Rodrigue Devillet Lima (Iniciativa Liberal)
Advogado e especialista em Direito Público, vive em Santarém desde 1990 e é co-fundador de uma empresa na área jurídica. Propõe a simplificação administrativa, a digitalização dos serviços, a criação de habitação acessível e incentivos fiscais à fixação de profissionais de saúde e educação.
O que é que o motivou a aceitar este desafio de liderar a candidatura da Iniciativa Liberal à Câmara de Santarém?
Antes de mais, por amor à terra. Nasci em Santarém, gosto muito da cidade e vejo muito trabalho por fazer. Temos uma visão e ideias próprias e entendemos que, nos últimos 50 anos, a gestão autárquica em Santarém não correu bem. Não digo que tudo tenha sido mau, mas faltou visão e planeamento na gestão e no desenvolvimento da cidade.
A que níveis identifica essa falta de visão e planeamento?
No urbanismo, tem-se navegado “à vista”, com decisões avulsas. Mesmo no investimento – bandeira do actual executivo – não encontro uma orientação clara para o futuro. Dou um exemplo: o edifício Scalabis, frente ao novo Jardim da Liberdade, rompe a coerência arquitectónica do Planalto. Outro: andamos a valorizar o centro histórico e, ao mesmo tempo, implantou-se um shopping à sua entrada. Em cidades com conjunto arquitectónico semelhante, esse tipo de equipamento não seria colocado dentro do perímetro histórico. Não estou a criticar o W Shopping em si – é útil – mas o sítio onde foi implantado.
Não se trata de uma crítica gratuita. O W Shopping é útil — eu próprio o utilizo, é prático para estacionar e fazer compras — mas nunca o teria colocado naquele sítio. Estes exemplos mostram como, em matéria de planeamento urbano, tem faltado visão, coerência e, sobretudo, sentido de futuro.
O que acrescenta a sua candidatura em termos de experiência e método de trabalho?
Em 2021 apresentámo-nos pela primeira vez e voltamos agora: não desistimos de Santarém. A nossa estrutura autárquica é muito ligada à terra – organizamo-nos por núcleos concelhios, sem distrital – o que dá independência de pensamento e gestão mais idiossincrática. Defendemos uma visão moderna, gestão transparente, independente e, sobretudo, técnica.
As empresas municipais são para manter, caso seja eleito?
Antes de mais, é importante distinguir duas fases: avaliar e decidir. Não estou no Executivo, não tenho acesso directo à gestão interna dessas empresas, e só conhecendo os dossiês por dentro é possível tomar decisões fundamentadas. Dito isto, aquilo que posso garantir é que todas as empresas municipais serão sujeitas a uma avaliação prática e rigorosa. Se fizer sentido mantê-las, manteremos; se se revelar mais vantajoso para o município um modelo de concessão, essa hipótese será ponderada com seriedade.
Dou-lhe um exemplo concreto: a Viver Santarém tem um contrato-programa com a Câmara Municipal no valor de cerca de um milhão de euros por ano. No final de um mandato, são quatro milhões de euros. Num ciclo de três mandatos, esse montante ultrapassa largamente os dez milhões. É muito dinheiro, e é legítimo perguntar se está a ser aplicado da forma mais eficiente. Se a concessão permitir ao município libertar verbas para outras áreas prioritárias — como o alargamento do horário escolar, a acção social ou o apoio à terceira idade —, então deve ser considerada.
Do mesmo modo, é essencial assegurar transparência na gestão destas entidades. Por uma questão de ética e de prevenção de conflitos de interesses, não nomearei dirigentes políticos para cargos de administração em empresas municipais. Haverá concursos públicos, baseados em mérito e competência, porque quem gere dinheiro público deve ser escolhido por critérios técnicos e não partidários.
Não se trata de um ataque pessoal a quem actualmente exerce funções — reconheço o trabalho desenvolvido, por exemplo, pelo presidente do Conselho de Administração das Águas de Santarém —, mas de uma questão de princípio: separar claramente a esfera política da gestão empresarial. É essa cultura de transparência e responsabilidade que queremos trazer à governação autárquica.
Que visão estratégica propõe para Santarém?
Durante anos, ouvimos falar de Santarém como “Capital de Distrito”, mas esse título simbólico precisa de ser traduzido em acções concretas. A centralidade geográfica do concelho deve ser acompanhada por uma centralidade funcional, económica e cultural. É aqui que entra a visão que proponho: uma cidade com identidade própria, capaz de afirmar a sua singularidade e de projectar o futuro sem perder as raízes.
Quando falo de visão estratégica, refiro-me a um modelo de desenvolvimento que respeite a história e o património, mas que não fique refém do passado. Santarém é uma cidade com uma identidade fortíssima, que resulta desse equilíbrio entre a urbanidade e a ruralidade. É precisamente essa dicotomia que lhe confere autenticidade. Temos de a assumir como uma força, não como uma limitação.
Costumo dizer que Santarém é, de certa forma, a “reserva moral do país”. Pode parecer uma expressão romântica, mas traduz o que sinto: o concelho mantém valores de convivência, de companheirismo e de autenticidade que muitas vezes se perdem nas grandes áreas metropolitanas. Lisboa tem o Tejo e duas pontes; nós também. Mas temos algo mais: qualidade de vida, modos de estar, proximidade entre as pessoas e um sentido de comunidade que é cada vez mais raro.
Por isso, o planeamento urbano e económico deve ser construído a partir desta matriz identitária. Precisamos de um desenvolvimento sustentável, coerente, com visão a longo prazo. Santarém tem de crescer de forma ordenada, sem perder o seu carácter, tirando partido da sua localização privilegiada, do seu património histórico e cultural e da sua qualidade de vida, que continua a ser uma das maiores vantagens competitivas do concelho.
Santarém tem perdido população. Porquê e como inverter essa tendência?
A quebra acentuou-se há cerca de 20 anos. Democratizou-se o ensino superior, mas não acompanhámos com oferta de emprego qualificado. Muitos jovens estudaram fora e ficaram em Lisboa. Há hoje um regresso por exclusão – a habitação em Lisboa é incomportável – mas não quero Santarém como “cidade-dormitório” da área metropolitana. É preciso planeamento e criação de condições para fixar famílias.
Falo também por experiência própria. Terminei o curso de Direito em 2008, numa altura em que era difícil começar uma carreira em Santarém. Trabalhei em Lisboa, com um salário de 400 euros como estagiário, porque aqui não havia mercado suficiente para jovens advogados. Santarém é uma excelente cidade para viver, mas faltaram-lhe oportunidades para quem queria construir a sua vida profissional sem sair da região.
Temos de inverter esta lógica, planeando o crescimento com inteligência. A cidade precisa de oferecer habitação acessível, empregos de valor acrescentado, serviços públicos de qualidade e infra-estruturas modernas. Quando as pessoas percebem que podem trabalhar, educar os filhos e envelhecer com dignidade no mesmo território, escolhem ficar. A fixação da população não se impõe — conquista-se, com qualidade de vida, estabilidade e visão de futuro.
A imigração ajuda a colmatar a quebra demográfica? Santarém beneficia com essa imigração?
A imigração é necessária em áreas como a agricultura, mas também pressiona o parque habitacional. O regime de entrada e permanência é competência da Administração Central; ao município cabe aumentar a oferta habitacional para vários segmentos, com foco na classe média – a mais fustigada – através de habitação acessível. Com regras, integração e planeamento, a imigração é positiva.
Quais as suas medidas concretas para a habitação?
Antes de mais, importa distinguir dois conceitos que, muitas vezes, são tratados como sinónimos, mas não o são: habitação social e habitação acessível. A habitação social destina-se a situações de carência extrema; a acessível, à classe média, que trabalha, paga impostos e não tem acesso à habitação no mercado livre. A minha prioridade é, sem dúvida, a habitação acessível, porque é aí que está hoje o maior problema estrutural.
O modelo que defendo assenta numa figura jurídica que considero eficaz e sustentável: o contrato de arrendamento com promessa de compra e venda. Em termos práticos, significa que a Câmara Municipal constrói — recorrendo a financiamento bancário com garantia hipotecária — e os cidadãos arrendam por um período de cerca de 40 anos. No final desse prazo, podem adquirir a habitação. Durante o contrato, as rendas pagas alimentam um fundo municipal de reserva habitacional, destinado à manutenção e reinvestimento no parque edificado.
Este sistema tem várias vantagens. Primeiro, permite ao município intervir directamente no mercado, sem recorrer a subsídios permanentes. Segundo, garante que o activo — a casa — permanece no património municipal, mesmo que o inquilino saia antes do prazo. Terceiro, reduz o risco orçamental, porque a operação é suportada por um activo hipotecado e, em caso de incumprimento, a habitação volta ao mercado.
No entanto, para que este modelo funcione, é necessária articulação com a Administração Central. O problema da habitação não é apenas financeiro; é também estrutural. Falta mão-de-obra na construção — encontrar um carpinteiro hoje é quase um luxo —, e os custos de produção dispararam. Por isso, defendo incentivos fiscais para empreiteiros e promotores que participem em projectos de habitação acessível, como majorações de dedução à colecta ou taxas reduzidas de IVA em zonas de pressão urbana.
Além disso, temos de repensar o regime das mais-valias em sede de IRS, que está a cristalizar o mercado: muitos proprietários preferem não vender para não serem penalizados, o que reduz a oferta.
Em suma, o objectivo é criar um modelo de habitação acessível, sustentável e financeiramente equilibrado, que permita às famílias viver em Santarém com estabilidade, segurança e dignidade. Quanto à habitação social, o caminho é outro: não passa tanto por construir, mas por recuperar o edificado existente, aproveitando o património devoluto e revitalizando zonas degradadas da cidade.
Como atrair empresas e emprego de maior valor acrescentado? As plataformas logísticas são uma solução?
A base de toda a estratégia económica que proponho para Santarém é simples: antes de atrair empresas, precisamos de recriar condições de vida que fixem as pessoas e atraiam talento. Uma cidade não se desenvolve apenas com investimento, mas com qualidade de vida.
Hoje, o maior desafio de Santarém não é apenas captar empresas, mas reter os quadros técnicos e superiores que formamos ao longo dos anos. Muitos jovens estudam, adquirem competências, mas acabam por sair porque não encontram no concelho oportunidades compatíveis com as suas qualificações. É um desperdício de capital humano. Para inverter esse ciclo, temos de começar por garantir habitação acessível, escolas com horários adaptados à vida das famílias e respostas sociais para a terceira idade. Uma família que vive com estabilidade, com os filhos bem acompanhados e os pais assistidos, é uma família que pode concentrar-se no trabalho e prosperar.
Esta lógica familiar e comunitária é, para mim, indissociável de qualquer estratégia de desenvolvimento económico. É a partir desse ecossistema equilibrado que se criam as condições para atrair empresas de valor acrescentado — tecnológicas, inovadoras, sustentáveis.
Não defendo o crescimento pelo crescimento. As plataformas logísticas, por exemplo, podem ter o seu papel, mas não devem dominar a estratégia económica do concelho. O risco é transformarmos Santarém num MARL 2, um prolongamento industrial e de transporte da Área Metropolitana de Lisboa. É um modelo que gera empregos, sim, mas empregos pouco qualificados e com fraco retorno económico e social.
Santarém tem potencial para muito mais. Temos na Agroglobal um exemplo de excelência: um evento que coloca o concelho no centro do debate sobre inovação agrícola e que mostra que a agricultura moderna é um sector tecnológico, interdisciplinar, que combina biologia, química, georreferenciação, automatização e inteligência artificial. É nesta lógica — de valor, conhecimento e tecnologia — que devemos apostar.
O objectivo não é apenas criar empregos, mas empregos de qualidade, que fixem população e reforcem o tecido económico local. E convém lembrar: o concelho de Santarém tem uma taxa de desemprego inferior à média nacional. O problema não é a falta de postos de trabalho, é a falta de empregos que compensem e valorizem as competências dos nossos cidadãos.
Por isso, a minha visão é clara: Santarém não deve ser apenas um ponto de passagem, mas um território de futuro, que conjuga tradição, inovação e qualidade de vida.
Como compatibilizar horários escolares com a vida das famílias, na prática?
Com pessoas e organização. Aproveitar melhor o tecido associativo (clubes, colectividades) para actividades de prolongamento, com monitores e assistentes técnicos, articulando escola e comunidade. Primeiro, garantir oferta; depois, um modelo de financiamento sustentável. Não prometo “gratuitidade” universal – o sistema tem de ser equilibrado – mas quero respostas efectivas.
Que respostas propõe para a terceira idade, sobretudo nas freguesias mais afastadas?
A prioridade é tripla: onde ficam, quem cuida e como lá chegam. Aumentar a oferta de lares e centros de dia, reforçar a mobilidade (há lugares a 30 km do hospital) e trabalhar com o sector social (IPSS, Santas Casas) e privado, usando know-how existente. No Norte do concelho (Alcanede, Gançaria, Amiais) faz sentido reforçar serviços de proximidade e, face à população, ponderar oferta de secundário para reduzir deslocações e emissões.
Transportes e ordenamento nas freguesias: o que mudaria? E o novo PDM ajuda?
As freguesias mais rurais de Santarém enfrentam dificuldades que não são de agora. O transporte público continua a ser um dos grandes entraves à fixação da população e à coesão territorial. É verdade que a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT) está a desenvolver uma nova rede de transportes, o que poderá aliviar algumas carências, mas é preciso mais do que boa vontade: é necessário suporte orçamental, planeamento e visão estratégica.
O concelho de Santarém é vasto e diversificado. Temos áreas urbanas densas, zonas rurais dispersas e uma geografia que combina Lezíria, Charneca e montes. Essa complexidade exige políticas diferenciadas, que considerem as especificidades de cada território. Nas freguesias mais afastadas, como as da zona norte — Gançaria, Amiais, Alcanede —, é essencial reforçar a mobilidade interna, garantindo ligações regulares e acessíveis ao centro urbano e aos serviços públicos essenciais.
No plano do ordenamento, defendo maior liberdade urbanística para permitir a fixação de população fora dos perímetros urbanos. As actuais regras são, em muitos casos, desajustadas da realidade local. Dou-lhe um exemplo concreto: hoje, para construir uma moradia fora do perímetro urbano, exige-se um terreno de quatro hectares para erguer apenas 180 metros quadrados de habitação. Isto é um absurdo técnico e económico. Uma regra assim não responde às necessidades das famílias nem contribui para o repovoamento do território.
Claro que há limites à autonomia municipal. A revisão do Plano Director Municipal (PDM), agora finalmente concluída após quase três décadas, é um passo importante, mas muitas das decisões continuam dependentes de entidades como a CCDR e a própria CIMLT. Falamos muito de descentralização, mas a verdade é que as autarquias continuam com mãos atadas em matérias fundamentais, desde o ordenamento até à aprovação de projectos.
Precisamos de uma descentralização efectiva, que devolva poder real aos municípios. Só assim é possível responder de forma célere e ajustada às necessidades locais. O PDM é uma ferramenta útil, mas não basta: é necessário simplificar procedimentos, reduzir burocracia e garantir que o planeamento serve as pessoas — e não o contrário.
Centro Histórico: que soluções para reabilitar e repovoar?
Temos de decidir o que queremos: um ex-libris vivo, com atractividade turística e residencial, ou uma zona de passagem. Defendo rever (ou concluir) o processo de classificação, reduzir burocracia, isentar taxas de licenciamento e priorizar quem vive e trabalha no centro. O estacionamento exige soluções estruturais: por exemplo, um silo na bolsa junto ao antigo Banco de Portugal/Rosa Damasceno. Outras hipóteses têm sido ocupadas (ex.: antigos Bombeiros, previstos para residências estudantis). Sem resposta de estacionamento e mobilidade interna, é difícil fixar moradores. O debate com a Associação de Moradores é essencial; “dísticos de residente” sem fiscalização eficaz não resolvem.
Em que é que a candidatura da Iniciativa Liberal se distingue das restantes?
Na capacidade de antecipar problemas, transparência, seriedade e visão de longo prazo. Quero projectar Santarém como a “Riviera da Lezíria” – um território de qualidade de vida e inovação – evitando convertê-la num apêndice logístico da AML. Já temos uma cintura de retalho à volta do Planalto; não devemos avançar para uma segunda vaga de plataformas que descaracterize a cidade. O foco é valor e identidade.
Na noite de 12 de Outubro, o que considera um bom resultado?
Venho para ganhar. Sei que é difícil, mas não digo que “o importante é participar”. Dito isto, tenho plena consciência das dificuldades. A Iniciativa Liberal é um partido ainda jovem na política autárquica e este é apenas o nosso segundo acto eleitoral em Santarém. Em 2021 concorremos a dois órgãos; este ano apresentamo-nos à Câmara Municipal, à Assembleia Municipal e a mais três freguesias. É um sinal de crescimento e maturidade política, de quem acredita no trabalho feito e quer consolidar uma presença estável no concelho.
Por isso, considero que a eleição de um vereador seria já um excelente resultado. Não é um objectivo modesto; é um passo sólido e realista rumo a um futuro com maior representatividade. Há base eleitoral para isso. Nas eleições legislativas, obtivemos cerca de 1.500 votos. O Chega elegeu um vereador com pouco mais de 2.100, e nas europeias o nosso cabeça-de-lista, João Cotrim Figueiredo, teve cerca de 2.400 votos em Santarém. Estes números mostram que existe massa crítica e espaço político para a Iniciativa Liberal alcançar um lugar no Executivo.
No fundo, como costumo dizer, basta “estar no boletim” para os scalabitanos poderem escolher uma voz diferente, uma alternativa liberal, moderna e responsável na Câmara Municipal. Se conquistarmos esse lugar, teremos dado um passo decisivo para mudar o modo como se faz política local em Santarém.