O Tribunal de Santarém absolveu hoje 14 pessoas e uma empresa da prática dos crimes de burla e associação criminosa, apesar de dar como provada a “dinâmica negocial” que levou à acusação.
Segundo o acórdão, lido pela presidente do coletivo, Raquel Rolo, durante o julgamento não foi possível provar o envolvimento dos arguidos nos negócios que lesaram dezenas de empresas.
Em causa no processo estava a alegada criação, em 2015, de uma organização criminosa que, até final de 2018, terá criado e usado várias sociedades para a prática de burlas e manobras fiscais, de modo a gerar “proveitos patrimoniais de forma fácil” a um número crescente de indivíduos, quase todos amigos ou conhecidos do principal arguido.
As cerca de 20 sociedades criadas adquiriam artigos a empresas que atuavam no mercado, entregando cheques pós datados (a 30 ou 60 dias) no momento da entrega da mercadoria, a qual vendiam nos dias seguintes, desaparecendo de seguida do local onde havia sido feita a entrega e desativando contactos.
O Tribunal deu como provadas todas as transações descritas na decisão instrutória, os prejuízos patrimoniais daí decorrentes e as entregas dos montantes aos arguidos, confirmados numa perícia.
Contudo, o depoimento da responsável pela perícia, que disse em Tribunal não ser possível estabelecer com segurança uma relação com os arguidos, fez cair tudo “como um castelo de cartas”, disse.
Os arguidos tinham ligações às sociedades, que tinham uma atividade irregular, nomeadamente incumprindo as obrigações fiscais, mas o Tribunal considerou não ter sido produzida prova do seu envolvimento nos negócios fraudulentos que foram praticados.
“Foi alguém, mas não sabemos quem”, afirmou a juíza, salientando que “para haver condenação tem de haver certeza de que há atividade criminosa, e não há [essa certeza]”.
Para o Tribunal, os arguidos beneficiaram da “incapacidade da investigação”, fragilidade que a procuradora do Ministério Público admitiu nas suas alegações, proferidas em 27 de abril, ao reconhecer “vicissitudes” na investigação que levou à acusação.
Ana Melchior disse, na altura, estar “convicta” de que os arguidos se concertaram para desenvolver a atividade descrita na acusação e na pronúncia, de criação de sociedades que adquiriam mercadorias a empresas do mercado, às quais pagavam com cheques sem cobertura, ficando com o dinheiro da venda dos produtos e tornando-se incontactáveis.
“Em Portugal continua-se a investigar de forma ligeira e depois que o Tribunal decida”, disse, nas alegações, a advogada de um dos arguidos que se encontra em prisão preventiva, lamentando que se tenha privado uma pessoa da liberdade por “convicções” ou por se “presumir”, quando, no seu entender, desde o início, o processo teve “uma mão cheia de nada”.
O Tribunal determinou hoje a cessação de todas as medidas de coação e a devolução dos bens apreendidos aos arguidos, julgando, ainda, improcedentes os pedidos de indemnização.
Durante o julgamento, o coletivo do Tribunal de Santarém determinou a separação de processos para dois dos arguidos singulares e duas empresas (geridas por um deles), por se desconhecer o seu paradeiro.