Tiago Santos tem uma experiência de 13 anos como médico de família. Actualmente presta serviço na Unidade de Saúde Familiar Almonda (USF Almonda) da Unidade Local de Saúde do Médio Tejo (ULS Médio Tejo).

Nesta entrevista, partilha experiências, desafios e visões sobre uma especialidade clínica que se diferencia das demais, pela importância da relação médico-utente.

Que conselhos pode dar um médico que está a iniciar a sua especialidade em Medicina Geral e Familiar?

O melhor conselho que me ocorre é que nunca deixe de acreditar. Acreditar que enquanto Médico no Serviço Nacional de Saúde está no melhor sistema possível para dar resposta a toda a população, desde os mais afortunados a nível socioeconómico até os mais desfavorecidos.

Acreditar que está numa Especialidade absolutamente essencial ao funcionamento deste sistema, e que se encontra numa posição privilegiada para fazer a diferença na vida dos seus utentes, quer através do seu trabalho individual quer através do trabalho em equipa com as outras classes, sobretudo

Enfermeiros de Família e Secretários Clínicos. Acreditar que não é só possível, mas mesmo indispensável, contribuir para a garantia das condições de trabalho necessárias para o exercício da nossa função, possibilitando assim a melhor resposta possível às necessidades de saúde dos utentes.

O que é que diferencia esta especialidade das demais?

Existem diversas características únicas na Medicina Geral e Familiar, não sendo por acaso que se trabalha num edifício diferente – o Centro de Saúde, casa dos Cuidados de Saúde Primários.

Realço sobretudo duas: a Prevenção e a Acessibilidade. O Médico de Família é por excelência o Médico especialista em Prevenção, nos seus quatro níveis preconizados: primária, evitando o aparecimento de doenças; secundária, procurando realizar diagnósticos o mais precocemente quanto possível; terciária, evitando complicações de doenças já diagnosticadas; e por último mas não menos importante, quaternária, evitando a iatrogenia, isto é, o dano para a Saúde por excesso de cuidados médicos. A Acessibilidade permite ao Médico o contacto direto com a população que pode beneficiar destas intervenções preventivas. Na perspetiva do utente, a Acessibilidade é fundamental pois os Cuidados de Saúde Primários são habitualmente a porta de acesso para o Serviço Nacional de Saúde.

Qual é a importância da relação médico- utente na Medicina Geral e Familiar e como se cultiva essa relação?

A relação médico-utente é uma ferramenta imprescindível no trabalho diário de um Médico de Família, sendo através dela que se desenrola o resto da nossa ação. De acordo com os manuais de MGF a natureza desta relação assenta no Médico de Família enquanto advogado do utente perante a sua Saúde.

A sua gestão, portanto, nem sempre é simples; torna-se necessário um equilíbrio entre a proximidade necessária para obter a confiança do utente, por um lado, e o distanciamento emocional necessário para exercer a prática da Medicina, sem nunca abdicar da Humanidade perante o outro e o seu sofrimento.

E relativamente ao meio em que se desenvolve a prática clínica, ser médico de Medicina Geral e Familiar em contexto rural tem algum aspeto particular?

Cada população tem as suas características, sem dúvida. No contexto rural verifica-se uma muito maior dependência da população em relação ao Centro de Saúde, pois normalmente não há outros recursos de saúde disponíveis, ao contrário da cidade, onde existe muitas vezes um hospital, ou clínicas privadas, como alternativas. Por outro lado, na maior parte dos Polos / Extensões apenas existe população para justificar uma ou duas Microequipas Médico/Enfermeiro, o que obriga à criação de Unidades que agreguem vários locais de prestação de serviço, o que dificulta a respectiva gestão. É com muito orgulho que integro uma Unidade que apesar destes desafios mantém um local de atendimento com duas Microequipas numa aldeia, assim garantindo resposta a todos os sectores da população.

Lembra-se de algum caso que o tenha marcado em que os cuidados de saúde primários foram determinantes – no diagnóstico ou mesmo pela insistência em não desistir de um utente – num diagnóstico particularmente difícil?

Os casos com essas características são tantos que a escolha se torna difícil – e isto não é imodéstia, é porque é mesmo esse o nosso papel. Vou então optar por responder não com um caso em específico, mas sim com aquele que é um dos principais focos do nosso trabalho: as centenas de casos em que graças à ação dos Cuidados de Saúde Primários foi possível garantir a Saúde dos utentes.

Estou a referir-me a todos os utentes que graças a terem realizado o Rastreio do Cancro do Colo do Útero, ou Rastreio do Cancro Colo-Rectal (cancro dos intestinos), ou mesmo Rastreio do Cancro da Mama, foi possível diagnosticar uma lesão pré-maligna ou maligna em fase inicial e que tiveram literalmente por isso a vida salva. Refiro-me também a todos os Diabéticos e Hipertensos que sem Cuidados de Saúde Primários teriam já desenvolvido várias complicações destas doenças, tais como Acidentes Vasculares Cerebrais, Enfartes Agudos do Miocárdio, perda de visão, ou outros, e que graças a um bom controlo continuam bem de saúde.

Esta nossa ação não se reflete apenas na saúde dos utentes, mas também permite aliviar imenso os Cuidados de Saúde Secundários de trabalho e despesas – é muito mais simples e barato realizar uma Colonoscopia e retirar um pólipo, que tratar um Cancro Colo-rectal.

Nesta perspetiva, a nossa função é não apenas tratar doenças, mas, acima de tudo, preveni-las.

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