O ano termina com uma triste notícia das Nações Unidas que, infelizmente, já não surpreende ninguém. São números aterradores. Se contabilizássemos todos os refugiados e as pessoas deslocadas pelas várias tragédias, encontraríamos uma nação que, em termos populacionais, ocuparia a vigésima primeira posição no mundo. Falamos de 65 milhões de pessoas deslocadas à força. Repita novamente comigo: sessenta e cinco milhões de homens, de mulheres e de crianças desesperados.
São várias as causas destes movimentos em massa que se repetem, ciclicamente, desde que o homem é homem. Falamos da procura de novas oportunidades, muitas vezes motivada pela fuga aos conflitos armados, à pobreza, à insegurança alimentar, à perseguição, ao terrorismo, e às violações básicas dos direitos humanos. Infelizmente para a nossa condição humana, estes movimentos também se devem aos efeitos nocivos das alterações climáticas, aos desastres naturais (que em muitos casos se relacionam com as próprias alterações climáticas) e de muitos outros fatores ambientais. Encontramos, por isso, na génese destes deslocamentos em massa motivações políticas, económicas, sociais, de desenvolvimento, humanitárias e de direitos humanos que transcendem todas as fronteiras. É um fenómeno transversal que carece de uma abordagem global por parte de todos os países porque, na verdade, estes homens, mulheres e crianças enfrentam o desespero. São rostos que expressam a brusquidão e o caráter imprevisível dos sonhos. Rostos desesperados devido à dimensão dos riscos envolvidos. Riscos para a sua própria vida, por serem frequentemente obrigados a usarem redes complexas, mas bem organizadas, de tráfico humano, tornando-se, muitas vezes, reféns dessas mesmas redes, na expetativa de chegarem a um destino cuja certeza é paradoxalmente a própria incerteza.
No ano em que se celebram os 70 anos da adoção da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e atentos à particular vulnerabilidade das mulheres e das crianças que participam nestes fenómenos migratórios, importa combater o clima de excessiva confrontação, de divisão e de hostilidade que têm marcado os discursos e as atitudes cada vez mais endurecidos e xenófobos de muitos governantes, que fazem da verdade um verdadeiro frangalho, explorando o seu sofrimento, o seu horror e a sua miséria em nome de uma qualquer outra superioridade moral. Contrariarmos esta tendência, é lutarmos contra a discriminação e contra a exploração sexual, física e psicológica e ainda contra outras formas de escravidão mais contemporâneas. Só assim será possível continuarmos a nascer livres e iguais em dignidade e em direitos, independentemente da nossa raça, cor, credo, género, condição social ou política. Este é o legado de uma geração que há 70 anos se esforçou na valorização da importância da vida. Cumpre-nos manter empunhados os estandartes da liberdade democrática e da agenda ambiental sob pena de erguermos uma lápide às multidões anónimas do nosso tempo. Mantermo-nos em silêncio, é ficarmos do lado de Fora da Caixa.