O Jornal Correio do Ribatejo lançou na sexta-feira, 3 de Julho, uma Edição Comemorativa de Homenagem e Reconhecimento ao seu antigo colaborador, Joaquim Veríssimo Serrão, que hoje, dia 8 de Julho, completa 95 anos de vida.
Colaborador de mérito e ilustre escalabitano, Joaquim Veríssimo Serrão, cuja vasta obra de investigação não está desligada do entendimento da História como encruzilhada do saber humano, sempre nutriu um profundo amor à terra, às suas gentes e ao conhecimento.
Nesta Edição, foram muitos os amigos, familiares e académicos que se quiseram associar à Homenagem que este jornal presta ao eterno professor de Santarém.
Maria de Fátima Reis, professora Associada com Agregação da Faculdade de Letras de Lisboa e secretária-geral da Academia Portuguesa da História, foi aluna de Joaquim Veríssimo Serrão e a amizade perdurou ao longo dos anos.
“Aplaudir um Amigo muito querido, pelo seu 95.º aniversário, falar das suas qualidades e expressar uma vez mais o meu afecto e admiração, não será excessivo. Nas muitas horas de conversa, na sua Santarém, aquando do meu doutoramento, firmou-se uma profunda Amizade, em que iam desfilando histórias na primeira pessoa, de que guardo memórias de momentos prazerosos. Na sua Biblioteca, bálsamo e partilha para os amigos, a conversa, só interrompida para buscar na estante um livro de sugestivo caminho, sempre foi sincera, sem artifícios, transparente nos significados e certeira nas críticas e sugestões”, recorda a investigadora.
Joaquim Veríssimo Serrão influenciou várias gerações de historiadores, como é o caso de Pedro Miranda Albuquerque: licenciado em História e em História da Arte, assume que o seu interesse por estas disciplinas lhe foi despertado pelos livros que a mãe tinha na estante de sua casa.
“Creio que foi por eles que me apaixonei pela disciplina da História; creio que neles, e na leitura que deles fiz me apercebi do interesse do estudo da História, fazendo assim a escolha que haveria de selar o meu futuro profissional enquanto licenciado em Ciências Históricas e em História da Arte”, revela Pedro Miranda Albuquerque.
Mas não foi só no meio académico que Joaquim Veríssimo Serrão deixou a sua marca. Colaborador de longa data do jornal Correio do Ribatejo – publicação da qual chegou a ser ‘Director de Verão’ – o percurso de Joaquim Veríssimo Serrão “evidenciou-se pela disponibilidade, pelo empenho, pelo entusiasmo e, ainda, pela frontalidade que marcaram, em todas as circunstâncias, o homem e o intelectual. Constituíram as características mais relevantes de uma conduta cultural e de uma opção cívica. Colocou sempre numa hierarquia de prioridades Santarém e o Ribatejo”, como afirma o jornalista António Valdemar.
“A história do Correio do Ribatejo, a partir da década de 40 do século passado, contou com o assíduo contributo de Joaquim Veríssimo Serrão. Era ainda estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra quando começou a ser um dos colaboradores mais assíduos de Vergílio Arruda filho do fundador do jornal e seu continuador durante 50 anos.
O estudo, a investigação, o magistério universitário, a direcção do Centro Cultural Gulbenkian de Paris e a presidência da Academia Portuguesa da História preencheram, uma extensa carreira que desempenhou em Portugal e no estrangeiro”, lembra ainda o jornalista, investigador, sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa.
Cidadão do mundo, dirigiu o Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, mas nunca esqueceu as suas raízes e privilegiou sempre a História de Santarém e a Memória do Ribatejo.
Um aspecto bem vincado pela investigadora Teresa Lopes Moreira: “Ensaio Histórico sobre o Significado e Valor da Tomada de Santarém aos Mouros em 1147”, foi o seu primeiro estudo histórico, publicado em Abril de 1947, composto e impresso na Tipografia Silva, de Santarém, financiado pelo pai Joaquim Vicente Serrão e inserido nas festividades do oitavo centenário da tomada de Santarém aos mouros. O conterrâneo Francisco Rebelo Gonçalves prefaciou a obra reconhecendo ao autor juventude e entusiasmo e profetizou que “se Joaquim Serrão prosseguir, como é de esperar e desejar, nos estudos históricos portugueses, para os quais lhe não faltam inteligência, capacidade de trabalhar e boa formação universitária, poderá um dia orgulhar-se de ter começado pela própria terra natal”.
Uma quase profecia que veio a concretizar-se em pleno. O antropólogo Aurélio Lopes não tem dúvidas que Joaquim Veríssimo Serrão é “uma das maiores figuras de sempre” de Santarém.
“Alguém que tendo virtudes e defeitos como todos nós, alcançou os mais elevados méritos nacionais e internacionais enquanto historiador e investigador e manteve sempre, por Santarém, uma inequívoca e manifesta devoção”, afirma.
Na geografia da sua vida, Veríssimo Serrão é, para a família, um esteio e exemplo: “O Avô Quim, chega a esta idade, com uma vida preenchida, com uma obra polémica, mas gigantesca, e sobretudo com uma honestidade e seriedade indiscutíveis, de que muito me orgulho”, diz o neto Diogo.
Um sentimento partilhado também pela outra neta, Leonor, que, nesta Edição do Correio do Ribatejo, revela alguma da correspondência inédita que trocou com o avô.
“Recordo, com saudade, os nossos encontros naquela a que te referias como a “Casa do Salmeirim” ou “Casa dos Pinheiros”, que foste construindo ao longo dos anos, com muito gosto, amor e carinho, fruto do trabalho a que te foste dedicando com gigantesca metodologia, coerência, seriedade e honestidade, enquanto a saúde to permitiu. Aquele local onde, escreveste-me tu numa carta, “me sinto bem – nesta paz de espírito, neste constante diálogo com a natureza” [carta de 06/05/1995].”, escreve Leonor Serrão.
O filho, Vítor Serrão, que lhe seguiu as pisadas, enaltece “os grandes valores que sempre nortearam a sua existência: a capacidade formidável de trabalho na investigação e na escrita, a generosidade de partilha de saberes com colegas, alunos, orientandos e todos os que lhe solicitavam pistas de investigação, e a coerência por princípios de dignificação da cultura a que manteve fidelidade impoluta. Não é pouco para encher uma vida”, afirma.
Uma generosidade que ficou bem patente quando o ilustre Historiador doou a Santarém a sua Biblioteca Particular com mais de 35 000 obras, livros e separatas, fontes de investigação que utilizou ao longo da sua carreira de professor universitário e investigador, bem como os ficheiros usados nas suas investigações e diplomas que recebeu ao longo da vida.
A doação contemplou ainda noventa caixas com documentação manuscrita enviada, quadros, telas, condecorações, moedas e ficheiros que também fazem parte da sua biblioteca pessoal.
Foi sobre este fundo documental, “as suas alfaias” de historiador que foi erguido o Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, inaugurado oficialmente a 25 de Maio de 2012.
Joaquim Veríssimo Serrão declarou ser sua intenção, com esta doação, “agradecer à terra da sua naturalidade todo o carinho e apoio que dela recebeu ao longo da vida”, desejando que sirva para “fortalecer os laços espirituais que se criaram entre o doador e a terra que lhe serviu de berço”.
O director do centro de investigação é o também historiador scalabitano Martinho Vicente Rodrigues, que criou naquele espaço “uma oficina de trabalho criativo de novas linhas críticas do pensamento e da investigação”, incentivando “um salutar intercâmbio entre investigadores”.
“Hoje, tenho de há muitos anos a imagem na minha memória, do Senhor Professor no Salmeirim. Nesse Salmeirim, onde escrevia a sua História de Portugal, procurava o trilho de vidas e pessoas de há centenas de anos, fruto da análise dos diferentes níveis da complexa realidade histórica de cada época, apoiado no seu ficheiro de milhares de fichas e na sua Biblioteca que ultrapassava os quarenta mil livros, pouso obrigatório para tantos dos seus alunos. Tinha um olhar atento sobre os problemas reais, cheio de esperança no Mundo, sempre com a preocupação da valorização do Homem, na sua condição terrestre, longe de encerrar o ciclo de uma formação excepcional. Adepto de nada deixar de fora, tudo analisar, tudo procurar compreender, um esforço permanente de aproximação à verdade”, conclui Martinho Vicente Rodrigues.
Joaquim Veríssimo Serrão é, nas palavras do presidente da autarquia, “um dos filhos mais ilustres de Santarém”, cujo exemplo de vida perdurará “pelos séculos vindouros”.
“Para além da carreira ímpar, o Senhor Professor Joaquim Veríssimo Serrão enquanto ser humano é igualmente uma referência, uma pessoa de rigor, de paixão, de proximidade, de atenção ao outro, com uma sensibilidade extraordinária para com o outro. Ao rigor e dedicação, associou sempre a atitude crítica e o empenhamento cívico que sempre manteve na defesa das suas convicções e dos seus valores pessoais.”
Qualidades que os amigos, como Ludgero Mendes, lhe reconhecem: “O Professor Veríssimo Serrão não cultivava amizades por quaisquer interesses colaterais ou oportunistas, bem pelo contrário, fazendo questão de estar mais próximo dos seus Amigos quando estes, por qualquer razão, atravessavam períodos de algum desconforto ou constrangimento”.
Professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, agora aposentado, Veríssimo Serrão foi reitor da Universidade de Lisboa de 1973 a 1974, ano em que foi exonerado a seu pedido, e presidiu à Academia Portuguesa da História entre 1975 e 2006, tendo recebido os prémios Alexandre Herculano (1954), D. João II (1965) e Príncipe das Astúrias de Ciências Sociais (1995).