Em cada provérbio podemos aferir a pertinência das observações populares sobre os mais diversos aspectos que constituíam a mundividência das comunidades rurais, sendo que, compreensivelmente, os temas mais abundantemente referidos se prendem com a agricultura e com a meteorologia.
Sem os conhecimentos teóricos que hoje estão acessíveis a qualquer agricultor medianamente informado, os camponeses de antigamente tinham de se apoiar na sabedoria que lhes tinha sido transmitida empiricamente pelos seus antepassados. Porém, o que constatamos é que na maioria dos casos os ensinamentos extraídos dos adágios populares coincidem com aquilo que a ciência agrária veio consagrar, mau grado que, na actualidade, as novas tecnologias tenham um impacto muito significativo sobre a prática agrícola.
Outrora, sem o recurso às alfaias mecanizadas, o trabalho das cavas, das mondas, das ceifas, da vindima ou da apanha da azeitona ocupava um período de tempo muito longo, comparado com o rendimento que se consegue obter na actualidade. O trabalho que antigamente era possível fazer com uma tralhoada durante uma semana faz-se agora em pouco mais de meio dia com um moderno tractor. A monda de uma seara de três ou quatro hectares feita outrora por um rancho de oito ou dez mulheres demorava algumas semanas, enquanto hoje, através de meios aéreos e com a aplicação de produtos químicos, se faz em poucas horas. Enfim, a vida rural de há três ou quatro gerações atrás comparada com a de agora é como a noite e o dia. A bem dizer nem tem comparação possível… Mas, o que não deixa de ser verdade é que todos os campos estavam amanhados e havia milhares de trabalhadores ao serviço da agricultura, embora, lamentavelmente, fossem muito explorados, quer na duração de cada dia de trabalho, de sol a sol, quer no valor miserável das jornas que lhes eram pagas.
Sem lugar a quaisquer direitos sociais… Para que as coisas corressem bem, sem atrasos, era bom que no mês de Março tivessem lugar as sachas e as mondas, o que era sinal de que os meses anteriores tinham permitido fazer as podas, as cavas e as sementeiras. Por isso o mês de Março era muito exigente em termos de trabalho, não havendo tempo para descanso. Lá o alerta o rifão segundo o qual “Em Março, tanto durmo como faço”, o que quer dizer que neste mês o tempo dedicado ao trabalho deveria ser tanto como o tempo em que se descansava. As podas, seja das oliveiras ou das videiras, deve ocorrer durante o inverno, sendo que em muitos casos, quando havia muito para podar e poucos homens para fazer este trabalho, que exige um certo conhecimento técnico, se iniciava a poda ainda em finais de Novembro, mas “Podar em Março é ser madraço”, o que não abona nada a favor dos camponeses que chegados a este mês ainda não tivessem acabado a poda. Para mais, “Quem não poda até Março, vindima no regaço”, o que adverte para a reduzida produção de quem não tiver feito a poda no tempo certo. Ora, podar nesta época não vai beneficiar a planta ou a árvore e, para além disso, ainda corre o risco de desbastar ramos que poderiam frutificar.
Eis outro ditado popular que confirma este judicioso aviso: “Poda-me em Janeiro, empa-me em Março e verás o que te faço”. Assim, o calendário agrícola estará certo, pois, se as podas tiverem sido feitas em Janeiro, em Março já as videiras estão boas para a empa, pelo que, se não houverem outros contratempos, a produção poderá ser farta. A poda deve ser efectuada durante o inverno, antes de as plantas ou árvores renascerem, o que acontece na primavera quando a seiva circula com mais vigor. Durante a apanha da azeitona já os homens iam “arreando” as oliveiras, isto é, iam serrando alguns ramos que supostamente deveriam ser cortados na poda, facilitando, assim, o trabalho da apanha da azeitona.
Em Março os camponeses agradeciam algumas chuvas, mas que não ocorressem com tanta abundância que em vez de ajudar só prejudicassem. Assim o confirma este provérbio: “Inverno de Março e seca de Abril deixam o lavrador a pedir”. Se a natureza satisfizesse os desejos dos camponeses, o ideal seria “Sol na eira e chuva no nabal”, mas como tal não é possível – felizmente! – o que se pede, ao menos, é que as chuvas de Março e de Abril ocorram em pequenas quantidades, mas vários dias em cada mês. Em jeito de rega! Ou, então, como o preceitua este tão conhecido ditado popular: Março, marçagão, manhã de inverno, tarde de verão”. Assim, já não seria mal de todo…
Ludgero Mendes