A Comissão de Luta Anti Poluição do Alviela (CLAPA) foi criada oficialmente a 23 de Setembro de 1976, 19 anos depois do primeiro registo de poluição considerável no rio Alviela (1957). De lá para cá pouco mudou. A propósito do Dia Mundial do Ambiente, o Correio do Ribatejo falou com José Gabriel, o homem que tem vindo, desde 2018, a reactivar a associação.

O que levou à reactivação da CLAPA?
No ano de 2018, após um período de inactividade e sobretudo em consequência da ocorrência de diversos e gravíssimos episódios de poluição da água e atmosféricos, numa reunião de Assembleia de Freguesia de Pernes, o Dr. Raúl Violante, presidente daquele órgão local de poder autárquico, lançou o desafio aos presentes naquele momento, de se agregar vontades para a reactivação da CLAPA, com o propósito de dar continuidade aos objectivos do seu acto fundador, lutar e organizar o povo contra os crimes ambientais, contribuir para a cidadania ambiental assim como para a afirmação da importância do Alviela na qualidade de vida da diversas comunidades que vivem ao redor das suas margens.
O desafio foi aceite, uma comissão de reactivação foi constituída e após vários encontros preparatórios foi marcado um acto eleitoral do qual resultou a actual Direcção a que eu prefiro chamar de equipa coordenadora de actividades.

Qual é o papel da CLAPA na sociedade, no sector ambiental e, em particular, na defesa do Alviela?
Entendemos que somos um testemunho muito relevante da memória colectiva das populações do rio Alviela na afirmação dos seus direitos contra todas as formas de poluição. A CLAPA prossegue o seu propósito de defesa intransigente do rio e do seu ecossistema através de todos os meios ao seu alcance sabendo quanto é importante a nossa participação regular nos diversos fóruns de ambiente assim como a preparação e divulgação da educação ambiental a toda a comunidade e em particular às novas gerações. Sabemos que este é um caminho certo, fundamental, actualizado e que pode contribuir para contrariar a progressiva perda de qualidade de vida aliada à constante diminuição de atractivos de fixação da população, acompanhada da expressiva redução de taxa de natalidade.

Quais as questões críticas em que a CLAPA pretende continuar a intervir?
Entendemos que o problema da poluição do rio Alviela continua por resolver apesar do funcionamento da central de tratamento de águas residuais de Alcanena, cuja construção foi consequência das inúmeras acções de esclarecimento e tomada de decisões da CLAPA como legítima representante das populações. Podemos afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que outras fontes poluidoras fazem hoje concorrência à poluição dos curtumes – o que aumenta substancialmente o enorme passivo ambiental que existe em toda a bacia do Alviela. Diversas explorações agro-pecuárias muito intensivas foram edificadas num raio de acção demasiado próximo das povoações de Vaqueiros e Pernes, assim como do rio Alviela. Milhares de suínos (quantos são ao certo?) a produzir uma quantidade gigantesca de efluentes que vão contaminar a terra, lençóis freáticos e o rio, porque os trabalhos prévios de avaliação de impacto ambiental foram mal feitos e sobretudo não corrigidos após a constatação das suas lacunas!
Consideramos que o rio Alviela sofre agressões na sua nascente que ainda é a zona menos poluída e que percorridos cerca de cinquenta quilómetros é um rio morto a desaguar noTejo. Esta região está a ser invadida pelo cultivo superintensivo de olival e para o qual olhamos com preocupação redobrada sabendo do uso e abuso de pesticidas que contaminam também a terra, os lençóis freáticos e o ar que respiramos. Importa também abordar uma questão que consideramos muito preocupante que é a circulação diária de centenas de camiões que tem como origem e destino as bases logísticas sediadas no concelho Alcanena. Estes camiões de grande porte atravessam a toda a hora, durante todos os dias do ano, os concelhos de Alcanena e Santarém. Entendemos que este considerável movimento de camiões pode e deve ser realizado através da auto-estrada que está situada ao lado destas bases logísticas! A segurança rodoviária, a poluição sonora e atmosférica, a qualidade de vida das diversas povoações onde acontece este trânsito exige esta mudança qualitativa! Neste contexto, reafirmamos a exigência aos diversos decisores políticos das pastas do Ambiente, da Agricultura, da Saúde, da Coesão Territorial, da Indústria, assim como aos titulares das regiões do Médio Tejo e de Lisboa e Vale do Tejo para que produzam decisão e coordenação política eficaz para que a poluição acabe de vez e as populações sejam devidamente compensadas dos enormes prejuízos que acontecem há mais de sessenta anos. O rio Alviela carece da atribuição rigorosa de recursos financeiros, de recursos humanos e materiais para que aconteça efectivamente o respeito e a conservação de toda a biodiversidade – sem quaisquer ataques à fauna, à flora e à vida humana.A CLAPA tem o sonho e a intenção de instalar junto do rio Alviela, na casa que foi deixada por testamento pelo seu sócio fundador Joaquim Jorge Duarte à Junta de Freguesia de Pernes, através de protocolo devidamente escriturado entre as partes, um Centro de Educação Ambiental que materialize o objectivo de fazer história acerca do importante património que é a luta contra a poluição do rio Alviela!

São uma das associações ambientalistas mais antigas do País. Quer isto dizer que os problemas do Rio Alviela tem décadas e nunca foram resolvidos?
Sim, é inteiramente verdade. A CLAPA assume com brio e honra o seu estatuto de antiguidade – fomos de facto, enquanto Associação, das primeiras a ter a coragem de assumir a defesa do Ambiente como importante marca da defesa dos direitos humanos. É e será sempre oportuno fazer a referência de que esta luta foi iniciada em condições de absoluta falta de liberdade de associação e liberdade de expressão – o que causou até sérios constrangimentos e ameaças aos nossos primeiros activistas, cuja memória temos o gosto de evocar. A CLAPA afirma com orgulho o seu precioso contributo na luta contra a instalação de uma central nuclear em Ferrel, perto de Peniche no já longínquo ano de 1978, daí que seja pertinente pensarmos acerca do perigo que recebemos da central nuclear espanhola de Almaraz.

Na altura do primeiro confinamento, o Rio Alviela teve níveis de poluição muito baixos. O que é que provoca estes episódios constantes de poluição?
A CLAPA afirma que o rio Alviela necessita de Guarda-rios como de pão para a boca, para fazer a observação regular do rio durante todos os dias do ano. Entendemos que devem ser instalados sistemas de vídeo vigilância em todos os pontos negros do rio onde costumam ocorrer as prevaricações. Exigimos que sejam feitas análises regulares à água, ao ar, aos solos, à fauna bem como à flora que pertence ao habitat Alviela. E que o resultado dessas análises seja divulgado de forma pública e sem barreiras de comunicação. Exigimos aos ministérios do Ambiente, da Agricultura e da Administração Interna para que instale gabinetes de trabalho e de acompanhamento de proximidade para a Agência Portuguesa do Ambiente, para a Direcção Regional de Agricultura e Pescas bem como para o Serviço de Protecção da Natureza da GNR junto ao rio Alviela! Demasiadas mortes já ocorreram entre nós. Dizemos que os episódios de poluição acontecem porque o rio Alviela está abandonado à sua sorte e porque as entidades que têm a competência para fazer a sua guarda e proteção se demitem de exercer a sua função de soberania porque estão afastadas do terreno.

Como vê o envolvimento da sociedade civil, nomeadamente as populações ribeirinhas do Alviela, com o meio ambiente?
O envolvimento da nossa sociedade civil é e será sempre o reflexo do grau de educação ambiental, cívica e política em última instância. De todo o caminho percorrido desde 1976 até hoje, podemos afirmar que sempre que as populações se organizaram e se uniram em torno desta luta muito ardilosa, saíram vitórias! A sociedade civil só poderá resolver este problema com luta!

As gerações mais novas estão aptas a entenderem as questões que rodeiam o meio ambiente e o papel da sustentabilidade?
As gerações mais jovens compreendem e aceitam cada vez com maior acuidade a tarefa de ser proactivo na defesa do Ambiente. Estamos em emergência climática. Nesse sentido, consideramos que a ferramenta da educação ambiental é demasiado importante. Os educadores, os pais, os professores, as associações de defesa do Ambiente, as organizações juvenis, os órgãos de comunicação social podem e devem desempenhar a tarefa de aprender e de passar o testemunho de quanto é importante respeitar o Ambiente! O voluntariado e o activismo ambiental são insubstituíveis para garantir imensos recursos humanos para o precioso trabalho da defesa do ambiente. Lutar contra a poluição é também lutar por um mundo mais justo e solidário. Somos todos necessários!

A crise desencadeada com o surto de coronavírus deve ser vista como uma oportunidade para reflectir sobre o ambiente?
Todas as dificuldades ou crises que atravessamos até hoje nas nossas vidas trouxeram-nos ensinamentos! Esta situação dramática que ainda agora estamos a atravessar e que não sabemos quando irá terminar pode e deve levar- para o seguinte caminho de reflexão – qual é o modelo de sociedade que melhor protege o ambiente?
É bom sabemos que a defesa do Ambiente é inseparável da defesa de muitos outros direitos humanos e que não temos Planeta B! Muito fica por escrever! Este é o nosso contributo para o desenvolvimento que se quer sustentável. O Povo do Alviela vai vencer!

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