José Manuel Vieira Rodrigues, presidente da Direcção do Centro Dramático Bernardo Santareno

O Dia Mundial do Teatro (DMT) comemora-se desde 1961, a 27 de Março, evento criado então pelo Instituto Internacional de Teatro. É tradicionalmente o dia em que se homenageiam o Teatro, a obra dramatúrgica universal com os seus autores e todos os intervenientes que o fazem acontecer, sem excepções, presentes ou já não.

A leitura da mensagem do DMT é sempre um momento obrigatório neste dia de festa. Ao contrário de muitos outros dias comemorativos, onde se proporciona uma pausa na actividade, no DMT é costume as companhias e associações abrirem os seus Teatros e representarem as suas peças ou actividades específicas para esse dia de forma gratuita, homenageando também deste modo quem é imprescindível à consumação do acto teatral, o público. Idealmente o DMT costuma ocorrer deste modo ou de tantos outros que a criatividade permita. Não tem de haver uma receita, julgo, desde que o Teatro e as suas gentes possam estar presentes na nossa vida, para muitos, pelo menos nesse dia.

Claro que nem sempre estão reunidas as condições ideais e necessárias para que tal possa acontecer, variando estas com os contextos logísticos e particulares de cada comunidade. Nem toda a gente usufrui de um espaço teatral, ou programou a sua acção para uma apresentação pública neste dia, ou por tantas outras razões, pelo que, também é usual as associações programarem actividades conjuntas, usufruindo da “casa” mais disponível e vá de fazer a festa.

Esta foi uma forma de comemorar o DMT que durante muitos anos foi adoptada em Santarém, tendo como palco, os palcos disponíveis cá na cidade. A rua, as escolas, outras associações culturais, com os carolas ou com um apoio mais institucional da autarquia, na cidade ou no concelho, foram tantas vezes o palco e os dinamizadores do DMT. Assim acontecia a festa do Teatro, que aqui em Santarém, coincide com o aniversário da Centro Dramático Bernardo Santareno, 31 anos, e da Companhia Teatral Cena Aberta (até um dia Xana Baptista).

Há uns anos para cá esta lógica tem vindo a perder-se, apesar de algumas ilhas de resistência, que alguns de nós têm teimado em continuar. Bem hajam e que continuem. Este ano num contexto pandémico não se oferecem condições para que se comemore o DMT publicamente, pois ficaremos todos a festejar em particular, partilhando as melhores mensagens, as memórias, os votos para que tudo fique melhor, a divulgação da mensagem do DMT, enfim tudo o que nos for possível e que a imaginação nos permita e que a “santa” Internet nos conceda.

É uma realidade incontornável que o paradigma da comunicação se transformou com o uso generalizado das novas tecnologias digitais. Não há volta a dar. Nas condições actuais que impossibilitam o presencial na grande maioria dos eventos públicos, principalmente os de âmbito cultural como o Teatro, a apresentação de espectáculos online está a ser uma alternativa cada vez mais usada por muitas companhias teatrais, nomeadamente as de maior renome nacional. Diria, antes isto que nada. Assim continuamos a usufruir das produções artísticas, os trabalhadores da cultura (alguns) vão conseguindo manter os seus empregos, mascarando a crise na medida do possível.

Não querendo ser muito pessimista, o que não é fácil perante as dificuldades de tantos profissionais das artes performativas, não acredito que esta modalidade digital possa substituir a presença do público nas salas de espectáculo, ou que pelo menos para já, se possa anunciar como uma nova maneira de se fazer teatro. Até que a utilização dos novos recursos digitais na produção e divulgação de eventos culturais é um dado mais que adquirido e recorrente, pelo que, creio que nos tempos normalizados mais próximos, possa ser perfeitamente viável a coexistência das duas linguagens. Um espectáculo poderá ter as duas versões para apresentação presencial e virtual, o que permitirá ao espectador mais afastado dos grandes palcos poder usufruir da produção artística. Por outro lado, não poderá ser esta uma forma de captar outros públicos, nomeadamente os que hoje pautam as suas vidas no universo digital? Não se diz que é uma pena que a televisão não passe mais teatro? Para o espectador são formas de comunicação semelhantes, indirectas.

Pessoalmente continuo a privilegiar o Teatro presencial, a proximidade do palco, da acção, respirando o mesmo ar dos actores, confirmando a finalidade da representação do texto dramático, homenageando com a minha presença o trabalho criativo da representação tão trabalhosamente cuidada por um conjunto de gente, que tem no sangue e na alma a arte do palco. Vamos por aí, por favor, porque me sinto tão “miseravelmente analógico”.

O DMT também pode ser um momento propício para falarmos de Teatro, principalmente sobre os problemas que desde sempre lhe estão associados. A incerteza dos apoios, o reconhecimento mais que justo do estatuto profissional e social dos trabalhadores da cultura, conceder aos dramaturgos nacionais um espaço digno para a sua divulgação e representatividade nos currículos nacionais do ensino, promover realmente a educação artística que não só por decreto. Veja-se só a título de exemplo o recente centenário de Bernardo Santareno, tão justa e amplamente comemorado em Santarém e a espaços a nível nacional.

Não se corre o risco de esperarmos mais uns não sei quantos anos para voltarmos a falar da sua obra e de fazer Santareno? E as actividades amadoras, o associativismo, será que não merecem uma discussão pública e franca sobre a sua importância social e função cultural nas comunidades locais. Os apoios à produção são fundamentais, como o pão para a boca, a malta não tem outros rendimentos (a não ser os próprios), mas será este o principal e exclusivo apoio que precisam para se manter a fazer o que amam? Acredito nesta ideia tão simples, uma prática concertada e mais participativa no calendário anual de eventos culturais de uma autarquia, de modo a ter-se uma percepção atempada dos momentos “livres” da programação anual, sem prejudicar a planificação mais robusta e também ela imprescindível, ajudaria a que cada associação, na sua modalidade artística, pudesse organizar a sua programação objectivando metas e datas concretizáveis para orientar os trabalhos de cada ano.

As associações amadoras criavam assim as suas rotinas e lógicas de programação, pois saberiam de antemão, em concreto, com o quê e quando contar. Vem aí mais um DMT, com o CDBS já lá vão 31 anos.

Quero dar um grande Bem Haja e um obrigado a todas e todas os que fazem ou fizeram Teatro nesta cidade, neste concelho, por esse mundo e homenagear todos os “teatreiros” que já não estão entre nós.

Obrigado. VIVA O TEATRO!

Texto publicado originalmente na edição impressa do Jornal Correio do Ribatejo de 26 de Março de 2021.

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