Ana Marília Barata Infante assumiu a presidência do Conselho de Administração do Hospital de Santarém no passado dia 30 de Julho. Encontrou uma unidade de saúde que se debatia com “problemas estruturais” de vária ordem, sendo que o principal, a ausência de fundos disponíveis, impedia o visto do Tribunal de Contas para a conclusão das obras nos Blocos Operatórios. A situação foi, entretanto desbloqueada, e Ana Infante não tem dúvidas que, com as novas infraestruturas, equipamentos e processos de trabalho (também estes adaptados à evolução dos cuidados de saúde) o HDS “consegue um salto de qualidade e acesso essencial às necessidades da população”.

Ana Marília Barata Infante preside a uma equipa que integrara ainda o cirurgião Paulo José Sintra Jesus Silva, Miguel Ângelo Carmo da Silva, a ex-deputada e ex-governadora civil do distrito de Santarém Sónia Isabel Sanfona Cruz Mendes e o enfermeiro João Luís da Graça Formiga.

Que realidade encontrou no hospital quando assumiu funções?O Hospital de Santarém, à imagem da maioria dos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) debatia-se com problemas estruturais: défices orçamentais recorrentes, estruturas desadequadas, excessiva dependência dos prestadores de serviço, entre outros. Este Hospital, em particular, tinha um constrangimento acrescido: não tinha tido fundos disponíveis e, portanto, não conseguia obter visto do Tribunal de Contas (TC) para projectos cruciais para o funcionamento e sustentabilidade da instituição. É do conhecimento público aquilo que se passou com as obras do bloco – que se traduziu num constrangimento enorme. De modo que este Concelho de Administração assim que assumiu funções, iniciou como prioridade estratégica a resolução desses problemas. E o facto é que conseguiu resolver: tivemos o visto do TC para todos os projectos que estavam parados em finais de Dezembro último e, logo em Janeiro, reunimos com os empreiteiros, e as obras começaram. As obras do bloco estão a funcionar, têm o seu prazo de duração, e está previsto o término para o mês de Outubro de 2019. Convém esclarecer que esta obra estava dependente não de questões relacionadas com a empreitada em si, mas com o sistema AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado), cuja implementação obrigou a encomendar os equipamentos. Outro projecto que também não tinha visto do TC – e que é crucial para este hospital – tem a ver com a reformulação de toda a rede informática. A que temos é claramente obsoleta e, já em Janeiro de 2018, como foi público, existiu um apagão. Como se trata de um projecto que é confidenciado, estávamos em risco de perder todo o financiamento: tivemos muitas deslocações a Lisboa para tentar reprogramar os fundos e não perder esse investimento enquanto não tínhamos o visto do TC, o que veio agora a acontecer. Contamos ter este projecto finalizado em Junho de 2019. Estas foram as questões primordiais que nós elegemos em termos de CA. Somos um grupo que não se conhecia, o que é raro, toda a gente estranha muito isso mas, quem nos escolheu, se calhar, reconheceu-nos o mérito de termos capacidade de fazer alguma diferença.

Era um grupo que não se conhecia mas que se sentou á mesa e que começou a trabalhar nestes problemas essenciais? Sim, em termos de equipa, somos muito coesos, com saberes diferentes e que nos unimos por um objectivo comum que é o de diferenciar o Hospital de Santarém, que estava um pouco estagnado, parado no tempo, relativamente, até, às novas regras de gestão e aos novos projectos. Acresce que a visibilidade na comunicação social também não era muito positiva. Portanto, e paralelamente aos problemas cruciais que constrangiam o Hospital, que já referi, tivemos de fazer todo um trabalho de motivação de profissionais: criámos uma cultura participativa, de compromisso, entre o CA e os directores de serviço, em que, anualmente, discutimos com eles as metas assistenciais e os custos a cumprir e ouvimos as dificuldades. É um espaço de diálogo, mas é, também, um compromisso de ambas as partes. E isso foi muito apreciado pelos directores clínicos -não só pelos directores médicos – porque se sentiram ouvidos e também porque poderão partilhar os seus desejos e as suas ansiedades e as dificuldades que sentem nos seus serviços.

Voltado à questão das obras do bloco operatório, os utentes do Hospital passam a ter a garantia de um melhor serviço?Esta obra vai permitir várias coisas: primeiro, vamos conseguir dar uma melhor resposta aos nossos doentes e cumprir melhor os tempos de resposta. Segundo: os nossos doentes estão a ser operados fora, a 30 quilómetros e mais, o que implica que as famílias têm que os de ir lá pôr, os nossos profissionais têm que se deslocar, estão desgastados também, o material tem que ir para lá… portanto, isso implica uma logística que é caríssima ao Hospital, além de também pagamos ao Hospital de Torres Novas o aluguer do bloco. Tudo isto tem causado uma série de disfuncionalidades. Quando tivermos o nosso bloco a funcionar, todas estas questões serão ultrapassadas em benefício dos doentes, dos funcionários e também em termos de gestão. O bloco operatório é a matriz de um Hospital: as metas assistenciais são todas cirúrgicas. Se não as cumprirmos, somos penalizados em termos de contracto programa. Paralelamente ao bloco, que é essencial, estamos seriamente envolvidos na questão da modernização tecnológica. O hospital vai ser pioneiro ao nível de uma plataforma que se chama Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA SNS), que permite o livre acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde. O sistema funciona com o envolvimento dos médicos de família, que vão ajudar o doente a optarem pela melhor solução no seu caso para a primeira consulta da especialidade. O médico de família acede à plataforma e em conjunto com o doente agenda a consulta num hospital que tenha o menor tempo de espera. Este projecto é fulcral na interligação entre hospitais e cuidados de saúde primários e vai iniciar-se com o Centro de Saúde de Coruche. Isto vai-nos permitir, também, avançar em termos de atingir os níveis de diferenciação que desejamos. Neste momento, já temos teleconsulta na dermatologia, e damos resposta aos centros de saúde da região, mas vamos tentar implementar noutras áreas para as quais também temos capacidade como seja a pneumologia e a cardiologia. Esta interligação com os Centros de Saúde é fulcral porque a população que servimos é a mesma e, portanto, os doentes são os mesmos: eles pulam entre as várias instituições, às vezes, até com sobrecarga de exames para os próprios. Portanto, estamos a tentar compatibilizar as mais-valias dos centros de saúde com as nossas: a rede de cuidados primários tem mais enfermeiros, nós temos médicos especialistas e, portanto, estamos a tentar uma complementaridade em várias áreas muito especificas. Uma articulação que penso que vai ser muito proveitosa.

O Hospital Distrital implementou, também, a Via Verde do Acidente Vascular Cerebral (VVAVC) do adulto, possibilitando uma intervenção precoce e mais rápida no tratamento desta patologia. Quando um doente com suspeita de AVC entra no serviço de Urgência do Hospital de Santarém logo na Triagem, é activada a VVAVC. O doente é encaminhado para a sala de emergência, é avaliado pela equipa médica e segue para a sala de TAC, onde efectua de imediato os exames indicados para diagnóstico. Se existirem critérios para o tratamento de trombólise (destruição do trombo), este é iniciado na sala de TAC, efectuando-se exames de reavaliação. O doente após receber o tratamento inicial segue para internamento na Unidade de Cuidados intermédios do Serviço de Urgência (UCINT), onde continua o seu tratamento, sob vigilância médica e de enfermagem contínua. Para além da ‘Via Verde’ e no sentido de superar constrangimentos geográficos e agilizar o tratamento em tempo útil dos doentes com AVC, foi desenvolvido o TeleViVer-AVC, projecto-piloto entre o Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) e o Hospital de Santarém, promovido pela ARS LVT que inclui o recurso a novas tecnologias, nomeadamente a teleconsulta que além de discussão clínica permite a visualização do doente e a partilha de imagens de exames complementares de diagnóstico entre os hospitais envolvidos. Sempre que necessário, recorre-se à telemedicina, para discussão clínica com a equipa da Unidade Cerebrovascular do Hospital de S. José, CHLC conforme protocolo de cooperação definido.

Conselho de Administração do Hospital de Santarém

Esta articulação entre os vários centros de saúde e o Hospital na sua opinião será crucial, também, para evitar as chamadas falsas urgências?É fundamental. Se conseguimos articular bem os cuidados, os doentes são melhor servidos e acabam por ser melhor acompanhados, principalmente os chamados grupos vulneráveis – idosos e crianças.

Quando assumiu funções, quais foram as principais preocupações que os directores de serviço e os médicos lhe transmitiram?As preocupações são de vária ordem. Passam, em primeiro lugar, pela necessidade de equipamento para os seus serviços. Por outro lado, transmitiram-me a necessidade de cativação de mais profissionais do Serviço Nacional de Saúde. Temos, cada vez mais, de nos adaptar à conjuntura: os médicos têm ofertas no mercado privado com as quais nós não conseguimos competir e, portanto, temos que lhes dar alternativas de investigação, de ensino, de formação de forma a conseguir a motivação para que fiquem.

Portanto, são estas as medidas que o concelho de administração tem tomado para tentar fixar os médicos aqui no hospital? Sim, há todo um trabalho de fundo, uma reflexão, feita pela direcção clínica, CA e internato médico. Nós recebemos muitos internos todos os anos que, depois, acabam por aceitar outras ofertas e vão-se embora. Portanto, temos de começar a trabalhar com esses médicos desde o início, porque eles estão traquejados, conhecem as equipas, conhecem o Hospital e as dificuldades e, portanto, temos que oferecer as condições – dentro daquilo que podemos – para que eles fiquem.

Vê, então como uma mais-valia para o Hospital ter um corpo clínico estável?Claramente. Mas convém não esquecer que o Hospital funciona como um todo: todos os funcionários são importantes, desde ao auxiliar ao médico, mas, claro, o corpo clínico é essencial. Essencial para cumprirmos o contracto programa a que nos comprometemos e para que a qualidade de serviço prestado à população seja de excelência.

E os profissionais de enfermagem? A classe mostrou o seu descontentamento nas greves? Nós, como temos o bloco fechado, não tivemos a greve cirúrgica. A enfermagem achou que não tinha vantagem em ir por aí. Agora, a greve cirúrgica acabou, por imposição do tribunal, e os enfermeiros estão a fazer greve às cirurgias adicionais… os nossos aderiram e estamos sem cirurgias adicionais enquanto o impasse não for ultrapassado.

O que causa alguns constrangimentos, certamente….Sim, vão deixar de ser operados alguns doentes.

Como é que está a saúde do hospital, desde que assumiu funções? Eu tenho muitas expectativas, em particular em relação aos funcionários. Considero que os funcionários – até porque tiveram uma gestão durante 20 anos da mesma pessoa – estavam um pouco desgastados. Portanto, e nesse sentido, um CA novo, de pessoas de fora, com perspectivas diferentes, poderá, e está, certamente, a trazer um élan diferente. A mudança faz bem. A gestão é uma técnica, com instrumentos próprios, mas, depois também é muito pessoal. Cada pessoa tem a sua forma de gestão e portanto, a expectativa dos funcionários, desde o mais baixo ao mais alto, foi elevadíssima em relação a este Concelho, o que é bom, e o que é mau: por um lado, podemos corresponder mas, por outro, podemos ficar aquém. É um equilíbrio. Mas, julgo, temos mostrado que conseguimos mexer e mudar e é isso que temos feito. Os funcionários têm sentido isso. Foram nomeados alguns novos directores de serviço, de ortopedia, de ginecologia e de cardiologia, que estão muito motivados para o desempenho das suas funções, e portanto, vão fazer certamente um bom trabalho em conjunto com o CA.

Ana Infante – Presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santarém

Como é que o Hospital respondeu à chamada época da gripe? O panorama geral foi um pouco crítico, mas nós, neste Hospital, organizamo-nos bem: reforçamos equipas de médicos e enfermeiros, tínhamos uma articulação directa com o serviço de internamento para tentar internar os doentes assim que fosse possível. para libertar também as camas do internamento. Por outro lado, implementámos o projecto ‘Fast Track Verdes e Azuis’ no Serviço de Urgência (SU), que consiste na observação dos doentes triados de verde ou azul na área da consulta externa do departamento cirúrgico (Piso 0). Procuramos, assim, promover um rápido atendimento dos doentes triados com prioridades não urgentes/pouco urgentes, maximizar espaços físicos no SU para atendimento dos doentes urgentes/emergentes e minimizar os riscos de infecções associadas aos cuidados de saúde em períodos de contingência.

As medidas aumentaram a eficácia dos serviços?O Serviço de Urgência do Hospital de Santarém, à semelhança de tantos outros hospitais públicos, sofre com sobrelotação, o que se reflecte no desgaste das equipas e restantes recursos, assim como na insatisfação dos utentes. Estas medidas excepcionais, ao abrigo do Plano de Contingência de Inverno, resultaram num dos menores Score de Sobrecarga de Urgência (índice calculado com base em 14 variáveis e que compara todos os Serviços de Urgência do país) das urgências Médico-cirúrgicas em todo o país.

E em relação á Unidade Coronária? Os problemas estão definitivamente ultrapassados?Perfeitamente ultrapassados. A cardiologia foi e vai continuar a ser um serviço de referência na região. Os constrangimentos surgiram porque perdemos dois especialistas e alguns dos médicos deixaram de fazer urgência geral porque tinham mais de 55 anos. As unidades coronárias têm que ter apoio médico 24 horas e essa circunstância fez com que a Unidade tivesse de ficar fechada dois a três dias. Em Janeiro último já conseguimos assegurar o corpo médico necessário e a Unidade está a trabalhar, desde então, na sua plenitude.

Que outros projectos estão a ser desenvolvidos neste momento? Temos um projecto, no qual assinamos um compromisso com mais 23 hospitais, que é o da de hospitalização domiciliária. Nós vamos iniciar com seis camas, até Junho, com seis enfermeiros dedicados e três médicos. Gerenicamente, a hospitalização domiciliária é assegurada por uma equipa multidisciplinar de profissionais de saúde – médicos de Medicina Interna, enfermeiros especializados em Enfermagem de Reabilitação e assistente social – e apresenta-se como uma alternativa ao internamento hospitalar convencional, proporcionando assistência contínua e coordenada aos cidadãos que cumpram um conjunto de critérios clínicos, sociais e geográficos que permitem a sua hospitalização no domicílio. Este programa representa uma nova fase de prestação de cuidados de saúde cada vez mais humanizados, no sentido em que os doentes poderão ser assistidos nos seus domicílios, procurando assim que o episódio de internamento domiciliário, que se efectiva dentro da casa do próprio doente, implique o menos possível com a sua dinâmica familiar e com o seu conforto. A hospitalização domiciliária responde a critérios clínicos muito específicos que visam salvaguardar quer a segurança clínica do doente, quer a segurança assistencial dos profissionais de saúde. Creio que é uma boa medida para os doentes e para a própria rotatividade das camas.

Quando estará pronta a funcionar a ressonância magnética? Eu penso que, actualmente, poucos hospitais não têm ressonâncias magnéticas. Santarém é este é um deles, e é um meio de diagnostico que os clínicos consideram imprescindível. Estamos a fazer este tipo de exames em Leiria, o que acarreta custos de transporte e desconforto para os utentes e uma verba muito grande para o Hospital. Por isso, temos concursado ao Alentejo 2020 uma verba de 3 ME para esse fim.

Ou seja, o Hospital de Santarém está a fazer o caminho da actualização e procura de diferenciação para prestar melhores cuidados á população?O Hospital tem que se diferenciar: neste momento, não basta sermos só um Hospital… temos que oferecer mais, não só à nossa população, mas também aos nossos clínicos porque é a forma de os mantermos.

Acha que o hospital está a recuperar o amor próprio? Acho que sim. Eu acho que as pessoas se revêm num projecto que é coerente. Claro que estamos a falar de um sector que é de complexidade acrescida, onde intervimos junto de seres humanos fragilizados, ao mesmo tempo que não nos podemos esquecer das metas económicas a cumprir.

Tem uma vasta experiência hospitalar, de gestão passou pelo Instituto Português do Sangue, Hospital Pulido Valente, Hospital de Santa Coruche muitos, como está ser aqui a experiência em Santarém? Tenho uma experiência profissional de 30 trinta anos, e, curiosamente, iniciei a minha actividade profissional em Santarém. O sector da administração em saúde é desafiante e aliciante mas é exigente. Por vezes, temos até que que mexer um pouco em poderes instituídos, mas não nos podemos desviar dos objectivos que pretendemos e temos que ter um caminho delineado, de o cumprir, ouvir as pessoas e comunicar. Temos que ser tolerantes, mas assertivos. Mas não se consegue nada se não dialogarmos com os profissionais e os envolvermos nos objectivos comuns do Hospital.

E a nível de envolvência do próprio hospital com a comunidade e com as outras instituições? É um trabalho em construção: já teve várias reuniões com a Câmara, com a Comunidade Intermunicipal, por exemplo. Estão muito agradados com o trabalho que está a ser feito e o feedback tem sido positivo. As expectativas também eram grandes… Temos projectos em conjunto a desenvolver. Considero isso fulcral: nós temos os doentes mais ‘pesados’ do distrito, temos os doentes de oncologia, da radioterapia, e isso quer dizer que temos os maiores custos em medicamentos, em transportes… As parcerias são fundamentais neste contexto.

Que marca de gestão gostaria de deixar no Hospital? Eu gostava de deixar um hospital diferenciado e que andasse por si próprio. As pessoas passam, as instituições ficam. Nós não somos eternos: eu sou administradora de profissão mas isto é um cargo. Agora tenho esta missão, a de tentar que o hospital de Santarém se diferencie e que preste melhores cuidados á população e, depois, que tenha autonomia para andar por si próprio. Depois, quem vier, há-de ter outra perspectiva de gestão, outra perspectiva pessoal. Quando eu cheguei aqui, encontrei chefias intermédias que não estavam habituadas a decidir, não havia delegação de competências a ninguém. Foi uma das coisas que eu fiz logo: não só delegar com os meus colegas do Concelho como das chefias intermédias para que elas estivessem envolvidas nos objectivos.

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