FOTO GOMES
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Numa altura em que o Mundo chora a morte da Rainha Isabel II, o ‘Correio do Ribatejo’ recorda aos seus leitores a passagem da monarca por terras ribatejanas, a 20 de Fevereiro de 1957.

Um acontecimento para toda a região que se estendeu pelos campos ribatejanos.

A 13 de Fevereiro de 1957, o presidente da Câmara de Santarém, Jacob Pinto Côrrea mandou publicar no ‘Correio do Ribatejo’ um convite à população empenhado em que esta assistisse “à passagem de Sua Majestade a Rainha de Inglaterra por esta cidade.”

Era claro o pedido para que as janelas e varandas dos edifícios por onde desfilou o cortejo se engalanassem para que Santarém marcasse “uma posição de relevo” entre as terras que iriam presenciar o “histórico acontecimento”.

O funeral de Estado da Rainha Isabel II terá lugar segunda-feira, 19 de Setembro, pelas 11h00, na Abadia de Westminster, em Londres, onde ficará em câmara ardente durante vários dias para os populares terem oportunidade de prestar homenagem.

Antes do Funeral de Estado, o caixão está no Salão de Westminster durante quatro dias, para permitir que os súbditos prestem condolências.

No passado dia 10, Carlos III foi proclamado oficialmente Rei do Reino Unido, numa cerimónia realizada no palácio de St. James, em Londres.

O novo monarca britânico, com 73 anos, sucede à sua mãe, a rainha Isabel II, que morreu a 8 de Setembro, aos 96 anos de idade, no castelo de Balmoral, Escócia, após 70 anos de reinado.

O ‘Correio do Ribatejo’ recorda a passagem de Isabel II pelo Ribatejo e algumas das particularidades da visita, como a do Município de Vila Franca ter oferecido ao Príncipe Carlos – hoje Rei – um fato de campino completo, com esporas de prata e pampilho, traje confeccionado pelo prestigiado alfaiate vilafranquense Horta, que tomou como modelo um rapaz da terra, de estatura idêntica à do então Príncipe.

Numa narrativa que nos prende às páginas amarelecidas dos jornais de 1957, Virgílio Arruda descreve com minucia todos os pormenores da preparação deste dia histórico para muitos concelhos, testemunhando que pela região se “trabalhava febrilmente no alindamento e ornamentação de praças e avenidas, ruas e estradas” que Isabel II e a sua comitiva iriam percorrer.

A 13 de Fevereiro de 1957, o presidente da Câmara de Santarém, Jacob Pinto Côrrea mandou publicar no ‘Correio do Ribatejo’ um convite à população empenhado em que esta assistisse “à passagem de Sua Majestade a Rainha de Inglaterra por esta cidade.”

Era claro o pedido para que as janelas e varandas das ruas Alexandre Herculano, Cidade da Covilhã, 31 de Janeiro e do Largo da Piedade, por onde desfilou o cortejo, se engalanassem, para que Santarém marcasse “uma posição de relevo” entre as terras que iriam presenciar o “histórico acontecimento”.

A região viveu com enorme expectativa esta visita, e assim que se soube da mesma o ‘Correio do Ribatejo’ deu a conhecer o programa na sua edição de 19 de Janeiro de 1957: “tudo se apresta para que d’aqui a um mês Isabel II tenha em Lisboa, como em outras terras do país, uma recepção demonstrativa daquele respeito e simpatia que a soberana infunde a todos nós”.

Segundo os relatos da época Isabel II viajou de avião e aterrou no Montijo, tendo-se encontrado com o duque de Edimburgo na baía de Setúbal, onde o seu marido chegou, oriundo de Gibraltar, no iate real «Britânia».

Segundo Virgílio Arruda, dois dias da presença da rainha no nosso país terão sido passados “incógnitos”, na região da Arrábida, seguidos da recepção oficial, a 18 de Fevereiro, no Terreiro do Paço. Na véspera do regresso a casa, Isabel II visitou a Nazaré e a Batalha, almoçando no Mosteiro de Alcobaça e regressando a Lisboa pelo Ribatejo.

O ‘Correio do Ribatejo’ de 19 de Janeiro, na notícia “A gerência do Município” deu conta da deliberação camarária de “promover as diligências necessárias para que as povoações deste concelho por onde deve passar a Rainha Isabel II, de Inglaterra, ofereçam o melhor aspecto possível”.

Crescia, de dia para dia, o interesse nesta visita e na edição de 26 de Janeiro de 1957, num artigo intitulado “A Rainha e o Ribatejo” o director deste Jornal perspectivava que Isabel II teria oportunidade “de sentir o carinho e a amizade da Nação que é a mais antiga aliada da sua Pátria”.

“Por isso mesmo, esta visita transcende um mero acto de cortesia internacional e projecta-se no plano da História como símbolo de respeito por compromissos internacionais que as vicissitudes do tempo nunca conseguiram abalar”, opinava o então director deste Jornal, dando ainda conta do programa que estava a ser preparado:

“Na Batalha, lugar sagrado para os portugueses, a Rainha de Inglaterra viverá a meditação de laços políticos e familiares que se prendem com o seu país, pois o grande monumento alberga, dentro de si, a memória de Filipa de Lencastre, rainha de Portugal e princesa que de Inglaterra trouxe muito do espírito da Aliança que se foi estreitando entre os dois países e teve grande influência no espírito de seu marido, o grande herói da Independência, D. João I. Por sua vez,

Alcobaça dar-lhe-á uma das mais sugestivas imagens que Portugal poderia oferecer- lhe, tanto pelo aspecto tradicional da vila como pelas cerimónias que ali vão realizar-se, impregnadas de reconstituição de tempos idos, tão ao gosto britânico. Depois, será o Ribatejo que vai proporcionar aos régios visitantes uma festa de campo, bem típica. Ela terá lugar na lezíria de Vila Franca, organizada sob a direcção do grande lavrador ribatejano sr. José Van-Zeller Pereira Palha. Num pavilhão decorado à maneira regional, com esteiras, mantas, cobrejões e mobiliário rústico, levantado próximo da Estalagem do Gado Bravo, em plena lezíria, será servido um chá. Depois, terá lugar um desfile de centenas de cavaleiros, da Borda d’Água e do Alentejo, carros típicos trazendo ranchos de raparigas e, por fim, campinos às centenas, conduzindo toiros em espectacular corrida. É de calcular a emotiva vibração desta movimentada homenagem à rainha de Inglaterra que, seguidamente, terá por escolta de honra uma cavalgada de centenas de lavradores através da ponte Marechal Carmona. Será esta a última e certamente a mais vibrante parada em honra da régia visitante, na sua digressão pelo nosso país, sendo de esperar que o Ribatejo esteja à altura das suas tradições.

O Município de Vila Franca oferecerá ao Príncipe Carlos um fato de campino completo, com esporas de prata e pampilho” revelou o ‘Correio do Ribatejo’ de 26 de Janeiro de 1957.

Na edição seguinte deste jornal ficou a saber- se que a confecção desse traje coube ao “conhecido alfaiate vilafranquense Horta, que tomou como modelo um rapaz da terra, de estatura idêntica à do Príncipe”.

Homenagem da Lavoura Ribatejana

Ao longo das edições seguintes deste Jornal, Virgílio Arruda, seu director, acrescentava pormenores ao programa da visita.

Na edição de 2 de Fevereiro, deu a conhecer o percurso régio desde Alcobaça onde a rainha almoçará no dia 20, passando por Santarém, Almeirim, Salvaterra, Benavente e Samora Correia.

Isabel II sobe para a tribuna real, em Vila Franca de Xira, enquanto lavradores e cavaleiros asseguram a guarda de honra (fotografia de Joaquim da Silva Pinheiro, 1957)
Isabel II sobe para a tribuna real, em Vila Franca de Xira, enquanto lavradores e cavaleiros asseguram a guarda de honra (fotografia de Joaquim da Silva Pinheiro, 1957)

“Na lezíria de Vila Franca receberá a soberana e seu marido as homenagens da lavoura ribatejana. Na herdade do Camarão, propriedade dos Herdeiros do saudoso Dr. Emílio Infante da Câmara, próximo à estalagem do Gado Bravo, naquela planura que se estende a perder de vista, na margem direita da estrada que de Vila Franca conduz ao Porto Alto, concentrar-se-ão, em luzida parada, 200 campinos das várias casas de lavoura da região entre o Tejo e o Sorraia, com as suas montadas e os seus típicos barretes verdes, a jaqueta ao ombro, sobre o colete encarnado, e o pampilho na dextra”, relata Virgílio Arruda.

“A Rainha de Inglaterra deve chegar ao local cerca das 17 horas [de dia 20] e o povo poderá assistir a estas recepção e festa típica à volta de tranqueiras, na propriedade citada e na que fica em frente, do outro lado da estrada, pertencente ao sr. José de Lacerda Pinto Barreiros. O trânsito na estrada será interrompido desde as 16 às 17 horas. Finda a festa, Isabel II, escoltada pelos cavaleiros-lavradores e pelos campinos atravessará, de automóvel, a ponte Marechal Carmona e passará pelas ruas de Vila Franca no seu regresso a Lisboa.

“De um palanque que se erguerá junto à casa do maioral da herdade – construção de um só piso com um pátio em arcadas – a régia visitante poderá admirar o colorido friso desses campinos a recortar-se sobre a lezíria verdejante, na qual se fará, também, a concentração de centenas de cabeças de gado. Em seguida, durante um «chá» oferecido à Rainha, na referida casa de campo, exibir-se-ão ranchos folclóricos nas suas danças e cantares, não faltando, por certo, o fandango”, descreve o jornalista, não poupando elogios ao “infatigável” lavrador José Van-Zeller Pereira Palha, a quem a organização da festa foi “superiormente confiada”.

A 9 de Fevereiro de 1957, o ‘Correio do Ribatejo’ testemunhava que se “trabalhava febrilmente no alindamento e ornamentação de praças e avenida, ruas e estradas que Isabel II e a sua comitiva hão-de percorrer”, sentindo-se que a região respirava um ambiente festivo, “prenunciador dos grandes acontecimentos”.

Envolvidos estiveram igualmente os governadores civis de Santarém, Évora, Portalegre e Beja, bem como “outras entidades”. Com o trânsito cortado ao longo do itinerário da comitiva real, os parques de estacionamento e as bermas largas estariam livres para poderem ser utilizados pelos veículos e pelos peões que desejassem ver passar o cortejo: “Recomenda-se que todos deverão ocupar os seus lugares fora da faixa de rodagem, até uma hora e um quarto antes da passagem do cortejo”.

Isabel II saudada por campinos na tribuna real em Vila Franca de Xira (Arquivo da Revista “Vida Ribatejana”, 1957)
Isabel II saudada por campinos na tribuna real em Vila Franca de Xira (Arquivo da Revista “Vida Ribatejana”, 1957)

“Os horários referidos dizem respeito a viaturas automóveis. As viaturas hipomóveis e bicicletas deverão contar com uma hora mais cedo para as suas deslocações”, informa este jornal na sua edição de 9 de Fevereiro.

Acresce que na edição seguinte (16 de Fevereiro) o ‘Correio do Ribatejo’ torna público o desejo de Sua Majestade “de passar lentamente nas localidades onde se aglomerarem pessoas á sua passagem”.

“Para conciliar este desejo que, evidentemente, será satisfeito, pede-se ás pessoas que desejem assistir à passagem da Rainha, que se concentrem tanto quanto possível junto às povoações, de modo a poderem ver desfilar o cortejo lentamente, pois só nessas localidades será possível abrandar a marcha”, aconselha o Jornal.

20 de Fevereiro de 1957: a “grandiosa e vibrante” recepção

“Festejada com o maior carinho e o mais delirante entusiasmo” a Rainha de Inglaterra recebeu por todo o Ribatejo provas da maior simpatia.

Na Lezíria de Vila Franca teve a mais vibrante emoção o festival em honra de Isabel II, que em Santarém teve uma calorosa recepção, passada para as páginas impressas deste Jornal por Virgílio Arruda, numa pormenorizada descrição publicada na edição de 23 de Fevereiro de 1957 que aqui reproduzimos, dando conta da “grandiosa e vibrante” manifestação de afecto à rainha:

“As ruas Alexandre Herculano e Cidade da Covilhã, o Largo da Piedade, a rua 31 de Janeiro estavam completamente apinhadas, como os passeios, os largos, as janelas, o Jardim da República e a alameda da Escola de Cavalaria. Em vários pontos a Câmara mandou colocar tiras de pano com saudações à Rainha. No largo da Piedade estavam a Legião e a Mocidade Portuguesa a banda dos bombeiros, com as duas corporações, Sindicatos Nacionais, alunos da Escola Comercial e Indústrial e do Liceu Sá da Bandeira, alunos do Seminário, com o reitor e corpo docente da Escola de Regentes Agrícolas, também com os seus alunos, Colégios de Santa Margarida, Andaluz e outros mais, escuteiros e escolas primárias, com cerca de cinco mil crianças, Ranchos folclóricos das Fontaínhas, da Casa do Povo da Azinhaga e do Vale de Santarém.

Quando o cortejo real chegou à entrada da cidade a população, em delírio, aclamou Isabel e Filipe.

O Rancho de Azinhaga exibiu-se para o par real, merecendo sorrisos da soberana e acenos do duque. Pouco depois, a banda dos bombeiros executou o hino inglês. A bandeira da cidade e trinta estandartes de colectividades locais inclinaram-se sobre o carro real.

Na Rua 31 de Janeiro o automóvel em que seguia Isabel II passou sobre as capas dos estudantes.

Em todo o trajecto, a soberana, comovida, acenava para a multidão que agitava bandeiras inglesas e portuguesas. A certa altura, Isabel de Inglaterra, apercebendo- se de que um grupo de alunas do Colégio de Santa Margarida pretendia oferecer-lhe um ramo de flores mandou parar o automóvel e recebeu a oferta com um sorriso.

Para Santarém veio gente dos arredores, principalmente do Cartaxo, Vale de Santarém,

Alpiarça, Alcanhões, Vale de Figueira e de muitos outros pontos. Em todo o percurso guardas da P. S. P., sob o comando do sr. capitão Artur das Dores Figueiredo, asseguram o serviço de ordem”, relata o ‘Correio do Ribatejo’ de 23 de Fevereiro de 1957.

A descrição estende-se aos concelhos vizinhos: em Almeirim, o repórter dá conta de “um aluvião de colchas e colgaduras. Nas ruas, nas janelas, nos telhados, nas árvores e nos postes, um novo entusiasmo. Desde as primeiras horas da manhã que Almeirim surgiu em alvoroço, que aumentou à medida da aproximação da hora. Na Praça da República estavam concentradas as autoridades, Câmara Municipal, Junta de Freguesia e Casa do Povo, cujo grupo folclórico se exibiu à passagem da rainha, a qual se deteve para observar o trajo típico da terra.

Presentes, também, as Sociedades de Desportos e Recreio, as crianças das escolas e do Instituto Conde Sobral, que deram uma nota interessante, formando alas em parte do percurso, todas vestidas de branco e empunhando, cada uma, bandeirinhas com as cores de Portugal e Inglaterra.

A vila ofereceu aos régios visitantes figuras com os trajes característicos da região e, ainda, uma caixa em forma de livro, com três garrafas do vinho regional mais antigo ali existente.

Em Salvaterra e Benavente, salvas de morteiros assinalaram a passagem do cortejo. Aclamações entusiásticas. Dísticos de saudações à rainha e ao duque.

Em Benavente, milhares de pessoas radicaram- se nas ruas da Índia Portuguesa e Luiz de Camões. Junto à ponte sobre o Sorraia estavam representações da Câmara Municipal, U. N. e L. P., Grémio da Lavoura, Casa do Povo, Club Artístico, bombeiros, Colégio de Benavente e os alunos das escolas primárias com as suas batas brancas.

Á chegada do cortejo a banda da Sociedade Filarmónica executou o hino nacional e subiram ao ar muitos foguetes e morteiros.

Todos os edifícios das ruas do percurso se encontravam lindamente ornamentados com motivos regionais e o chão coberto de flores.

No momento da passagem da rainha o entusiasmo e as manifestações foram verdadeiramente apoteóticas.

Um cidadão inglês aqui residente leu uma saudação ao régio casal, ao qual a rainha e o duque agradeceram com acenos. Também em Samora Correia a população convergiu para as ruas do percurso. Milhares de pétalas, atiradas dos telhados dos edifícios, cobriram os automóveis.

Na lezíria de Vila Franca não podia ser mais admirável o espectáculo em honra da Rainha. Pode dizer-se que a partir das 14 horas começou a afluência de gente não só da região como de Lisboa, Santarém, de todo o Ribatejo e Alentejo. A P.V.T. viu-se em sérios embaraços para estabelecer alguma ordem.

Em dada altura e devido em parte à circunstância dos veículos terem de pagar a portagem, o trânsito ficou engarrafado e houve carros que gastaram mais de uma hora a percorrer os 3 quilómetros que separam Vila Franca da propriedade onde se realizou a festa. É impossível calcular o número de pessoas que ocupou lugares nas tribunas, na estrada e nos campos. Dezenas de milhar, sem exagero.

Na Lezíria de Vila Franca - Cavaleiros do Ribatejo e Alentejo formam em guarda de honra à chegada da Rainha
Na Lezíria de Vila Franca – Cavaleiros do Ribatejo e Alentejo formam em guarda de honra à chegada da Rainha

A festa ribatejana foi organizada pelo lavrador sr. José Van-Zeller Pereira Palha, em colaboração com o Governo Civil de Santarém e Junta de Província do Ribatejo. No recinto foram construídas tribunas pela associação de Agricultura, Ministério da Defesa, Câmara Municipal de Vila Franca, Fernando Infante da Camara e Companhia das Lezírias, as quais, muito antes da chegada dos soberanos, já estavam repletas.

O recinto destinado aos reais visitantes encontrava- se vedado por tranqueiras. Voltada para a campina erguia-se a tribuna real, assente em três carros lezirões e com tecto de palha. As ornamentações consistiam em alfaias agrícolas e as cadeiras eram alentejanas, rústicas.

Lateralmente, dois outros carros, também lezirões, armados com típicos fueiros, para a comitiva. A entrada da tribuna, pastores alentejanos, envergando pelicos e safões, acompanhados de cães de gado da sua região.

Da tribuna até à casa de lavoura, uma passadeira de flores campestres. Entre as duas instalações, dois recintos livres onde se concentraram os ranchos de Benavente, do Pego (Abrantes) e ainda os infantis Scalabitano e dos Pescadores do Tejo, estes orientados pelo nosso amigo Celestino Graça.

A casa de lavoura foi preparada para receber o par real. Atapetada também com grisandas, fora decorada com mantas, alfaias agrícolas e cabeças de touros e ao centro uma pequena imagem de Santo Isidro, patrono da lavoura. Desta decoração e do restante preparo ornamental incumbiu-se o lavrador Sr. Homero Câncio. À direita deste rústico e improvisado salão de recepção, dotado com aquecimento, ficava uma sala de estar ao gosto regional, preparada pelo artista Fernando Abranches.

Lá estavam a lareira a arder, a braseira, abóboras, muitas flores, bateria de cozinha de cobre e um lavatório de ferro, cujas louças de faiança tinham pintadas as iniciais da Rainha. Sobre a mesa, revestida por uma colcha minhota, recipientes de vidros com apetitosas frutas. Na decoração não faltavam os ingénuos palmitos e no chão peles de carneiro.

Lavradores do Ribatejo e Alentejo fizeram a guarda de honra.

Em frente da tribuna real um vasto trecho da lezíria, ao fundo da qual se alinhavam duzentos campinos de várias casas agrícolas envergando os seus trajos característicos e segurando o pampilho em toda a bizarria do colete encarnado.

Muito antes da chegada da Rainha Isabel já no recinto reservado para a recepção se encontravam centenas de pessoas. Além da comissão de recepção, constituída pelos lavradores srs. José Van-Zeller Pereira Palha, Fernando Infante da Camara, José Infante da Camara, Prudêncio Duarte, Marquês de Faial, D. Domingos Teles da Gama, D. Luiz Ervideira, João Núncio, Acácio de Brito e Castro, D. Vasco Jardim, Visconde da Corte e Joaquim Paiva Raposo, encontravam-se quase duas centenas de outros lavradores do Ribatejo e distritos alentejanos.

Presentes os srs. Dr. Mário Madeira, José Feliz Mira, Eng. João de Castro Reis e drs. Matos Chaves e António Fragoso, governadores civis, respectivarnente, de Lisboa, Évora, Santarém, Portalegre e Beja; dr. Artur Proença Duarte, presidente da Junta de Província do Ribatejo; tenente Sousa Nazaré, drs. Jacob Pinto Corrêa e Ferreira Lourenço, presidentes das Câmaras, respectivamente, de Vila Franca de Xira, Santarém e Benavente; dr. Santos Cartaxo e dr. Cruz Filipe secretários dos Governos Civis de Évora e Santarém; e Dr. António Amaral, Delegado do I.N.T.P. neste distrito.

Pouco tempo antes da chegada de Isabel li e do duque de Edimburgo compareceram os srs. ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, subsecretário da Aeronáutica,

embaixador Teotónio Pereira e dr. Amaral Marques, representante do sr. ministro do Interior.

A tarde caía. Grandes nuvens valorizavam o magnífico cenário da campina, sobre a qual o Sol, a declinar num horizonte nublado, ia estendendo a penumbra vesperal.

A multidão era densa. Milhares de automóveis ficavam ao longo da estrada, no tejadilho dos quais se encarrapitavam os curiosos. Os lavradores, envergando a indumentária castiça, montados em belos cavalos, postaram-se à entrada das propriedades.

Ouviu-se um murmúrio vindo de longe, prenúncio de que se avizinhava o cortejo real. E poucos segundos depois, por entre vivas calorosas e palmas, Isabel II e o duque de Edimburgo.

Aclamados em delírio desceram junto da instalação agrícola. Os ranchos começaram a dançar e, depois de se demorarem, um momento, a contemplar a assistência o régio casal e a sua pequena comitiva subiram para a tribuna.

Antes, porém, o presidente do Município de Vila Franca de Xira, sr. tenente Nazaré, ofereceu à rainha um traje de campino destinado ao príncipe Carlos.

Logo que a rainha Isabel e seu marido entraram na tribuna, foi o palanque rodeado pelos lavradores. E, logo em seguida, lá do fundo da planície arrancou a cavalgada de campinos. De pampilho ao alto e desbarretando- se, ergueram vivas à Rainha. Depois, retiraram a galope para o ponto de partida.

E começou o espectáculo tipicamente ribatejano do apartamento do gado. Foram apartados quatro touros. Munidos de pampilho sem pua para não molestar os animais, os campinos foram isolando nos cabrestos, um a um, os touros, os quais, correndo desabaladamente entre dois campinos destros, o barrete a flutuar ao vento, o pampilho bem manejado, eram levados para o jogo de cabrestos postado no outro extremo do campo.

Via-se que o espectáculo, de grande colorido e movimentação, interessava o casal régio, em especial Isabel II, que seguia com grande curiosidade a corrida do touro levado entre os campinos.

Terminado o espectáculo o duque de Edimburgo esteve a apreciar um belo exemplar de cavalo de ferro Gama, montado pelo cavaleiro tauromáquico João Núncio.

Entretanto, o povo invadiu o recinto reservado e aclamou, em frenesim, o régio par, ao qual raparigas em trajos regionais ofereciam doces em açafates algarvios, ornamentados com chitas de Alcobaça, e pequenas canastras das varinas. Foi-lhe servido o chá na tribuna e entretanto, os ranchos típicos, ao som de harmónio e violas, exibiam danças regionais que despertaram curiosidade.

Um pouco afastado da tribuna, instalado num carro de lavoura, um «bar» era destinado à Imprensa nacional e estrangeira.

Ás 18 e 20 a rainha e seu marido desceram da tribuna entre alas de lavradores e, acompanhados de membro do Governo, do embaixador Teotónio Pereira e alguns dos principais lavradores visitaram a casa da lavoura, admirando a sua decoração.

Poucos minutos passados, depois de receber lindíssimos ramos de cravos e rosas, a soberana inglesa, com o duque de Edimburgo, por entre vivas e no meio de acenar de lenços, continuou a sua viagem de regresso a Queluz. Ao longo da estrada do Cabo, a multidão comprimia-se e saudava o casal régio, que viu à entrada de algumas propriedades saudações em inglês.

Na campina pastavam belos exemplares bovinos e a espaços do percurso faziam guarda de honra grupos de lavradores a cavalo.

Á entrada da ponte, para escoltar o cortejo, um numeroso grupo de campinos, também a cavalo.

A ponte estava liberta de multidão, mas à saída, do lado de Vila Franca, alinhavam-se e aglomeravam-se milhares de manifestantes, que batiam palmas e agitavam bandeirinhas.

O automóvel, iluminado interiormente, facilitava a visão dos reais ocupantes a quem eram dirigidas as mais entusiásticas saudações.

De regresso ao seu país, Isabel II, agora, melhor avaliará o alcance transcendente da Aliança que funde, pelo correr dos séculos, os anseios de Paz e Fraternidade dos dois povos, verdadeiramente amigos.

Acima das mais dolorosas parcelas do Destino, para lá dos anseios e decisões dos arquitectos da História, levanta-se firme e invulnerável, a visão magnífica dessa Aliança, expressão lídima e vivaz de união e confiança recíprocas de Portugal e Inglaterra”.

E foi desta forma que pela pena do jornalista Virgílio Arruda ficou eternizada nas páginas deste jornal a visita de Isabel II à região, em 1957, que aqui recordamos, numa altura em que o Mundo chora a sua morte.

JOÃO PAULO NARCISO

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