O Fandango é, indiscutivelmente, a dança mais divulgada do folclore ribatejano, não obstante a sua origem estrangeira, supostamente galega, o que não quer dizer que seja mais representativa do que as demais, posto que, neste aspecto, está em pé de igualdade com os fadinhos, os viras, os verde-gaios, os bailaricos e outras modas dançadas.
O fandango foi dançado espontaneamente em quase todo o país, do Minho ao Alentejo, assumindo expressões musicais e coreográficas distintas, bem assim como diferentes denominações, entre as quais predominam as de vira espanhol ou de vira esfandangado.
Porém, foi no Ribatejo que o fandango atingiu maior notoriedade, muito, decerto, por influência do facto de ter constituído um estereótipo durante o Estado Novo, ao ponto de ser considerado um “emblema” da região da Borda d’Água. O que, no entanto, não o diminui ao nível da sua penetração nos hábitos regionais e, designadamente, como um espécime coreográfico muito representativo da nossa “província”.
Apesar de muito estudado, continuam a subsistir algumas dúvidas sobre a representação do fandango no folclore ribatejano, pois no século XIX são conhecidas inúmeras referências a esta dança que havia arrebatado apaixonadamente a sociedade lisboeta de então, ao ponto de virem de Espanha mestres para ensinarem o fandango às meninas da alta sociedade, os quais, outrossim, se exibiam nas principais salas de teatro da capital.
Alguns viajantes estrangeiros, com obra publicada, descrevem o fandango como uma dança obscena, imoral, caracterizada por algumas atitudes pouco dignificantes, dando-nos conta de que também era cantado e dançado nas tabernas alfacinhas. Neste período o fandango surge muito a par do fado, expressões musicais e coreográficas tão em voga nos bairros pobres da Lisboa novecentista, como nos dá conta Tinop, na sua “História do Fado”.
Talvez tenha sido aqui, no ambiente das tabernas das hortas, que os campinos – que ao tempo se deslocavam a Lisboa conduzindo os toiros que seriam lidados, mais do que uma vez, nos diversos tauródromos lisboetas, pelo que ali permaneciam durante os meses de verão – tenham aprendido esta expressão do fandango, que logo partilharam no seu regresso à lezíria, tanto mais que o espírito de despique estaria bem concordante com o carácter do homem da Borda d’Água.
Ribatejo. Dois homens frente a frente disputam entre si o afecto da mulher mais bela presente ao desafio. Sim, aqui o fandango é um despique através do qual os homens tentam captar a atenção da sua eleita, numa sucessão de passes, quantas vezes fruto de inspiração momentânea, ora vigorosos, ora subtis, com todo o movimento a efectuar-se apenas da cintura para baixo, funcionando os pés como autênticos bilros, bordando inimitáveis bordados, mantendo o tronco erguido e a cabeça levantada, em atitude de confronto.
Ao som da melodia mais divulgada de todo o folclore ribatejano, cuja versão já havia sido transcrita musicalmente pelo maestro João António Ribas (Ferrol, Galiza, 1799 / Porto, 1869), os homens iniciam esta dança de sedução e galanteria, riscando ora para um lado, ora para o outro, até que, de forma alternada, começam a suceder-se os passes.
Outras vezes a disputa do fandango surgia nas tabernas ou nas adegas, quando, com alguns copitos mal-arrumados, os homens se travavam de razões em desgarradas ou na dança do fandango. Aqui, pretendia evidenciar-se, sobretudo, a masculinidade expressa no vigor e na virilidade dos movimentos bailatórios.
Entretanto, como influência das migrações de ranchos de trabalhadores, terá sido trazido para o Ribatejo o fandango oriundo da Galiza e que já havia sido sujeito à adaptação temperamental das gentes do Norte, pelo que as versões recolhidas no Bairro ribatejano são mais harmoniosas, lentas e, vezes não raras, interpretadas em modo menor. Para além de registarem a participação efectiva da mulher, como parceira do homem, e de o fandango não constituir um desafio entre os bailadores, ao invés do que ocorria na Lezíria. De resto estas variantes do fandango poderiam ser dançadas em quadra ou em roda e vezes não raras também era cantado.
O Grupo Académico de Danças Ribatejanas, de Santarém, foi fundado em 1956 pelo saudoso etnógrafo Celestino Graça (1914/1975) com o propósito de recolher, estudar, salvaguardar e divulgar as tradições etnográficas e folclóricas do Ribatejo, o que tem conseguido fazer com dignidade ao longo da sua existência de sessenta e quatro anos e da sua ininterrupta actividade. Insere-se neste propósito a sua candidatura ao Concurso das “7 Maravilhas da Cultura Popular” com a representação do Fandango, inscrito no tema “Músicas e Danças”, a qual foi aprovada pelo Conselho Científico deste Concurso, pelo que Santarém contará com esta participação que se espera possa ser muito apoiada por todos os defensores da nossa Cultura Popular.