Pedro Mendonça (Coligação Santarém Cidadã – Livre/Bloco de Esquerda)
Formado em Relações Internacionais, ex-autarca no Cartaxo, foi director artístico e é assessor parlamentar. Lidera a coligação que une Livre e BE, defendendo políticas de habitação acessível, mobilidade sustentável, cultura e ambiente, bem como maior participação cívica e transparência democrática.

Esta é a primeira vez que o Bloco de Esquerda e o Livre apresentam uma candidatura conjunta em Santarém. O que defende esta coligação e que objectivos eleitorais considera realistas?

Sonhamos que Santarém seja uma cidade que acolhe e valoriza os seus munícipes, respondendo às suas actuais necessidades, mas sempre de olhos postos no futuro. A coligação Santarém Cidadã, que junta o partido LIVRE, o Bloco de Esquerda e Independentes, quer fazer de Santarém uma comunidade mais equitativa, mais justa, mais democrática e mais livre.

Somos uma coligação que procura a exigência e a transparência na gestão pública. Queremos contribuir para o governo do concelho, somos uma coligação colaborativa. Para isso o nosso objectivo é eleger para a Câmara, Assembleia Municipal e Junta de Freguesia da Cidade.

 Defende que Santarém deve voltar a ser a “capital do Ribatejo”. O que significa, na prática, esse objectivo e como tenciona concretizá-lo?

Apesar de ser sede de distrito, Santarém tem vindo ao longo de décadas a perder influência política e a perder a capacidade de liderar e coordenar-se com os concelhos vizinhos. Para ser efectivamente capital tem de assumir um novo modelo de desenvolvimento que não esteja assente em baixos salários, ou não consegue atrair jovens qualificados para aqui criarem família e aqui contribuírem para uma economia de mais valor acrescentado, Santarém deve liderar uma agricultura assente em novas tecnologias e que cruze o saber passado, com a academia e claro, os investidores privados. O mesmo é válido para outros sectores, só através da inovação se pode criar novos empregos com valor acrescentado e só assim atrai jovens de todo o distrito.

 O seu percurso está ligado ao associativismo e à cultura. Como é que considera que essa experiência influencia a forma de encarar a governação local?

Considero que são duas áreas onde há pouco dinheiro e é fundamental ouvir todos os envolvidos num projecto, colocá-los em diálogo para encontrar as necessárias pontes e consensos pois só com este envolvimento conseguem em conjunto remar na mesma direcção. Precisamente uma das grandes falhas do poder local é não ouvir, não dialogar verdadeiramente com os agentes no terreno e não os envolver mais nos processos de decisão.

Ter trabalhado na área da cultura influencia-me também na visão para Santarém, só existirá um melhor futuro com uma cidade com força criativa e com respeito pelo passado, material e imaterial.

 O seu programa aponta a habitação como prioridade máxima. Que medidas concretas defende para garantir casas acessíveis e reabilitar o parque habitacional?

Em primeiro lugar executar o protocolo já existente com o Estado Central onde Santarém recebeu 20 milhões de euros para a habitação que neste momento só teve perto de 500 mil euros executados (números da própria Câmara).

Mas face a esta emergência habitacional as respostas públicas nacionais, devem ser complementadas por respostas municipais. Defendemos um investimento por ano de cerca de 6 milhões de euros para fogos destinados a arrendamento justo, um arrendamento com uma taxa 30 a 35% de taxa de esforço do orçamento das famílias.

Mas antes de o fazer criaremos uma equipa multidisciplinar que faça o inventário de todas as habitações devolutas, públicas e privadas para que não se despeje apenas dinheiro para cima de um problema como é hábito nacional. Queremos inventariar, estudar, planear e propor as melhores soluções habitacionais. Politicamente a direcção da aplicação destes fundos deve privilegiar o centro histórico, imóveis e terrenos públicos e as freguesias.

Defendemos a existência de um gabinete que divulgue e auxilie as pessoas a acederem aos apoios públicos nacionais de apoio ao arrendamento, acompanhando os cidadãos na complexa teia burocrática do Estado.

Queremos concretizar a aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência e verbas do Orçamento do Estado para um constante investimento na construção, reabilitação e conservação da habitação pública, incluindo os Programas Ecológicos de Reabilitação dos Bairros Municipais. Defendemos ainda uma majoração em 50% no apoio municipal de emergência às famílias monoparentais e a criação de uma unidade técnica multidisciplinar para execução deste plano.

Tem sugerido a criação de “casas de função” para atrair professores, médicos ou polícias. Como pensa implementar essa proposta em Santarém?

A equipa multidisciplinar a trabalhar em exclusivo na habitação, deve após inventariar, estudar, planear e propor as melhores soluções habitacionais para encontrar ou construir estas casas de função.

E porquê a importância destas casas?

Existem trabalhadores público essenciais para o desenvolvimento de Santarém, falo professores, médicos ou polícias deslocados das suas terras de origem e que, através de subsídios à renda, isenção da mesma em certos casos ou vagas em habitação pública consigam vir viver e trabalhar para o concelho. Santarém precisa de ser atractiva para estes trabalhadores que através dos serviços públicos melhoram a qualidade de vida dos cidadãos. Não nos podemos esquecer que em quatros anos o metro quadrado em Santarém subiu 44% de valor. Cada vez mais está a ser difícil por exemplo um professor ganhar o suficiente para aceitar uma vaga que exista na cidade. Pensar a cidade para o futuro é também torná-la atractiva para quem com o seu trabalho proporciona serviços públicos de qualidade.

O seu programa inclui a criação de um orçamento participativo e de um portal de transparência. Que impacto considera que estas medidas terão na relação entre a Câmara e os cidadãos?

A participação das pessoas na gestão pública é vital para a mobilização em prol do bem comum. A participação cidadã assume maior ou menor importância de acordo com os instrumentos de gestão e regulamentação que as autarquias disponibilizam e implementam. Na coligação acreditamos que a governação será mais eficaz, quanto mais envolver a participação dos cidadãos, e das organizações e associações locais.

Só com o reforço monetário do orçamento participativa, se incentiva os cidadãos a criarem e porem a votos da restante população de projectos que mudem efectivamente a vida dos bairros e das pessoas.

O Portal da Transparência é uma poderosa arma contra a corrupção e não estou com isto a dizer que existe corrupção na governação. Este portal deve dar a informação sobre todas as operações compra e venda, estudos, projectos e licenças camarárias por parte da Câmara, de uma forma rápida, prática e intuitiva para que qualquer cidadão. Só com toda a informação disponível é possível a comunidade ajudar e participar na gestão pública ao mesmo tempo que combate a desinformação e a política baseada na desconfiança entre o poder e os cidadãos.

Além destas duas medidas queremos incentivar a participação de outras formas como por exemplo na área do urbanismo, ser obrigatório o executivo ouvir a opinião, não vinculativa, de um conselho de cidadãos e associações directamente envolvidos. Um exemplo simples, como renovar o centro histórico sem ouvir quem lá vive, trabalha ou tem negócios? Esta aproximação dos cidadãos às tomadas de decisão políticas, nas cidades onde tem sido feita, tem melhorado a vida das pessoas e promovendo uma democracia mais inclusiva e eficaz.

Considera essencial combater a violência doméstica e apoiar vítimas. Que papel pode a Câmara assumir nesta área?

Segundo o Diagnóstico Social do Município de Santarém 2024/2027, entre 2021 e 2023 a violência doméstica foi o crime mais cometido no município, mesmo sendo um crime que maioritariamente não é participado, seja por razões financeiras, sociais ou familiares. A maior violência no concelho não está na rua, como se vê, a maior criminalidade está dentro de portas, nas famílias. Esta violência atravessa gerações e gerações nas famílias sendo por isso interiorizado como normalidade.

Já existe trabalho realizado, mas não é suficiente, o Gabinete de Apoio à Vítima de Santarém apoia essencialmente directamente as vítimas, a sua reabilitação e reintegração. Mas perante este flagelo é necessário promover a criação de mais mecanismos municipais que ofereçam espaços seguros, de partilha e de apoio a sobreviventes de violência doméstica. Mas o empenho, que tem de ser contínuo, deve também ser na prevenção, ao tornar através de campanhas de informação, aos olhos dos cidadãos, criminoso aquele que violenta a sua família (mulher, filhos, pais, maridos…). A prevenção passa por campanhas de sensibilização e informação em que figuras públicas dêem a cara por esta causa, além da realização de eventos públicos, lúdicos ou não, sobre o tema, em articulação com outros sectores da comunidade, eventos onde existam sessões de partilha de testemunhos, que incentivem à denúncia deste crime.

Defende políticas activas de integração dos imigrantes, como cursos de português e gabinetes móveis. Que medidas concretas propõe para Santarém?

A esmagadora maioria dos imigrantes que procuraram Santarém em busca de uma vida melhor trabalha essencialmente na agricultura, longe das áreas urbanas e com uma barreira fortíssima, a linguística que não lhes permite tratar da documentação da AIMA, cumprir as leis nacionais, ou uma integração na comunidade onde vivem, trabalham e pagam impostos. A autarquia deve procurar activamente fundos para criar um Plano Municipal para a Integração dos Imigrantes, à semelhança de outras cidades no país, com o objectivo de dotar o concelho de uma política de acolhimento e integração; de promoção da interculturalidade enquanto factor de desenvolvimento e fortalecimento da democracia e da dinâmica social local, baseada na solidariedade; de promover e facilitar o ensino da língua portuguesa; de organizar eventos culturais e sociais em que as várias comunidades de Santarém tenham um espaço de convívio. Costumo usar um provérbio somali “Conhece-me antes de me odiares”, o medo do estrangeiro que tantas vezes nos impingem politicamente cai por terra com políticas de integração e com o passarem de estrangeiros a vizinhos, como aliás se viu no flagelo dos incêndios que assolaram Portugal.

Considera que Santarém é uma cidade “pouco arborizada”. Que plano de arborização defende e de que forma pode melhorar o conforto térmico urbano?

É necessário um Plano Municipal de Arborização, com consulta pública. Só assim se pode estabelecer objectivos calendarizados para melhoria, manutenção e expansão regular dos espaços arborizados urbanos. As árvores são de facto uma das melhores ferramentas para combater a emergência climática, fazendo por exemplo barreira aos ventos e proporcionando refúgios climáticos em dias de calor. Queremos também implementar um Plano Regional de Ordenamento Florestal com orientação para a conservação da natureza e impedindo que essas áreas verdes sejam engolidas por novos empreendimentos.

Acreditamos também na criação de um projecto de Bairros Verdes. As arvores além de fazerem sombras com as suas copas, o que permite criar zonas mais frescas, também ajudam a controlar os níveis de humidade e consequente a temperatura do ar. Por esse motivo, alem de arborizar melhor as ruas, deve ser estudada a possibilidade de usar as paredes dos prédios para instalar plantas trepadeiras e assim tornar os bairros mais verdes, criando consequências positivas noutras áreas; criam postos de trabalho públicos, tornam-se atracções turísticas.

O seu programa identifica três centros na cidade — Planalto histórico, São Domingos e zona da CP/Ribeira. Que medidas defende para integrar estes pólos urbanos e melhorar a mobilidade?

É necessário conhecer o estudo de mobilidade anunciado pela Câmara para perceber como está prevista a articulação dos vários modos de transportes públicos, dos carros particulares e de parques de estacionamento que incentivem o transporte público. De qualquer forma, a nova operadora Intermunicipal deve privilegiar uma frota moderna e de pequenos autocarros que circulem com muito mais regularidade e movidos a fontes de energia renováveis. A rede para ligar estes centros deve ser integrada e interligada de forma que o transporte público assegure uma ligação rápida entre autocarros e comboio, com horários “combinados” e alargados. Deve existir também mini-carreiras de bairro e introduzir nestas a possibilidade do transporte a pedido (dentro do circuito e fora de horários de pico).

Deve-se também melhorar a acessibilidade aos transportes públicos através da adaptação do espaço público, nomeadamente as paragens de autocarro com instalação de placas com horários, números das carreiras e os respectivos destinos. Mas existem outras possibilidades que poderão estar no Plano Municipal de Mobilidade, outras formas rápidas, sem constrangerem o transito e seguindo os modelos de outras cidades europeias.

Considera que o centro histórico não deve ser aberto a mais automóveis. Que modelo alternativo propõe para dinamizar esta zona sem comprometer a qualidade de vida dos moradores?

Não propomos a proibição de carros no centro histórico, propomos sim pedonalizar algumas ruas após a sua reabilitação, consensualizadas entre moradores, comerciantes e uma unidade de missão a criar. Esta medida deve ser acompanhadas com a criação de novos parques de estacionamento, com implementação de bolsas de estacionamento exclusivo para residentes. Certo é que os moradores terão sempre acesso por viatura às suas casas para poderem deixar alguém de mobilidade reduzida, compras, moveis, etc.

Naturalmente que alguns comerciantes receiam diminuição de vendas, no entanto as provas sugerem que os centros históricos que restringiram a utilização do automóvel, a redução de compradores que chegam de carro foi compensada por um aumento significativo de pessoas que chegam a pé ou de transportes públicos. Um estudo de 2016 em mais de 100 cidades mostrou que a afluência de pessoas às ruas para peões aumentou as vendas a retalho em 49%. Outro estudo de 2019 sobre a zona de baixas emissões “Madrid Central” concluiu que as vendas aumentaram durante o período de Natal em comparação com o ano anterior. Em Oslo, onde o automóvel foi consideravelmente reduzido desde 2016, não houve queda de vendas. Mas o Centro histórico necessita mesmo é de uma unidade de missão tecnicamente apetrechada e que saiba dialogar com moradores e comerciantes.

Apresenta uma equipa jovem, com nomes como Jéssica Vassalo e Francisco Vicente. Que papel considera que terão na definição e execução do projecto político da coligação?

Da mesma forma que acredito que uma cidade para ser viva e continuar a crescer necessita de todos, porque é da diversidade que saem as melhores soluções, acredito o mesmo para as equipas que se apresentam a eleições. Equipas intergeracionais, com diferentes vivências trazem naturalmente soluções diversas. Além de que não os vejo apenas como representantes dos jovens, mas como pessoas com enorme influência nas propostas que a coligação apresenta para Santarém. O nosso projecto político é colaborativo, com contributos de todos e todas que se apresentam nas nossas listas. Não creditamos em homens ou mulheres providenciais, mas em equipas que trabalhem em conjunto para o bem comum.

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