Odemira é na Rua Nuno Velho Pereira. Mesmo ao lado do centro comercial, no centro da cidade de Santarém, onde se veem apartamentos demasiado cheios de gente. Esta gente é transportada por carrinhas para os campos agrícolas do Ribatejo de manhã muito cedo. São pessoas que pagam alojamento, alimentação e transporte do pequeno ordenado que recebem. Muitas vezes pagam aos mesmos de quem deveriam receber ou nem sequer chegam a receber, fica por conta. Por conta da dívida que os escraviza. Pagam com a liberdade o preço do tráfico que os trouxe do outro lado da pobreza, com promessas de ordenados e contratos que depois se esfumam. Isso é tráfico humano e abuso de poder. Crimes a que não podemos fechar os olhos.
Odemira é no centro histórico de Santarém, onde há casas em que entram e saem constantemente homens que não falam o português. Levam pastas com documentos, gesticulam ao telemóvel. Olham para os lados de maneira disfarçada, a ver se está tudo tranquilo. Tratarão a preços obscenos de agendamentos, autorizações de residência, certidões das juntas de freguesia, manifestações de interesse no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras?!… São longas as cadeias de empresas de trabalho temporário e angariadores que afastam da responsabilidade empresarial e da consciência individual o lucro criminoso. Isso é corrupção e negócios sujos. Odemira é nas ruas do Vale de Santarém, do Cartaxo ou de Almeirim… Todos vemos estas pessoas na rua. Todos nos apercebemos das suas dificuldades.
Odemira é a ponta, agora embaraçosa porque publicamente denunciada a larga escala, do iceberg que se repete por todo o país agrícola: mão de obra migrante, sub sub contratada, exploração laboral, condições de alojamento indignas, longas redes de intermediários. O Tesla novo comprado à custa de mão de obra tratada de modo desumano.
Mas o problema não são os migrantes. O problema é este sistema de produção agrícola. Um modelo super intensivista, que destrói a biodiversidade, esgota solos e reservas de água, contamina o ambiente com pesticidas. Um sistema de indústria agro alimentar que, em vez de criar riqueza, coesão territorial e qualidade de vida para as populações tem como objetivo principal o lucro imediato de muito poucos. Este é um problema ambiental, mas também de direitos humanos.
A agricultura, como qualquer outra atividade económica, pode e deve ser sustentável, pensar no futuro. Respeitar o ambiente a as pessoas. A situação é particularmente grave no momento em que se discute o Plano Estratégico da “nova” Política Agrícola Comum. Este tipo de projetos não podem continuar a receber financiamento público, dinheiro que é de todos nós. O trabalho e a sua qualidade devem ser critérios na aplicação de apoios.
O Bloco de Esquerda tem sistematicamente denunciado a situação e estado ao lado dos migrantes e das associações que lhes dão voz. Apresentámos, dia 15 de setembro de 2014, o Projeto de Lei Nº 648/XII/4º, que pretendia alterar o Código do Trabalho para combater o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral. Votado em 2015-07-22 foi rejeitado, com os votos contra de PSD e CDS-PP. Insistimos, em 2016, com o Projeto de Lei Nº 55/XIII/1 que foi aprovado devido ao novo equilíbrio de forças no Parlamento, mesmo com os votos contra da direita.
A realidade, exposta aos olhos de todos pela pandemia, prova que a situação está longe de resolvida. Catarina Martins anunciou em Odemira uma nova proposta legislativa para que toda a cadeia seja responsabilizada, desde as empresas que trazem os trabalhadores, aos responsáveis das explorações agrícolas e proprietários das terras.
Pretendemos ainda ver garantida a fiscalização e o fim da impunidade de todos quantos lucram com estas situações vergonhosas, em Odemira e no Ribatejo. Não desistiremos. É a nossa própria humanidade que está em causa.
Fabíola Cardoso – Deputada do BE- eleita por Santarém