Os Malefícios do Tabaco, monólogo de Tchecov. Um homem sobe ao palco, a pedido da esposa, que o convenceu a falar sobre os malefícios do tabaco. O homem, sem interesse pelo que está ali a fazer, acaba por falar sobre tudo menos tabaco.
O discurso sobre os malefícios do diesel são do género. Falam-nos de tudo, menos do que fazer com o que substitui o diesel. Pesem embora os reais malefícios do tabaco, os benefícios, mesmo que imaginários, nunca permitiram a sua substituição. O diesel está numa posição mais exposta à condenação como inimigo público do que o tabaco.
Os malefícios dos automóveis a diesel em termos ambientais e de saúde permitem classificá-lo como uma das principais ameaças à vida no planeta? Existem provas de que o substituto do motor diesel (as pilhas/baterias) para transporte individual elimina a carga poluidora daquele? Assistimos à rápida obsolescência do motor diesel tal como o conhecemos. Mas ainda não conhecemos o impacto do seu substituto para o transporte individual de passageiros em zonas infraestruturadas. Garantem-nos que o diesel será substituído dentro de poucos anos. Só existe uma certeza: a substituição beneficiará os velhos interesses que fizeram fortuna com o motor de combustão. Irão fazer fortuna com a sua substituição. Sem nos falarem dos malefícios nem do tabaco, nem do seu substituto. Nem da poluição resultante do ciclo de fabrico das baterias, é evidente O problema está neste desconhecimento: o que fazer com o que acaba e que fazer com o que aí vem.
Desmantelar o sistema de transporte baseado em motores de combustão interna pode ser bom para o ambiente – dizem-nos. Menos emissões causadoras de efeito de estufa e de aquecimento global. Será? A questão começa aí. A substituição dos motores de combustão interna por eléctricos levanta a questão das baterias, que representam cerca de 40% do valor do veículo. A questão nem é o preço. As questões são várias, aliás, que energia é necessário gastar para produzir uma bateria? As energias renováveis são suficientes para produzir essas energias desde a extracção dos minérios raros à sua transformação em reagentes produtores de energia? Qual o impacto ambiental da extracção e da transformação desses minerais, entre eles o muito publicitado lítio? A humanidade viveu no século XX duas experiências decisivas na área da energia. Apresentadas como factores de modernidade, de progresso e de felicidade dos povos. A primeira, a do motor de combustão interna, que substituiu o carvão motor da revolução industrial, a segunda, a da energia atómica.
Os fazedores de opinião – sempre, como hoje, ao serviço dos grandes interesses económicos – venderam a utopia da energia popular, democrática e barata. Ia tudo andar de pópó e de avião, aquecer as casas, arrefecer as arcas de conservação dos alimentos, mover máquinas agrícolas para acabar com a fome e a sede. O petróleo e o átomo iriam sustentar a utopia da paz e do bem- estar. Ninguém falou, ou advertiu, dos malefícios do tabaco, isto é, dos malefícios da poluição dos plásticos e da queima dos fósseis, dos malefícios das bombas atómicas e das centrais nucleares.
Ninguém falou das consequências. Dos oceanos de plástico que não se dissolvem, dos átomos que se mantêm radioativos por séculos, do lixo nuclear. O que fazer dos malefícios dos combustíveis fósseis e dos combustíveis radioactivos, de fissão do núcleo dos átomos? Vamos substituir os motores a gasolina e a diesel, os combustíveis fósseis. Muito bem. E o que pensam os promotores da substituição quanto ao impacto ambiental da produção das baterias? E quanto aos resíduos das baterias esgotadas?
Há respostas? Exigimos respostas para que os nossos netos não tenham de subir ao palco para reclamarem dos malefícios das energias sujas, as dos motores eléctricos.
Carlos Matos Gomes