Capítulo da história recente da cidade, a ‘Revolta de Santarém’ foi resgatada do esquecimento através de um trabalho académico de Jéssica Vassalo, estudante de Comunicação e Jornalismo, apaixonada pela História.
“O grande foco da investigação do trabalho foi perceber de que forma é que os jornais desta altura fizeram a cobertura jornalística do acontecimento, que leitura fizeram sobre esta Revolta pela Liberdade”, explicou ao Correio do Ribatejo, uma das fontes documentais deste episódio: a 12 de Janeiro de 1919 começa a revolta de Santarém com Álvaro de Castro, Cunha Leal e Jaime de Figueiredo, os quais declaram querer acabar com a influência monárquica no poder, depurar o exército, defender em todos os campos e inalteravelmente a República, ao mesmo tempo que defendem a nomeação de um novo governo.
Os revoltosos de Santarém rendem-se incondicionalmente quatro dias depois, devido à acção da coluna negra vinda da Covilhã e comandada pelo tenente Teófilo Duarte, governador de Cabo Verde.
O grupo segue sob um pavilhão de seda negra onde com letras brancas, se lê Glória a Sidónio Pais. Ironicamente, a acção de Teófilo e dos seus sequazes, impede que a cidade seja tomada pelas tropas das juntas monárquicas, comandadas por Silva Ramos.
Num cenário de guerra civil entre republicanos e monárquicos, no dia 22 à noite, tropas pró-monárquicas começam a deslocar-se para Monsanto, em Lisboa. Os monárquicos, em cujas fileiras se notabiliza o capitão Júlio Costa Pinto, resistem até à tarde do dia 24. A escalada de Monsanto ficou como uma data histórica e por alguns considerada mais relevante que a própria proclamação da República em 5 de Outubro de 1910. Desse combate resulta a escolha do ribatejano José Relvas (Golegã 1858 – Alpiarça 1929) para chefiar o Governo, depois do assassinato de Sidónio Pais em Dezembro do ano anterior.
De onde veio o seu interesse pela temática: “A revolta de Santarém do 10 de Janeiro de 1919”?
No segundo ano de licenciatura de Comunicação e Jornalismo foi-me lançado um trabalho no âmbito da unidade curricular Sociologia dos Media, no sentido de fazer uma pesquisa sobre um tema que tenha marcado a sociedade e/ou uma determinada região, a nível geográfico.
Assim, sendo scalabitana, que luta por uma sociedade com mais direitos, por uma sociedade mais livre, apaixonada por História, não podia deixar de falar sobre a Revolta de Santarém de 1919.
A Revolta de Santarém de 1919, que durou cerca de uma semana, tendo começado no dia 10 de Janeiro, foi uma insurreição de republicanos contra a inacção do governo sidonista perante a conspiração que estava em curso para restaurar a monarquia, uma revolta pela Liberdade, onde os revoltosos exigiam eleições livres, depurar o exército e o fim da influência monárquica no poder aquando a morte de Sidónio Pais (após a morte de Sidónio Pais tudo parecia conduzir à restauração monárquica).

Como estruturou a sua investigação?
O grande foco da investigação do trabalho foi perceber de que forma é que os jornais desta altura fizeram a cobertura jornalística do acontecimento, que leitura fizeram sobre esta Revolta pela Liberdade.
Assim, numa primeira fase investiguei e expliquei o contexto histórico desta Revolta, ora, o final de 1917, a crise política, económica e social decorrente da participação na I Guerra Mundial fez crescer uma vasta fronda anti-afonsista, Afonso Costa era o rosto do guterrismo.
Por estes factores, entre os dias 5 e 8 de Dezembro de 1917, Sidónio Pais lidera a revolta militar triunfante com o objectivo primordial de afastar do poder os democráticos de Afonso Costa. Sidónio Pais assume, assim, a 11 de Dezembro 1917, a chefia do Governo, instituindo a “República Nova”, de pendor antiparlamentar, anti partidário e autoritário.
Relativamente aos periódicos da altura, dediquei-me a investigar a imprensa local/regional, o Correio de Extremadura (actual Correio do Ribatejo) e o jornal O Debate, que era o órgão local do Partido Democrático de Afonso Costa.

Que aspectos curiosos encontrou durante a sua pesquisa?
Primeiro que tudo a leitura destes dois jornais, ou seja, por um lado existe um jornal, o Correio de Extremadura, que é contra a Revolta de Santarém, que perante a derrota desta proclama “Santarém libertada!”, enaltecendo também os “continuadores da obra de Sidónio Pais”; por outro lado, o jornal O Debate, enaltece a revolta de Santarém, mesmo depois derrotada como um gesto de “honra e glória!”, ou seja, a favor da Revolta. Depois, o facto de ter sido a última vez que a cidade foi cenário de guerra, com combates de infantaria e artilharia e, inclusive, bombardeada por aeroplanos.

Porque é que, a seu ver, este acontecimento foi importante na história nacional?
Este acontecimento foi de facto extremamente importante na história nacional porque assinalou um dos momentos de exigência de Liberdade assim como pelo fim da influência monárquica no poder. Afinal o que acabou por ser restaurado foi a república liberal parlamentar que Sidónio Pais havia derrubado com um golpe militar (em Dezembro de 1917).

E, em concreto, para Santarém?
O 25 de Abril não foi a primeira acção emancipadora de Santarém, esta Revolta foi sem dúvida, a primeira acção de liberdade de Santarém. É importante não esquecer os valores que esta revolta trouxe consigo, vejamos, quando, durante a Revolta, se defendeu o regresso ao programa e à Constituição (parlamentar e liberal) de 1910, o propósito foi demonstrar a vontade de acabar com o Sidonismo, que foi um regime tendencialmente autoritário, ditatorial, com alguns sinais premonitórios do que viria a ser o fascismo e, a mensagem de regresso a 1911 (ano da primeira Constituição Republicana) implicou também a necessidade de corrigir erros do percurso seguido pelo regime republicano que Sidónio havia derrubado.
No contexto da época, a Revolta de Santarém apresenta-se como defensora de mais Democracia e mais Liberdade.

Actualmente, com o mundo focado no presente e no futuro, qual é, para si, a importância da História?
Jamais poderemos menosprezar a História, principalmente, a nossa história local e regional. É fulcral, necessário e urgente relembrarmos estes momentos de luta pela liberdade, pela democracia, numa altura em que discursos populistas e ideologias de extrema-direita estão na ordem do dia, para não serem cometidos as barbaridades humanas causadas por governos autoritários.
Neste sentido, considero preocupante o silêncio que foi feito aquando o centenário (2019) desta revolta, tanto a imprensa local como regional não devem deixar cair no esquecimento dos scalabitanos este momento histórico, isto porque, em particular, esta imprensa (local e regional) tem um papel importante ao nível da identidade da comunidade (local/regional), do próprio sentido de comunidade e como ponto de encontro, de diálogo e de debate – em suma, de cultura, de cidadania, de vida democrática.

A Jéssica é estudante de Comunicação e Jornalismo. Porquê a escolha deste curso?
A escolha do curso superior a seguir não foi fácil, entre História e Jornalismo, a decisão foi difícil. Porém, após algum tempo de reflexão percebi que não pode existir Jornalismo sem História nem História sem Jornalismo, arrisco a dizer-me que se complementam um ao outro. O Jornalismo confere-me o privilégio de poder contar histórias verdadeiras, descortinar a veracidade dos factos e, sobretudo, de despertar pensamento crítico.

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