Ardem anualmente, em Portugal, cerca de 100 mil hectares de floresta. Volvida a época de incêndios as florestas portuguesas são esquecidas. Para quebrar este ciclo, a AMI desenvolve através do projecto Ecoética acções de reflorestação em todo o território nacional, utilizando espécies autóctones mais resistentes ao fogo.
Esta iniciativa reabilita terrenos devolutos, ardidos ou degradados, localizados em todo o território nacional, em parceria com associações florestais e câmaras municipais e com o financiamento e envolvimento de empresas e de cidadãos, através da plantação de árvores autóctones e da promoção de acções de conservação diversas.
Através da Ecoética já foram intervencionados 200.000 m2 de terrenos florestais, o que corresponde a um total de 20.000 árvores plantadas e monitorizadas.
Gonçalo Santos, natural de Santarém, director do Departamento de Ambiente da Fundação de Assistência Médica Internacional, dá-nos conta deste projecto, lançado há oito anos e que intervém também no sentido de mitigar as consequências dos incêndios, actuando quer preventivamente, quer também activamente na requalificação de zonas ardidas.

Gonçalo Santos

Qual é o grande propósito do projecto Ecoética?
Começo por fazer um enquadramento do que tem sido o trabalho da AMI na área do ambiente desde 1996. Fomos pioneiros no conceito de poder contribuir para causas humanitárias e sociais através da entrega de resíduos para reciclagem, refiro-me concretamente ao nosso projecto de recolha e posterior reciclagem de radiografias. Esta abordagem permitiu a todos contribuir para uma causa sem qualquer custo financeiro.
Posteriormente, e com o objectivo de promover a adopção de comportamentos responsáveis por parte de todos os cidadãos, a AMI estendeu a sua acção ambiental a outras fileiras de resíduos, dando origem a novos projectos, tais como: recolha de óleos alimentares usados e posterior conversão em biodiesel; projecto de recolha e reutilização de tinteiros, toners e telemóveis; e reciclagem de resíduos eléctricos e electrónicos. Envolvemo-nos em projectos de reutilização de plástico para fabrico de mobiliário urbano, estamos comprometidos com a vertente das energias renováveis, não só a nível nacional como também na Guiné-Bissau (onde está sediado um dos nossos projectos internacionais), e instalámos parques fotovoltaicos e solar-térmicos, que nos permitem não só ser micro-produtores de energia como aquecer a água e as instalações do nosso abrigo nocturno do Porto.
Mais recentemente lançámos o projecto “No Planet-B” (https://ami.org.pt/missao/there-isnt-planet-b/).
O projecto Ecoética enquadra-se na vertente de conservação da natureza. Desde o seu início, em 2011, este projecto já permitiu a reabilitação e reflorestação de mais de 200.000 m2 de terrenos, o que corresponde a um total de 20.000 árvores plantadas e monitorizadas.
Começou por ser um projecto exclusivamente de reflorestação. No entanto, e perante o flagelo dos incêndios de 2017, a AMI decidiu redireccionar o projecto para mitigar as consequências dos incêndios, actuando quer preventivamente, quer também activamente na requalificação de zonas ardidas.
Assim, o projecto Ecoética Pós Incêndios para o qual foi criado um Fundo, tem como grande finalidade a reabilitação de terrenos ardidos localizados em todo o território nacional. Os terrenos são públicos ou de gestão pública e as acções são de carácter exclusivamente conservacionista, sem qualquer objectivo comercial.

Como surgiu e em que moldes se realiza?
Sentimos a necessidade de nos envolver com questões mais directamente relacionadas com a natureza e contribuir de forma mais activa para a preservação da floresta portuguesa e para o combate às alterações climáticas. À data, em 2011, a nossa equipa estava bem ciente da realidade florestal do país. O abandono e má gestão dos terrenos era e ainda é, uma preocupação para a AMI, não só por questões directamente relacionadas com o presente mas também de olhos postos no futuro. Nunca deixámos de lado, por exemplo, as nossas preocupações com o resgate e fixação de carbono atmosférico. A sustentabilidade sempre foi uma das nossas linhas orientadoras.
Gostava de reforçar que este projecto não tem qualquer objectivo comercial, tem um carácter exclusivamente conservacionista. Foi desenhado por forma a fortalecer a relação entre os participantes e os terrenos intervencionados. Todos os terrenos são geo-referenciados, sendo as coordenadas geográficas cedidas a quem nos quer apoiar, permitindo com rigor e clareza aos participantes acompanhar a evolução da reflorestação do terreno.
Sempre que detectamos uma zona “castigada” pelos incêndios, entramos em contacto com as autarquias e tentamos avaliar as necessidades locais. Depois de cumpridas as formalidades burocráticas, entramos no terreno com o nosso parceiro florestal e damos início às várias fases da nossa intervenção que começa pela limpeza dos terrenos, na maioria dos casos com recurso a máquinas de rasto, até à fase final de acompanhamento, monitorização e avaliação do sucesso das plantações.

Qual foi a primeira acção levada a cabo?
Nesta vertente do projecto mais direccionada para os incêndios, a primeira acção foi na encosta norte da Serra da Estrela, na Freguesia de Folgosinho, em Gouveia. Intervencionámos 3 hectares de terreno, removemos as cinzas e inertes, construímos barreiras de fixação de matéria orgânica, fizemos hidro-sementeira e plantámos mais de 3.000 árvores, a maioria delas com recurso a drones, uma metodologia pioneira em Portugal, sem os quais seria muito complicado aceder a locais de relevo muito acentuado. Ainda assim, estiveram mais de 100 pessoas envolvidas nesta iniciativa.
Decidimos começar nesta zona do país, não só por ter sido uma das zonas mais afectadas pelos incêndios, mas também por ser próximo desta zona que nascem dois dos rios mais importantes do país, o Zêzere e o Mondego, que abastecem cerca de 40% da população portuguesa.

O que está planeado para os tempos mais próximos?
A próxima intervenção será realizada em Monchique, em Novembro, estando prevista a reabilitação de 20.000 m2 de terreno deflagrado pelos incêndios de 2018. Está prevista a plantação de 2.000 árvores.

O que distingue este projecto é o método – inédito em Portugal – a que a AMI recorreu para a reflorestação, com o uso de drones. Como surgiu esta ideia?
Já temos experiência e conhecimento logísticos suficientes para perceber e concluir que um drone consegue optimizar os nossos recursos e cobrir de forma mais efectiva e homogénea a área em que nos propomos intervir. Enviar pessoas e respectivos equipamentos por caminhos com inclinações em alguns casos superiores a 60%, não só é pouco rentável como sobretudo imprudente. Estamos atentos ao que se faz noutros países e decidimos usar este método no nosso projecto. Por outro lado, a poupança que conseguimos usando este método, permite-nos investir e reforçar o número de sementes que usamos e ter um “banco de sementes” para reforço local. Com efeito, sabemos que, no primeiro ano, cerca de 30% das sementes plantadas não “sobrevive”. Conseguimos desta forma níveis de sucesso mais elevados.

Como se processa este método?
Os drones lançam bolas compostas por sementes e matéria orgânica. Depois de largadas, essas bolas (“seed balls”) permanecem no solo e a matéria orgânica que as compõe é a suficiente para que as sementes consigam manter-se estáveis até se tornarem autónomas.
Trabalhamos com drones que funcionam aos pares. Um deles voa a altitude superior e transmite informação ao drone de altitude inferior, que transporta e larga as sementes. Este está constantemente a receber indicações sobre onde deve largar sementes, que distâncias deve obedecer, número de “seed balls” por metro quadrado, etc.

Porquê reflorestar com espécies autóctones?
É muito importante não descurar este aspecto. As espécies autóctones são mais resistentes e bem-adaptadas às nossas condições climáticas, temperatura, humidade, pois são espécies com necessidades hídricas mais reduzidas. O que muitos desconhecem é que mesmo no momento do combate aos incêndios, estas espécies (autóctones) em combustão geram temperaturas entre os 400-600ºC, bastante inferiores às do pinheiro e eucalipto (cerca de 1000ºC) o que torna possível na maioria das vezes o combate apenas com recurso a água. Com outras espécies, as temperaturas em combustão são tão elevadas que a água se evapora.

Como é que olha para o flagelo dos incêndios que, ano após ano, continua a fustigar o país?
Com bastante tristeza e indignação, embora não surpreendido. Ainda assim, não nos resignamos, embora tenhamos consciência que há muito para fazer não apenas no terreno mas sobretudo na mudança de mentalidades, em muitos sectores.

Como conseguiram financiamento para estas intervenções florestais?
1 m2 = 1€, sendo que a cada 10 m2 é plantada uma árvore autóctone, sendo assegurada a preparação do terreno, plantação correcta e seguimento durante os primeiros anos (30 a 40% das árvores plantadas morrem antes de atingir um ano de plantação, a replantação é assegurada pelo projecto).
No seguimento dos incêndios de 2017 a AMI criou um fundo no valor de 30.000€, para o qual empresas e particulares podem contribuir.

Quem quiser contribuir, como o pode fazer?
Em Monchique, ainda temos terreno para intervencionar. As empresas e particulares que se queiram associar a nós nesta iniciativa, podem obter mais informações em https://ami.org.pt/como-ajudar/ecoetica ou directamente através do departamento de ambiente da fundação AMI (ambiente@ami.org.pt).

Na sua opinião, o ambiente é um vector fundamental de desenvolvimento das sociedades e de bem-estar das populações?
Sem qualquer dúvida. O Homem sempre esteve no centro das suas preocupações da AMI.
Por outro lado, a saúde passa não só pelo bem-estar físico, mas também social e ambiental.
A decisão de intervir no sector do ambiente foi tomada em 2004, após 20 anos de Acção Humanitária e Cooperação para o Desenvolvimento no Mundo e 10 anos de Acção Social em Portugal.
Consideramos que o ambiente é fundamental no desenvolvimento das sociedades e no bem-estar das populações. A defesa do ambiente é uma forma preventiva de actuar sobre as catástrofes humanitárias resultantes da degradação ambiental.

Ecoética – Conheça mais do projecto

Principais benefícios
Aumento da área vegetal em Portugal;
Prevenção dos impactes associados à introdução de espécies invasoras;
Preservação dos solos;
Protecção das reservas de água subterrâneas;
Melhoria da qualidade ambiental das áreas intervencionadas;
Manutenção de áreas de elevado valor conservacionista;
Promoção do turismo rural e de natureza;

Promoção da educação, cidadania e responsabilidade ambiental.
Como se procede a requalificação de uma floresta ardida?

O projecto tem inúmeras fases, sendo que primeiramente é efectuada uma limpeza do terreno com auxílio a meios mecânicos, na qual o mato e os restos ardidos são cortados, triturados e incorporados no solo de forma a alterar o seu teor de matéria orgânica.
Posteriormente, o solo é remexido através da utilização de um tractor para lavrá-lo. A retirada da cinza da superfície facilita a capacidade de infiltração da água e absorção dos produtos orgânicos da limpeza, com capacidade nutritiva para o solo.
A próxima fase centra-se na plantação de espécies arbóreas autóctones adequadas à área intervencionada. As mesmas são definidas tendo em conta a altitude, declive, proximidade de linhas de água, entre outros factores.
Em seguida é feita uma hidro-sementeira de espécies autóctones arbustivas e herbáceas, de forma a reconstruir o mato de cobertura de solo original e diminuir assim a possibilidade de incêndio.
Por fim, é necessário proceder com a manutenção da floresta, pelo que se prevê pelo menos dois cortes anuais.

A próxima intervenção será realizada em Monchique em Novembro, estando prevista a reabilitação de 20.000 m2 de terreno deflagrado pelos incêndios de 2018. 1 m2 = 1€, cada 10 m2 é plantada uma árvore autóctone assegurando preparação do terreno, plantação correcta e seguimento durante os primeiros anos (30 a 40% das árvores plantadas morrem antes de atingir um ano de plantação, a replantação é assegurada pelo projecto).

Leia também...

“No Reino Unido consegui em três anos o que não consegui em Portugal em 20”

João Hipólito é enfermeiro há quase três décadas, duas delas foram passadas…

O amargo Verão dos nossos amigos de quatro patas

Com a chegada do Verão, os corações humanos aquecem com a promessa…

O Homem antes do Herói: “uma pessoa alegre, bem-disposta, franca e com um enorme sentido de humor”

Natércia recorda Fernando Salgueiro Maia.

“É suposto querermos voltar para Portugal para vivermos assim?”

Nídia Pereira, 27 anos, natural de Alpiarça, é designer gráfica há seis…