Vivemos tão apressadamente e com o olhar tão focado no futuro que até nos esquecemos do passado e, muitas vezes, nem vivemos com a devida intensidade o presente. O que, convenhamos, é um tremendo erro, posto que o passado é a dimensão temporal que melhor conhecemos e a única que nos permite fazer uma reflexão sobre nós próprios.
O presente é de tal maneira efémero que fenece a cada instante, como as brasas que ardendo se tornam cinza. O presente, contudo, é o futuro do passado, que, assim, se torna mais importante porque nos permite avaliar quanto do que projectámos para o nosso futuro fomos capazes de concretizar.
Agora o futuro, o devir deste nosso tempo, é o que tiver de ser, não obstante que o que fizermos hoje poderá influenciar o nosso dia de amanhã, embora sem que tal constitua um imperativo formal na nossa existência. O futuro é de tal modo imprevisível que até o remetemos, habitualmente, para a esfera do divino, entregando-o nos desígnios superiores de Deus, quando afirmamos, estribados numa sabedoria tradicional, que “o futuro a Deus pertence”.
Obviamente, quem não acredita em Deus sempre encontrará a resposta para as suas dúvidas ou para as suas inquietações junto de uma outra qualquer venerável entidade, pois, em boa verdade, é apanágio do ser humano recorrer à sua dimensão espiritual para superar as situações mais complexas. Até os que se dizem ateus, graças a Deus…
Pois, como poderão adivinhar os que me lêem, apesar deste introito, não pretendo dissertar sobre questões de natureza filosófica a propósito do passado, posto que outros o poderão fazer melhor do que eu. O que me interessa, realmente, é exortar aqueles que estão incumbidos formalmente de construir o nosso futuro colectivo a fazerem uma atenta ponderação sobre o que verdadeiramente nos interessa para Santarém. Não se esquecendo de ter em conta o passado, recente ou mais remoto, da nossa velhinha urbe.
Perscrutando o passado poderemos compreender melhor o tempo presente, na medida em que temos, assim, a possibilidade de sabermos quem fomos e quem somos agora. Esta análise, tão objectiva quanto possível, permitir-nos-á avaliar se os pressupostos do futuro que traçámos no passado estavam adequadamente alicerçados ou se, por fragilidade nossa, não tivemos engenho e arte para os construir.
Quando perspectivamos o futuro de um concelho ou de uma região construímos uma visão sobre o desenvolvimento que pretendemos realizar, que forças devemos empenhar neste desafio e de que meios carecemos para o materializar. É o tempo do sonho, mas é igualmente o tempo da projecção.
Ninguém constrói o seu futuro sem uma boa dose de sonho, de idealismo, porque tomos sabemos que uma coisa é aquilo que tencionamos fazer e outra coisa, às vezes bem diferente, é aquilo que conseguimos concretizar. Na fase da materialização de qualquer projecto sempre topamos com inesperados constrangimentos, que ocasionam atrasos ou demoras, impondo até, por vezes, uma mudança de planos, que mais não é do que a adequação do nosso projecto à realidade.
Sobretudo quando desenhamos o futuro a um tempo mais longo, e há obras que, pela sua grandeza ou pelos elevados recursos que exigem, só podem ser pensadas a longo termo. Um projecto de futuro, e com futuro, tem de ser capaz de acolher algumas adaptações durante a sua fase de construção, porque, como consagrou o Príncipe dos nossos Poetas, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. No entanto, também não poderemos ficar eternamente à espera da última moda, como o Bocage!
Santarém foi durante algumas gerações uma lídima capital regional, impondo-se no contexto regional – mau grado algumas estéreis picardias com a cidade de Tomar – porém, os mais velhos recordam-se de que Santarém ocupava uma das primeiras posições entre as melhores cidades portuguesas. Como estamos hoje distantes desse lugar na tabela do desenvolvimento! Muitos saberão as razões que determinaram a gradual perda de importância da nossa cidade, outros nem querem saber, porque em bom rigor também estão implicados nas razões que determinaram o seu ofuscamento.
Quando imaginamos uma capital regional logo nos surge no pensamento um conjunto de estruturas indispensáveis para um satisfatório nível de qualidade de vida e de conforto da respectiva população. A arte da governação deve assentar no princípio de que quem governa deve preocupar-se em proporcionar aos seus concidadãos um bom nível de vida, desde as condições básicas de habitação e de acessibilidades, à valorização profissional e ao emprego, ao acesso à saúde e ao ensino, às questões de segurança e de protecção civil, e, por fim, mas não menos importante, ao acesso à cultura, ao recreio e ao desporto.
Analisando o caso de Santarém poderemos concluir que ao longo dos anos foi possível fazer alguma intervenção meritória no âmbito das questões básicas, mas está ainda por cumprir o principal desígnio associado ao conforto e à qualidade de vida, aspectos que constituem uma natural expectativa das populações.
Se nos déssemos ao trabalho de inventariar as estruturas que uma cidade moderna e desenvolvida não pode deixar de ter, e se, em seguida, hierarquizássemos a sua importância, estaríamos em condições de definir uma agenda para o futuro de Santarém. Considerando as actuais pré-existências, aferindo as suas potencialidades e as suas capacidades, de acordo com o estado em que se encontram no presente, teríamos meio caminho andado para chegar à solução dos nossos problemas e das nossas inquietações.
Uma cidade onde apeteça viver tem de juntar equilibradamente as estruturas de que dispõe ao uso / utilização que lhes dê, pois, uma coisa sem a outra não resolve nada.
No quadro do acordo supra-partidário formalizado entre os autarcas social-democratas e socialistas na Câmara Municipal de Santarém no anterior mandato assumiram-se diversos objectivos de louvável alcance, designadamente aqueles que têm que ver com a aposta na valorização de equipamentos culturais e desportivos e na requalificação de alguns espaços da cidade, entre os quais o Campo Infante da Câmara. Identificar estas prioridades em acordo estratégico foi muito importante, porém, o que ficou por provar é se o consenso quanto a algumas medidas concretas tem actualmente condições políticas que as permitam levar por diante e se há recursos para as realizar.
O caminho faz-se caminhando e não duvido que os nossos Autarcas, os anteriores e os quer foram eleitos no último acto eleitoral, são pessoas sérias e bem intencionadas, que saberão pôr os interesses do Concelho acima dos seus interesses particulares e das suas tácticas partidárias, no entanto, mandaria a prudência que se estabelecessem metas e se definisse um cronograma de intervenção, ao qual todos se obrigassem, mesmo para além do ciclo do actual mandato, para que um dia destes não se comece a desvirtuar o espírito nobre do acordo e se deite fora o bebé com a água do banho!
