O major da Polícia Judiciária Militar (PJM) Roberto Pinto da Costa e o sargento da PJM Mário Lage de Carvalho, arguidos no processo de Tancos, remeteram-se hoje ao silêncio diante do juiz Carlos Alexandre, que dirige a instrução.
À saída da sessão, que durou menos de meia hora, Ricardo Serrano Vieira, advogado de defesa de ambos os arguidos, referiu que aqueles militares não pediram a abertura da instrução (fase facultativa e intermédia do processo), mas que comparecerem no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) porque o juiz Carlos Alexandre optou por chamar todos os arguidos, mesmo aqueles que não solicitaram a abertura de instrução.
O advogado adiantou que os seus constituintes usaram da prerrogativa de se remeterem ao silêncio, adiantando que ambos “esperam que se faça justiça” e prometendo que caso o processo, do roubo de armas dos paióis da base militar de Tancos, chegue a julgamento, como admite acontecer, será trazida a versão dos factos de que os seus comportamentos se inseriram nas “estritas funções militares”, ou seja, receberam e obedeceram a ordens superiores.
Nas palavras do advogado de defesa, Roberto Pinto da Costa e Mário Lage de Carvalho estão “serenos e calmos”, com “consciência do que fizeram e porque o fizeram”.
Pinto da Costa está acusado dos crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário e posse de arma proibida.
Confrontado com a polémica sobre a persistência do juiz Carlos Alexandre em ouvir presencialmente, e não por escrito, o primeiro-ministro António Costa – arrolado testemunha pelo ex-ministro da Defesa e arguido José Azeredo Lopes – Ricardo Serrano Vieira reconheceu as vantagens do depoimento presencial para o apuramento da verdade, mas admitiu que altas figuras do Estado possam ter condicionantes ditadas pelos órgãos de Estado a que pertencem. Mário Lage de Carvalho está acusado dos mesmos crimes, com excepção da posse de arma proibida.
Também o advogado Melo Alves, defensor do arguido João Paulino, apontado como um dos responsáveis pelo assalto aos paióis de armas de Tancos, embora sem se referir directamente à polémica sobre a forma de inquirição (oral ou escrita) de António Costa na instrução do caso de Tancos, declarou aos jornalistas ser um “adepto” do depoimento presencial, porque do “ponto de vista do Direito Penal” assegura os princípios da “oralidade e da imediação”, importantes para a descoberta da verdade.
“A credibilidade do depoimento por escrito é um e a credibilidade do depoimento oral é outro”, salientou Melo Alves.
Relativamente à acusação contra João Paulino no caso do furto e achamento das armas de guerra de Tancos, o advogado reiterou que o seu constituinte alega que “negociou com as instituições portuguesas através de quem as representa e ao mais alto nível”, sem precisar para já mais pormenores.
A instrução do caso de Tancos começou na quarta-feira e prossegue no início da próxima semana, mas até ao momento nenhum dos arguidos que compareceram diante do juiz Carlos Alexandre optaram por falar sobre os factos em apreciação.
Na quarta-feira, a defesa do ex-ministro Azeredo Lopes disse hoje à Lusa que “é indiferente” que o primeiro-ministro, António Costa, testemunhe na fase de instrução no caso de Tancos por escrito ou presencialmente no Tribunal.
“Esse problema não é nosso, essa guerra não é nossa. Para a defesa é absolutamente indiferente que o primeiro-ministro deponha por escrito ou presencialmente”, afirmou à agência Lusa o advogado Germano Marques da Silva, lembrando que quando pediu que António Costa fosse ouvido nesta fase não foi indicada a forma como iria ser inquirido.
Num despacho datado de terça-feira, o juiz de instrução Carlos Alexandre insistiu na importância de se ouvir presencialmente o primeiro-ministro como testemunha arrolada por Azeredo Lopes, arguido no caso Tancos, tendo pedido à defesa do ex-ministro da Defesa para se pronunciar.
Para Germano Marques da Silva, o facto de o depoimento do líder do executivo ser escrito em nada condiciona a estratégia da defesa.
“A lei regula essa matéria, feitas as respostas por escrito podem ser pedidos mais esclarecimentos por escrito”, disse o advogado, acrescentando que responder por escrito “é uma prorrogativa dos conselheiros de Estado utilizada por António Costa”.
O penalista rebateu assim os argumentos utilizados pelo juiz quando justificou a sua posição de o depoimento ser presencial com a dificuldade de “formular questões, sub-hipóteses, explicações e introitos”.
Para o defensor de Azeredo Lopes, esta “é uma não questão”.
No despacho de terça-feira, o juiz transcreve uma outra sua decisão, de 06 Dezembro, em que determinou que “todas as declarações a realizar na fase de instrução terão lugar nas instalações do TCIC [Tribunal Central de Instrução Criminal], não se admitindo por ora a realização de diligências por carta precatória, carta rogatória ou vídeo conferência e bem assim depoimentos por escrito”.
O caso de Tancos envolve 23 acusados, incluindo o ex-ministro da defesa do primeiro governo de António Costa e que se demitiu na sequência do caso, o ex-director da Polícia Judiciária Militar (PJM) Luís Vieira e o ex-porta-voz da instituição militar Vasco Brazão, que estão acusados de um conjunto de crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, receptação e detenção de arma proibida.
O caso do furto do armamento de guerra dos paióis de Tancos foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a alegada recuperação do material de guerra furtado ocorrido na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.