Reflectindo sobre a utilização do espaço interior da Igreja de S. João do Alporão em tempos idos, procedemos à busca de documentação já não tanto à busca de documentação sobre a actividade cénica do teatro (essa conhecida na quási totalidade) (1) mas antes como o espaço disponível que que se poderia adaptar a uma estrutura que suportaria os 39 camarotes que o vieram a constituir, bem como a sua configuração.

As buscas intermitentes feitas durante cerca de quatro anos não resultaram em dados positivos. Mesmo em comparação com os teatros da mesma época também se delineavam em Lisboa, não nos facultaram elementos que pudessem aplicar ao espaço ou características do edifício santareno.

Na verdade, tanto o teatro de D. Maria II (2) no topo setentrional da Praça do Rossio, como o de D. Fernando (o 2° marido da Rainha), adaptado ao espaço da Igreja de Santas Justa e Rufina, (no local do actual elevador de Santa Justa) (3) pressupunham dimensões em largura não adaptáveis ao espaço disponível de S. João do Alporão.
Hesitamos em avançar com o trabalho. Tanto mais que á data de (1849) nem os jornais existiam em Santarém, nem os elementos do projecto (alçados e plantas) relacionados com a sua adaptação, se viriam a encontrar.

Os relatos de Maximiano Inácio Gomes, pecam por tardios face ao período de tempo que pretendíamos realizar. Diz-nos, contudo; que o interior do teatro se deveu a um projecto de André de Macedo em 1852, o que não justificaria o início da sua actividade em 1849.

O risco inicial deverá ter sido anterior. Para mais que se tratava de uma obra de carácter particular.

Basta dizer que por breve nota inserida numa publicação de 17 de Março de 1873, temos uma referência relacionada com o teatro de S. João. E, por comparação de um outro que então se edificava e a que seria nome de Teatro de Santarém — mais tarde Rosa Damasceno.
Tornava-se assim difícil de averiguar a sua disposição interna.

Por outro lado não existem hoje sinais claros da adaptação do edifício às suas funções de teatro. Quer nas paredes da Igreja, quer no pavimento, já que as obras de restauro de 1879-1880 os viriam a fazer desaparecer, bem como outras levadas a cabo pela D.G.E.M.N., já como museu na década de 30 do passado século. Restavam-nos contudo ainda alguns indícios que poderíamos explorar quer na iconografia quer na esperança de ainda poder ocorrer alguma informação em recôndita gaveta de um particular, já que de uma obra da sociedade particular se tratava. Insistimos pois na comparação com os outros locais acima referidos. A adaptação do Teatro de D. Maria II ao espaço que fora destinado pelo risco de Carlos Mardel ao espaço do Palácio dos Estaus onde se havia estabelecido a Inquisição e depois a Câmara dos Pares do reino e o Tesouro Público.

Contudo, um incêndio e a consequente demolição do edifício, permitiram a obtenção dum espaço suficientemente amplo para se disporem os camarotes e a plateia, organizando o interior de forma tecnicamente aconselhável e recorrendo aos mais modernos processos.

A solução encontrada para o Teatro de D. Fernando, que teve igualmente dificuldades em se edificar dentro do espaço acanhado que correspondia à velha Igreja de Santas Justa e Rufina (na Rua da Princesa ou de Santa Justa) constava em adaptar quatro ordens de camarotes enquadrando uma plateia com a largura de trinta e oito palmos (8,35 metro), considerando os corredores e os 14 ou 15 lugares corridos.

Foi com perícia que o responsável pela obra, Engenheiro Arnauld Bertin conseguiu ultrapassar alguns defeitos que a forma elíptica adoptada ocasionava na visibilidade da cena em todos os pontos do teatro e na acústica da sala que foi melhorada.

No caso de S. João do Alporão não oferecia um espaço suficiente, nem tinha à disposição dos promotores os suficientes recursos, aliás obtidos por subscrição pública dos sócios que viriam a suprir apenas o indispensável para o seu funcionamento.
Com o compromisso de obrigatoriedade de manter a sua traça exterior o que se repercutia também no proceder no interior passíveis de reverter à forma original.
As modificações ou a proceder à desmontagem das estruturas de madeira sem que tal ocasionasse danos no edifício.

Eram portanto diversas as condições de instalação, já que se tratava da adaptação a um espaço pré-existente às condições impostas que visavam o evitar danos irreversíveis.
As reduzidas dimensões, em especial as de largura, não eram compatíveis com a organização nos interiores fosse efectuada sem contudo deixar o risco duradouro dos demais teatros da época.

Apenas com 6,82 metros de largura haveria de obter outras soluções que efectivamente fosse executada sem contudo deixar risco duradouro.

Atentos às condicionantes — o espaço e a obtenção das necessárias condições acústicas foi, para o primeiro caso obtida por uma forte estrutura de madeira que suportava os 39 camarotes dos subscritores.

A disposição em socalcos permitia uma aceitável visibilidade da cena suprindo as condições acústicas, essas pela rotatividade na ocupação dos camarotes.
Estava aqui o ponto mais fraco da estrutura construída.

Mais um período difícil para Santarém
O gosto pelo teatro não nascia agora em Santarém.

Já se praticava a arte de Talma na velha e fora de uso do claustro dos Agostinhos Calçados (Graça) e da sacristia do Convento de S. Domingos. Não existia contudo um lugar condigno onde fosse possível exibir as peças em carteira.

Havia sido esta urna das primeiras emanações consequentes das mudanças advindas da expansão do iluminismo, do Liberalismo e da maçonaria que tiveram inegável peso na transformação social que se vinha operando desde o século XVII e XVIII.

A França seguia a já consagrada sociedade liberal inglesa e em 1789, banindo o Antigo Regime passa a uma sociedade liberal e capitalista. É na sequência dessa Revolução que toda a Europa sofre um duro golpe nas Monarquias Absolutas.

O vigor e os ideais estabelecem-se e extravasam-se na prática de novo humanismo que trouxe a confrontação e desta a destruição: a peste, a fome e a guerra — os três Cavaleiros do Apocalipse.

As Invasões francesas foram, entre nós, a expressão e o epílogo de cortar com o passado.

No meio da fome e da destruição, do vandalismo, da peste, da guerra que o françês impunha aos indómitos habitantes da nossa terra, os oficiais de Massena não se privavam de escolher para si as melhores condições possíveis na sua estadia entre os “bárbaros” Portugueses, eram forçados a conceder-lhes. Na sua estadia em Santarém, todas as Igrejas estiveram ao seu serviço: como cavalariças, armazéns de géneros, casernas, arrecadações de bens roubados, açougues onde se amontoavam as peles em putrefacção dos animais abatidos, enxovias insalubres e pestilentas que os incêndios ateados saneavam concorrendo para uma visão fantasmagórica de degradação.
Nos anos de 1808 e l809 coube aos poucos habitantes que aqui residiam, o pesado fardo das requisições, alojamento e sustento das tropas napoleónicas.

Em 1810 as tropas de Massena são recebidas em Santarém com a fusilria cerrada dos diminutos habitantes que aqui permaneciam, o que fez com que a guarda-avançada retirasse para as cecanias da Vila. (5)

Todas as casas nobres vieram a ser invadidas e saqueadas e mesmo das que pertenciam a individualidades responsáveis no seu meio, viram retiradas as suas baixelas, talheres, jarros de prata e louças preciosas e todos os utensílios de valor “requisitados” ao serviço do governador ou dos oficiais franceses.

De nada se privavam para satisfação do seu lixo e bem-estar. (6)
Segundo nos diz Mendes Leal (7) reservaram contudo uma das igrejas para teatro — seu entretenimento cultural favorito.
Foi precisamente S. João do Alporão.

O pavor causado pela pressão dominadora do punho de Napoleão esbatia-se na única semente de cultura que entre nós viria a desabrochar tímida e vagarosamente.
O francês deixara pois algum eco emanado do Enciclopedismo precursor da revolução, da “Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão” da vaga e perturbada mente sem freio nem ordem apearam o Trono e elegeram o Homem.

Essa revolução profunda espalhava-se pela Europa. Espalhar-se-ia pelo Mundo.
Por coincidência ou por vontade, não sabemos, pelos ventos do tempo, Santarém vira as suas Academias tão pujantes na Retórica, definharem e desaparecerem.

Toda a semente dá seus frutos. Os valores são mudados. O Tempo é o mestre.
E longe das verdades para consumo, procuravam-se valores para as alicerçar. É a busca eterna da condição humana.

De armazém a teatro
Procurando dar uma utilização mais consentânea com a sua dignidade arquitetónica, em vez de arrecadação de materiais para obras que não as suas, a que se vira remetido após a sua compra aos Bens Nacionais em 1836, em conturbado período político, pensou-se em utilizar a ermida do Alporão como teatro, vindo assim a substituir o pobre palco que no extinto Convento dos Agostinhos Calçados (Graça) fora destruído por um devorador incêndio ateado pelos homens do Conde das Antas nos últimos assomos activos do levantamento da “Patuleia”. Saía ele de Santarém com as suas tropas no dia de Natal do ano de 1846 (Actas da Câmara Municipal de Santarém).
Esta ideia do novo teatro e a escolha do local, feriu a sensibilidade de alguns e serviu de graça para outros que zombavam dessa atitude como desusado e pouco responsável procedimento duma “Comissão de Festas de província”.

Mas o que se referiria a uma atitude ou gesto “provinciano” repetia-se em Coimbra, na “Lusa Atenas” com a igreja de S. Cristóvão.(4)

Não era pois uma coisa “descoucada” decisão duma “Comissão de festas de Província”.
A acção inseria-se num contexto mais alargado em prol da cultura duma burguesia em ascenção e afirmação, fruto das transformações políticas que remodelaram o quadro social do século anterior.

Um local para a arte de Talma
Perdido o teatro que funcionava no claustro do Convento dos Agostinhos Calçados sem outros meios nem local onde actuar, a “Associação Dramática de Curiosos” utilizou temporariamente a sacristia do igualmente profanado Convento de S. Domingos onde uma pleiade de actores amadores “servia” uma burguesia liberal, ávida de representações teatrais. Gerava-se um movimento que viria a reflectir-se na criação da Sociedade do Teatro Particular.

Por pressões feitas junto do Governador Civil de então, Joaquim Augusto Burlamachi Marecos, Visconde da Fonte Boa, cede, sob autorização da Rainha D. Maria II, o edifício do Alporão para ser adaptado ao novo teatro de Santarém.

Em Ofício n° 132, de 6 de Junho de 1849, escrevia o Governador Civil ao Conde de Tomar, Ministro do Reino.

“Existe nesta Vila, que diz a tradição ser obra dos romanos, a qual desde há muito se acha entregue a usos profanos, e actualmente estava sendo desfrutada por pessoa particular para lhe servir para receptáculo de géneros, cal e madeiras. Foi-me pedida para teatro por se haver inutilizado o que existia na Igreja da Graça, em consequência de incêndio que no tempo do Conde das Antas devotou aquele edifício, e vendo eu que esta igreja é um dos monumentos que se devia conservar, devia conceder-lho provisoriamente, com a condição de ficar intacto no seu exterior, que é a sua única beleza, e consertados os telhados que ameaçam ruína, pois que deste modo se consegue a conservação de um edifício respeitável pela sua antiguidade, sem dispêndio para a fazenda, e se presta a um entretenimento saudável à mocidade da Vila, o que é reclamado pela actual civilização, rogo pois a Vª Ex.ª se digne autorizar esta minha reclamação atendendo os justos fins que tive em vistas, Deus guarde Vª Exª.

Santarém 6 de Junho de 1849 — Illust. E Exmo Sr. Ministro da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino — O Governador Civil — Visconde da Fonte Boa”. A 21 de Junho tinha o Visconde da Fonte Boa a resposta nos seguintes termos:
” Ministério do Reino 1.D.1R ri° 190

Sua Majestade a Rainha, sendo-lhe presente o ofício do Governador Civil de Santarém, com data de 6 do corrente, expondo que com o fim de conservar o monumento histórico, sem dispêndio para a Fazenda, a parte exterior de uma igreja, existente naquela Vila e que a tradição diz ser obra dos romanos, concede aquele edifício, já profanado, à Sociedade de um teatro particular, com a condição de ficar intacta a beleza externa do mesmo edifício.

Há por bem Autorizar aquela concessão pelo modo por que foi feita pelo dito Governador Civil, e manda-lhe assim declarar pela Secretaria d’ Estado dos Negócios do Reino para sua inteligência e fins convenientes. Paço das Necessidades em 21 de Junho de 1849
a) Conde de Tomar

Apesar de conteúdo pouco rigoroso, o certo é que a Rainha concedia a pretendida autorização para a utilização do monumento em Teatro.

Rejubilaram os “curiosos dramáticos”, o Quelhas, o Augusto César de Carvalho, o Manuel Freira, o Francisco António Miranda e o Joaquim Maria Petrony. Felicitam-se e acolhem com júbilo o seu antigo ensaiador António César de Gouveia Faria e Mena.
Eles que se vinham servindo da velha e profanada sacristia do extinto Convento de S. Domingos, para aí declamarem as suas últimas peças. Entra assim a nova Sociedade de posse do edifício do Alporão.

Havia que reparar telhados, paredes, portas, criar camarotes, arranjar os dispositivos de cena. Tudo isto preservando a integridade do edifício. Organizar o espaço, dispondo a iluminação. Para tanto era necessário dinheiro.

A Sociedade composta por 39 sócios (vêem-se os seus nomes no mapa de actividades encabeçados por Alexandre Marques Sampaio (Pai) que mandaram emitir acções no valor nominal de 12.630 reis cada, reunindo-se um montante de 492.570 reis a aplicar nos mencionados arranjos e montar, com o maior cuidado e segurança, os camarotes que lhes eram destinados.

Nesse curioso mapa (que não reproduzimos face ao seu tamanho) e que esteve na reserva museológica do Museu Municipal de S. João do Alporão, foram registados não só os nomes dos sócios como o camarote que lhes era destinado, bem como a ordem de rotatividade dos mesmos entre eles.

Além das actas das sessões (ou reuniões conforme aqui são designados) registam-se igualmente as peças levadas à cena entre 29 de Dezembro de 1849 e 20 de Dezembro de 1869, data em que este registo deixa de ser actualizado.

Por este mapa verifica-se que não foram regulares as actuações, nem o registo continuou até 1876, data em que a Sociedade entregou o Teatro à Junta de Distrito para aí ser estabelecido um museu.

Inicialmente, entre 1849 e Fevereiro de 1851, os espectáculos foram mensais, passando a anuais de então até 1858.

Seguem-se os anos de 1860, 1862, 1864, 1865 e 1868 com uma frequência de dois ou três espectáculos anuais.

Desse grupo de associados destacamos, pela influência na sociedade escalabitana, os nomes de Alexandre Marques Sampaio (Pai) Joaquim Nunes Ribeiro, José Peixoto da Silveira, António Cesar de Gouveia Farinha e Mena, José Maria de Melo, (que constituíam a Comissão Administrativa), os Barões de Almeirim e do Pombalinho.

A organização do espaço interior uma hipótese a aprofundar
No mapa de distribuição dos camarotes pelos associados do teatro de S. João, não se refere à existência duma plateia ou cadeiras para o público em geral.

Por outro lado não existiria espaço para os camarotes que permitisse um enquadramento envolvente da plateia como tínhamos constatado no teatro de D. Fernando em Lisboa.

Refere o mapa apenas aos sócios a que nos referimos num total de 39 e um camarote para cada um.

A obrigação especificada no mesmo documento dizia respeito à rotatividade desses espaços que viriam a caber a cada subscritor, dá nota da desigualdade das condições acústicas e de visibilidade de cena que, pela forma adoptada, pretendia pôr todos em pé de igualdade. Por outro lado, a forma “clássica” da disposição dos camarotes, obrigava à abertura dum corredor de acesso aos mesmos , diminuindo igualmente o espaço para a colocação duma plateia.

Por isso haveria que dar outra disposição face àquele teatro que nos serviu de referência. (Teatro de D. Fernando).

Experimentalmente abordamos o esquema duma “plateia” em socalcos onde os camarotes se encontravam instalados. (por 9 filas de 4 e uma de 3 – a primeira).
Desta forma justificavam os 39 camarotes subscritos.

Com suficiente espaço para quatro cadeiras incluía um corredor paralelo ao eixo do edifício, encostado à parede sul do edifício e que daria acesso a cada um dos patamares utilizados por quatro camarotes.

Os socalcos de que falamos constavam de degraus de 0.40 metros. (Figura)
Apesar das recomendações emanadas do Governo Civil, a montagem de cena implicou algumas adaptações no velho templo, o que ainda há pouco tempo poderíamos verificar: – alguns cortes na silharia que corresponderiam à abertura de encaixes para a estrutura de madeira o que temporariamente, a estrutura interna do edifício. Apesar de alguns desses sintomas terem desaparecido com as obras de adaptação a museu em 1880, o que nos inibe hoje de localizar os pontos de apoio das estruturas de madeira.

A entrada do teatro
Recorrendo à iconografia da época, sabemos, por desenho do local efectuado em 1864 (8) corroborado pela informação prestada pelas autorizações emitidas pela Câmara Municipal de Santarém (Actas de 1885) o espaço em frente da actual porta principal do templo era pequeno e de difícil acesso: do lado a igreja de S. João do Alporão prolongava-se um contraforte bem evidenciado noutras gravuras da época. Do lado oposto fronteiro à igreja e na direcção do mesmo contraforte as escadas exteriores do edifício pertencente ao tempo a D. Maria José de Castro. Sabemo-lo por licença concedida para obras nesse prédio em Abril de 1885 onde a Câmara autoriza as alterações propostas pela proprietária, na condição da requerente desfazer a escada exterior do seu prédio, para ser reconstruída no interior do mesmo, ao que dilatava um pouco o pequeno largo aí estabelecido. Dada a diminuta passagem ai existente até então, não seria provável que fosse essa a entrada principal para o teatro. A própria estrutura de madeira que suportava os camarotes não permitia uma franca circulação ou o acesso aos mesmos.

Nesse local existia uma pequena porta com ombreiras de cantaria incrustada no interior do arco do pórtico principal. Essa pequena porta dava acesso aos clientes do armazém de materiais de construção que aí existia. As suas dimensões são bem patentes numa gravura da igreja nessa época.

Assim sendo não oferecia esse local condições para que constituísse ao tempo uma entrada principal com o mínimo de dignidade e espaço. Prosseguindo a nossa investigação só encontramos solução na porta lateral virada a norte, onde ainda em 1864 se mantinha um candeeiro de iluminação junto a essa entrada.

A iluminação desta entrada está bem patente em desenho de João Vaz datado de 1889. Não faria sentido que o candeeiro fosse aí colocado para outro fim.

Acresce o facto de também não ser provável a abertura duma porta a Sul, dado o compromisso tomado de não serem alteradas as características exteriores do edifício e de haver referência dessa abertura quando das obras de 1880 para a instalação do Museu Distrital.

Apesar das recomendações emanadas do Governo Civil, a montagem da cena e dos camarotes implicou algumas alterações no interior do templo, como ainda hoje podemos constatar alguns cortes da silharia, aberturas de encaixes para as estruturas de madeira, o que veio a ocultar boa parte da arquitetura interna do monumento.
Uma abertura lateral do lado do Sul da igreja contrariava o compromisso assumido com o Governo civil.

Existem elementos da época que nos fazem pensar a possibilidade de uma entrada de acesso aos camarotes, em espacial da porta lateral do lado Norte.

Em curiosa carta ao Director do “Distrito de Santarém”, semanário publicado em 17 de Março de 1883, queixa-se um leitor do projecto acanhado do novo teatro (o “Teatro de Santarém”, futuro Rosa Damasceno) diz a certa altura: … “se no antigo teatro de S. João de Alporão, hoje transformado em Museu Distrital, à custa de alguns contos de reis sem proveito para ninguém porque está invariavelmente fechado, os corredores que davam acesso aos camarotes eram estreitos, os do actual teatro não deixam de se lhes assemelhar em tudo… “. Era o condutor dessas obras Júlio de Sousa, Secretário da Comissão Executiva do novo teatro e Director técnico das obras (foi Delegado das Obras Públicas em Santarém).

Este, respondendo às críticas do leitor, por carta de 15/05/1883, diz:
“… Numa notícia de Março último, em que se punham em relevo as acanhadas dimensões com que projectara o Teatro de Santarém, as nenhumas providências no caso de incêndio e até a estreiteza dos corredores dos camarotes, cuja largura se afirmava ser inferior à de S. João do Alporão, o qual, como todos sabem, nunca teve corredores de camarotes, mas sim uns estreitos arcos ou espaços ” que, iniciados no corredor em “estreita escadaria” que dava acesso a cada um dos níveis da estrutura.

Daqui se passava aos camarotes de cada piso cujo acesso era feito através dos mesmos.
Por outro lado, não havendo conhecimento da existência de planta ou desenho que nos certifique da disposição dos lugares sentados, temos nalgumas antigas “cicatrizes” deixadas nas paredes e no chão que foram parcialmente apagadas com as obras de 1879-80 e 1930. Por isso, como hipótese expressamos em mapa a concretização desta nossa leitura.

NOTAS:

Nota 1
A iluminação utilizada no Teatro de S. João foi a que à época era utilizada em Santarém por 1882 — candeeiros alimentados a “azeite de porqueira”.
A sua localização está bem patente no desenho de João Vaz que referimos no texto — junto à porta lateral do monumento.

Nota 2
Mais como consequência que como causa, a “Comissão de Festas Provinciana” salvou o edifício do Alporão de derrocada certa e por isso ainda hoje o temos teimosamente de pé, sustido por pedras centenárias, aguardando a merecida intervenção que o faça preservar por mais dilatado tempo, na sequência daquela outra levada a cabo nos longínquos anos de 1879-80 ou das mais próximas intervenções dos anos trinta.
Para não falarmos das intervenções em curso.

NOTAS:
Bibliografia
1) – S. João do Alporão na História, na Arte e na Museologia C.M.S.- 1994
2) – Inaugurado a 13/04/1846
3) – Aberto ao público a 29 de Outubro de 1849
Ilustração Luso-Brasileira n°29 — 19 de Julho de 1856
4) -1994″Relíquias da Arquitetura Romano-Bizantina em Portugal — 1870
Augusto Filipe Simões — 1870
5) – Memória sobre a fortificação de Lisboa- Marquês de Sá da bandeira 1858
Santarém e as calamidades que sofreu
6) – Actas do Senado da Câmara
7) – Monumentos Nacionais
J.M. Mendes Leal — Lisboa — 1868
8) – Desenho original de João Vaz – Propriedade da Fundação Passos Canavarro
Lisboa, 20 de Novembro de 2021

Mário de Sousa Cardoso

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