Cartaxo – 1 de Maio de 2024 – Corrida à Portuguesa. Cavaleiros: Leonardo Hernández e João Ribeiro Telles; Forcados: Amadores do Ribatejo, de Cascais e do Cartaxo; Ganadaria: Eng.º Jorge Carvalho (510, 495, 505, 500, 460 e 505 kgs.); Director de Corrida: Manuel Gama Barros; Médico Veterinário: Dr. José Luís Cruz; Tempo: Ameno, embora instável; Público: 2/3 da lotação da Praça.

Foi nestes termos que há cento e cinquenta anos Brito Aranha comentava a corrida inaugural do tauródromo cartaxense, dando nota da força da tradição taurina nesta região, o que se atestava facilmente pela lotação esgotada e pelas centenas de pessoas que ficaram na rua por não haver mais bilhetes para vender, nem lugares para ocupar.

Desta feita, na primeira corrida celebrativa do 150.º aniversário da praça, que é uma das mais antigas do país e foi construída em apenas doze semanas, segundo o modelo da antiga praça de Badajoz, sobraram bilhetes e lugares, mas ainda assim, atendendo às tão adversas condições atmosféricas, chovendo mesmo para além da hora a que se costuma dizer que “ou carrega ou alivia”, há que felicitar o público porque não deixou de marcar presença e a empresa porque teve a lucidez e a seriedade de não cancelar o festejo, respeitando toureiros e espectadores.

E em boa hora o fez, posto que, à vista, não terá chovido na bilheteira, e na praça muito menos.

Convenhamos que o cartel tinha interesse, pois se há aspectos que os aficionados apreciam são o espírito competitivo e a emoção, e o confronto ibérico entre estes dois categorizados toureiros tinha tudo para dar certo. Os toiros da ganadaria do Eng.º Jorge Carvalho estavam bem-apresentados e cumpriram, oferecendo aos toureiros e aos forcados bastas condições de êxito, que, manda a verdade que se diga, não aproveitaram tanto quanto podiam, talvez por menor compromisso ante toiros tão colaborantes, excepção feita ao último, que sendo, talvez, o menos bravo, transmitiu maior frisson.

Leonardo Hernández, filho do rejoneador homónimo, leva vinte anos de toureio, tendo-se alcandorado a um patamar elevado, pois já regista no seu currículo duas saídas em ombros pela porta grande de “Las Ventas”. Toureiro versátil, dinâmico e alegre Leonardo logrou agradar ao público cartaxense através da sua tauromaquia, que pôde expender facilmente tanto pela qualidade da sua “cuadra”, como pela colaboração dos seus oponentes.

Depois de receber bem os hastados que lhe coube lidar, rodando em circulares vistosas e muito aplaudidas, despachou a ferragem comprida em sortes aliviadas. Com os curtos aprimorou-se mais na escolha dos terrenos e na definição das distâncias, o que lhe permitiu colocar certeira ferragem, nem sempre em reuniões cingidas, mas ainda assim aceitáveis.

Posto que a maioria das suas actuações ocorre frente a toiros “em pontas”, a abordagem no centro da reunião nem sempre consente maior repouso e mais proximidade, algo que é disfarçado pelas batidas ao píton contrário, que empolgam o respeitável, que mesmo antes da colocação do ferro já se entregou ao toureiro. Do mesmo modo atravessamos uma fase em que os toureiros já trazem os números montados de casa e as suas montadas estão “especializadas” na sua execução, independentemente das condições dos seus toiros. Neste caso, até resultaram, pois, os toiros do Eng.º Jorge Carvalho em nada lhe complicaram a vida.

Cumpre registar agradáveis detalhes técnicos e artísticos, que bem justificaram os fartos aplausos do público e as voltas à arena após a lide dos seus três oponentes.

João Ribeiro Telles, filho do conceituado cavaleiro homónimo, é uma figura consolidada entre os seus pares, que leva dentro de si um conceito de toureio muito bem definido, que concilia a ortodoxia marialva, peculiar nos toureiros da Torrinha, e a inspiração estética mais actualizada.

Neste confronto ibérico não se acentuaram quaisquer distinções conceptuais ao nível do toureio, posto que os rejoneadores modernos abandonaram o espírito “campero” dos seus antepassados e adoptaram os pressupostos “mouristas”, o que os aproxima muito do toureio português.

Mas, há sempre pormenores em que se mantêm algumas diferenças… João Ribeiro Telles enfrentou nesta tarde o toiro mais “bravo”, o primeiro do seu lote, e o toiro menos bravo desta boa corrida, o que lidou em último lugar. Mas os seus bastos recursos permitiram-lhe andar bem diante de ambos. Talvez se note um menor compromisso na ferragem comprida, que colocou “en passant”, sem especiais primores técnicos especialmente ao nível dos cites, apostando depois todas as fichas no tércio de bandarilhas.

O marialva da Torrinha rubricou vistosas sortes frontais, apertando nas reuniões, o que lhe permitiu cravar a ferragem curta em sortes mais emotivas e bem desenhadas. Há a registar uma ou outra passagem em falso e aqui e além menor empenho das suas montadas, mas nada de mais, e tudo esquecido quando frente ao último da corrida protagonizou o momento mais empolgante da tarde, endireitando-se com o toiro que investiu brusca e inesperadamente e em pouca distância cravou o ferro que mexeu com o conclave. O momento marcante desta corrida e, claro está, o auge das três lides de João Ribeiro Telles.

Como é habitual, o marialva da Torrinha culminou as suas lides com ferros de apoteose, os violinos e os palmitos, que sempre arrebatam o público que vibra com estes momentos, que, apesar do seu menor grau de dificuldade, surtem muito bom efeito junto do respeitável, que distinguiu o cavaleiro com sonoras e prolongadas ovações.

As pegas destes seis toiros estiveram cometidas a três valorosos Grupos de Forcados: os Amadores do Ribatejo, os de Cascais e os do Cartaxo.

Pelos Amadores do Ribatejo foram solistas André Laranjinha, que consumou pega fácil ao primeiro intento, e Fábio Casinhas, que apenas à terceira tentativa logrou concretizar a sua sorte, por menos eficaz ajuda do Grupo nas anteriores tentativas.

Pelos Amadores de Cascais Afonso Tomás da Cruz consumou vistosa pega ao primeiro intento, com coesa ajuda do Grupo, e o debutante Francisco Pinto acusou alguma verdura nas três primeiras tentativas, consumando à quarta, já em sorte carregada, enaltecendo- se, porém, o constante denodo com que bateu as palmas ao toiro. Pelos Amadores do Cartaxo, Vasco Campino consumou a sua sorte ao segundo intento, com o Grupo a ajudar bem, e José Oliveira concretizou a sua sorte também ao segundo intento, a emendar uma primeira tentativa em que aguentou dura viagem, soçobrando nos derradeiros instantes, saindo da cara do toiro. Com decisão e galhardia repetiu a sorte e consumou de forma irrepreensível.

As quadrilhas dos dois cavaleiros andaram em bom plano, tanto a coadjuvar as lides, sem excesso de intervenções, como na colocação dos toiros para as pegas. Direcção atenta e condescendente do Delegado Técnico da IGAC Manuel Gama Barros, bem assessorado pelo Dr. José Luís Cruz.

Enfim, parafraseando o comentário à corrida inaugural do tauródromo cartaxense, ocorrida em 23 de Agosto de 1874, “a corrida foi boa e agradou!”.

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