protesto sou visitado pelo deputado do PSD, de Santarém, o distrito onde resido e sou votante, Duarte Marques.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. EU NÃO DISSE QUE ELE VINHA? A segunda noite chegou, nada mudou. Eu na mesma posição, sem higiene e sem me alimentar. Desgaste mental estava a ser cada vez mais notório. Fome não tinha, dor de cabeça e olhos a arder sim. Pessoas não paravam de mostrar a sua solidariedade, os meus guardiões firmes ao meu lado. Telefonemas e mensagens muitas, maioria devido ao posicionamento não conseguia atender. Sara Dias ex-colega da faculdade, outra amiga incansável que esteve comigo do primeiro ao último minuto, fez o favor de me entregar um carregador de bateria portátil, para o telemóvel poder continuar a funcionar. De repente ouço um burburinho: é o presidente! É ele! Eu sabia que ele vinha! E vejo-o junto à rede que nos separava a chamar pelo meu nome. Estico-lhe a mão como fiz com todas as outras visitas, alguns dos seus dedos passaram pelos buracos da rede e tocaram nos meus, informei-o sobre as razões do protesto, entendeu e informou-me que tinha convidado a Srª Secretária de Estado da Inclusão para conversarmos. Que tinha de haver uma solução. Sai e vai recebê-la à saída do carro que a transportava, e surgem de braço dado como sendo o seu guia. Recebi-a, conversamos de uma maneira mais acesa, algo que me desagradou e mostrei-o no momento. Srº Presidente continuou a pedir calma e a apelar ao diálogo, inclusive caso fosse necessário prontificou-se a estar presente na reunião a agendar. Pedido aceite por ambas as partes. Humanidade, respeito, serenidade, objectividade, simpatia, simplicidade, isso mostrou o nosso Presidente da República. Ninguém ficou indiferente ao seu gesto e presença, mas principalmente maneira de lidar com a situação naquele momento, e naquelas circunstâncias. Perante o seu gesto e esforço, resolvi suspender a acção de protesto. Na altura a abertura e postura da Srª Secretária de Estado não foi a melhor. Facto que me fez pensar por momentos em não desmobilizar. Mas como praticamente todos me aconselharam a fazê- lo, e porque sempre desejei ser solução e não problema, fi-lo.
QUERO UMA SELFIE COM O PRESIDENTE Dias antes, tinha estado presente na gala comemorativa dos 15 anos da Associação Salvador, onde fizeram o favor de me atribuir o prémio de mérito “Comunidade” pelo meu activismo. O convite informava que a gala teria o alto patrocínio do Srº Presidente da República. A Rafaela Fialho, é o meu apoio nestas saídas, e logo começou a dizer que o que mais queria era uma selfie, mas o desgosto foi grande porque o Presidente esteve ausente, e só apareceu em vídeo. Selfie nada. Quando vejo o Presidente a despedir-se, imaginei que a Rafaela tinha conseguido a selfie sonhada, mas na dúvida resolvi informar o Presidente do seu sonho, não fosse ele mais uma vez ficar por realizar. Ainda bem que o fiz, a Rafaela sabe-se lá porquê, tinha achado que incomodava, e não teve coragem de solicitar a bendita selfie. Mas de imediato o Presidente a chamou, de um só pulo lá estava ao seu lado, e a selfie aconteceu à primeira. Logo ela que todas as fotos só estão ao seu gosto a partir da meia dúzia para lá. Desta vez estava ótima. Rafaela conseguiu a sua selfie com o Presidente da República, ficou muito feliz, e eu ainda mais por ela.
E AGORA COMO SAIO DAQUI? Olho e vejo o meu enfermeiro Tiago Barbosa, e o meu fisioterapeuta Pedro Oliveira, vindos da Chamusca para me visitar. Logo pensei: são eles que vão ajudar a desmontar a jaula e levar-me de volta para a Carregueira, que ainda fica a mais de 100 km. Assim aconteceu, e com o apoio de muitos, tudo foi desmontado, e por volta da meia noite já me encontrava no lar do Centro de Apoio Social da Carregueira. SORTE Tive muita sorte. Não choveu. Protegeram-me do frio. Motoristas aparecerem sem esperar. Jornalistas deram-me voz. Sociedade entendeu a mensagem que tinha para passar. Presidente da República mostrou que também sente afetos por nós. Não criei nenhuma escara. Decreto Lei foi alterado e notou-se um pequeno avançar do processo implementação Modelo de Apoio Vida Independente. APROVEITEM Tenho recebido informações que muitas pessoas somente tiveram conhecimento da assistência pessoal através da acção. Aproveito para informar que caso desejem candidatar-se ao apoio de assistência pessoal, devem procurar um destes Centros de Apoio à Vida Independente (CAVIS) na vossa região e inscrever-se.https://tetraplegicos.blogspot.com/2018/05/lista-de- cavis-centros-de-apoio-vida.html
HERÓI Conseguiste! És o nosso herói! Obrigado! São frases que me dirigem com frequência. Sinceramente sinto que nada mais fiz do que a minha obrigação. Faria tudo outra vez. Faz parte de mim não ficar em casa quieto, sem agir perante injustiças. Reajo, e esta foi a maneira que encontrei para o fazer desta vez. Nada mais que isso. Venci? Não se trata disso. Não há vencidos e nem vencedores. Senti-me injustiçado, reclamei, fui ouvido, entenderam que tinha razão, e foi feito justiça. Expetativas: Não tenho. Só quando me encontrar na minha casa, ou outro local escolhido por mim, a viver com quem quero, como quero, com direito a assistência pessoal, autónomo, a sentir-me dono da minha vida, é que sentirei o meu dever cumprido. Por enquanto foi dado só mais um passo nesta batalha titânica que parece não ter fim.
A REUNIÃO Aconteceu no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em Lisboa. Na presença da Srª Secretária de Estado e a sua equipa, e fiz-me acompanhar pela Diana Santos, representante do Centro de Vida Independente (CVI) de Lisboa, Luís Quaresma a representar a Federação das Doenças Raras de Portugal, e o Sérgio Lopes pertencente á Mithós Histórias Exemplares e CVI Lisboa, responsável pelo cartaz a anunciar a acção, e também juntamente com o Tó Silva, meu presidente Duarte Arsénio, os primeiros e únicos a conhecer os meus planos e a aturar-me durante dias. Ao contrário do encontro agressivo junto à Assembleia da República, notório em várias filmagens a circular pela internet, a reunião decorreu num clima de cordialidade e respeito. Uma postura completamente diferente da parte da Srª Secretária de Estado, e que registei com muito agrado. Espero que a nossa relação volte ao respeito e até amizade como acontecia no início da sua tomada de posse. Da minha parte tudo farei para que isso aconteça. Sempre me regi pelo respeito e tolerância.
O MEU LAR No início senti algum receio de acharem que estava a lutar contra o lar do Centro de Apoio Social da Carregueira, local onde trabalho e vivo. Esta instituição deu-me tudo. Devo-lhes muito. Não poderia ser melhor tratado, mas felizmente entenderam que a minha luta é contra a institucionalização compulsiva como única alternativa. Queremos decidir com, como, e onde viver.