18 anos depois, a União Desportiva de Santarém regressou aos campeonatos nacionais de futebol, o lugar onde o clube de uma capital de distrito tem de estar. Nos últimos dois anos, o ‘clube de Santarém’ passou por um processo de reestruturação que começa agora a dar frutos. “A UDS precisava de ser activada novamente. É uma marca com muito potencial de desenvolvimento e vale a pena lutar por isso”. Palavras de José Gandarez, presidente da Assembleia-Geral do clube e o seu principal investidor que, nesta entrevista, assume a ambição de chegar à Primeira Liga com jogadores da terra.
Que objectivos é que a UDS definiu para a nova época?
Para esta época, queremos, decididamente, alcançar o melhor resultado possível. Tentar chegar à segunda liga, mas sabendo que estamos agora a começar nesta divisão, depois de uma longa ausência. Temos que ir passo a passo. Primeiro, garantir a manutenção. Depois, tentar estar nos lugares da frente. E, depois, tentar – apesar de sabermos que é um campeonato muito difícil, em 72 equipas só duas serão “felizes” – assegurar a subida. Sabemos que as equipas que vêm da distrital muito dificilmente se aguentam. Este ano, só oito não desceram, das que vieram da distrital. E há dois anos, só duas é que não desceram. Nós vimos da distrital e, não obstante o nosso passado, estamos a vivenciar toda uma experiência nova.
Este campeonato é mais exigente em termos desportivos e financeiros. Já existem números, em termos de orçamento, para este ano?
Temos as contas feitas. Facilmente se conseguem perspectivar esses números: é um campeonato de 18 equipas, vamos andar pelo País todo, temos deslocações aos Açores. Só em termos logísticos vai ser dispendioso. Para dar uma ideia: cada jogo em casa fica-nos em 1250€, só em termos de custos directos, acrescidos das taxas de inscrição. Agora, há que somar as viagens e tudo o resto. Por outro lado, infelizmente, o distrito não tem jogadores – como teve no passado – bons, experientes, para as nossas ambições. Praticamente temos três jogadores da terra, do distrito. Temos também esse peso logístico dos jogadores virem de Lisboa. Acho que somos o único clube que não disponibiliza casa e alimentação e somos dos poucos que ainda treinam à noite. A equipa não é profissional.
E vai jogar contra equipas que são?
Sim. Mas achamos que, por vezes, os problemas podem ser oportunidades.
Em relação ao orçamento, consegue adiantar um valor?
Nós já fizemos uma apresentação aos empresários locais, no Santarém Hotel, onde apresentamos esse orçamento: estamos sempre a falar de valores entre os 350 e os 400 mil euros.
E qual foi a reacção dos empresários locais?
Nesse encontro estavam bastantes empresários que se mostraram interessados no projecto. Eu não tenho razões de queixa, não só dos nossos empresários como dos habitantes da cidade. Quem acompanhou os últimos dois anos do clube pode ver que as pessoas – ainda não é a afluência que o Chã das Padeiras teve no passado – têm vindo ao estádio. No campeonato distrital já fomos, provavelmente, a equipa que mais gente levou aos jogos fora e a equipa que mais gente teve em casa. Contrariamente aos “Velhos do Restelo” e, confesso, até ao nosso pessimismo, eu não posso dizer que Santarém tenha estado de costas voltadas para o clube. Aliás, o clube é que esteve de costas voltadas para a cidade… Penso que esta instituição tem de voltar a trilhar um caminho de confiança, de ter uma credibilidade para as pessoas voltarem. E penso que as pessoas estão, realmente, a voltar: as pessoas da cidade estão a começar a ficar satisfeitas, a perceber que o projecto está à medida da cidade. Também os empresários ficaram surpreendidos, quer com a dimensão do investimento, quer com a nossa organização, e vamos continuar a trabalhar com eles para ver de que modo podemos colher algum apoio, já que é um investimento muito alto.
Dentro dessa cidade que fala, coloca também as instituições e a própria autarquia? Temos visto nas redes sociais o que se passou com o campo, que teve a ‘cara lavada’ pelas mãos de um grupo de associados apaixonados pelo clube, nomeadamente a claque, que lançou mãos a obra. Acha que esse trabalho devia ter sido feito pela autarquia?
Eu acredito e tenho a percepção que a autarquia está a despertar para a nova realidade da UDS. Portanto, tenho esperança que se compreenda a dimensão do projecto e que, pelo menos, tenhamos algum apoio como praticamente todos os clubes da nossa série têm. Dou um exemplo concreto: as equipas do Beira-Mar, do Leiria tem patrocínio das autarquias nas camisolas. A própria Câmara de Aveiro está a fazer um investimento – que é público – de 2,5 M€ em infra-estruturas para ceder ao Beira-Mar. A Câmara da Sertã, só para o Campeonato Nacional, dá aos dois clubes cerca de 300 mil € em dinheiro, para além do apoio em espécie… Sabemos que o Município de Santarém veio de uma situação financeira difícil e, portanto, existe claramente uma carência de infra-estruturas desportivas. Achamos que tem de ser feito um esforço neste aspecto para ir ao encontro da realidade que temos hoje em dia. Repare: ainda agora vim de um restaurante e estava cheio de pessoas de Águeda. Portanto: temos um Campeonato Nacional que pode servir para promover o Centro Histórico e a realidade dos comerciantes e dos nossos restaurantes. Há aqui uma dinâmica económica que pode ser aproveitada e potenciada. Portanto, tenho esperança que a falta desse apoio – do ponto de vista financeiro e logístico – possa, a breve trecho, ser ultrapassado. Não queremos apoios para pagar salários de futebol. Há muitas formas de ajudar, como com o próprio patrocínio nas camisolas, apoio logístico, nos transportes, alimentação, entre outros aspectos. Dificilmente, irei conseguir manter estes orçamentos sozinho e, por isso, estou à procura de parceiros credíveis que possam ajudar, tendo a consciência que isto é uma ‘lotaria’, subindo apenas dois clubes. Não é só uma questão de competência. Estamos a falar de cerca de 15 candidatos a subir à Segunda Liga e os que não sobem não quer dizer que falharam. É uma competição muito restrita. A parte financeira é essencial. Não acho que a CMS tenha que olhar só para a UDS: tem de olhar para os outros também, que também trabalham muito bem como, por exemplo, a Académica. Acho que é a altura de a autarquia olhar para o projecto à dimensão de uma capital de distrito. O apoio que queremos não é, nem diferente dos outros, nem superior.
O Correio do Ribatejo tem vindo a escrever a História da UDS e, ao longo destes anos, habituamo-nos me a ouvir que este é o clube “mais representativo de Santarém”. Enquanto presidente da Assembleia-Geral revê-se nessa frase ou, por outro lado, entende que falta alguma projecção desportiva a Santarém?
Eu comecei aqui a jogar futebol. Sou de cá e, aos 17 anos, fui viver para Lisboa. Mas nunca reneguei as minhas origens e estou cá sempre. Assim como o próprio Correio do Ribatejo é uma marca da cidade, a UDS também o é. A União teve uma vantagem, a sua fundação, a sua fusão. Penso que não há melhor sabedoria do que aqueles senhores, do Operário, dos Leões, e dos próprios Empregados do Comércio, que também se envolveram na época neste processo, e decidiram que o melhor era juntarem-se todos e fazer disto uma coisa grande: termos 20 ou 30 “quintas” não chegarmos a lado nenhum.
No lema da UDS está subjacente a união de todos. Eu não estou a dizer que tem que ser só este clube a existir. Antes pelo contrário. Acho que a Académica tem feito um trabalho insubstituível e tem que existir. E nós não temos meios nem pessoas para ter um clube por freguesia, nem acho que isso faça sentido. Em termos de ser o mais representativo, penso que, tendo o futebol sénior, a UDS pode voltar a ser. Para a cidade, ter um clube que está no planalto, nos Nacionais, tem todas as condições para o ser. Acho que o retorno reputacional, de conhecimento e notoriedade que a cidade pode ter, até em termos de negócio, com o clube numa segunda ou primeira liga acho que é inequívoco. Temos todos de trabalhar para isso. A UDS tem um investidor que depende do seu trabalho: não vai conseguir suportar este investimento sozinho muito mais tempo e eu até digo, com alguma piada, que se não fosse de Santarém, se calhar, já tinha tido mais apoio.
É fácil constatar o dinheiro que está aqui investido nos últimos dois anos. Até porque a UDS não tinha nada, nem autocarro, nem carrinhas. Actualmente, temos duas grandes carências: em primeiro lugar, as infra-estruturas desportivas: um clube não pode crescer só com um campo relvado. Temos que trabalhar conjuntamente com o executivo até termos investidores privados para colaborar. Por outro lado, também não tem receitas fixas nenhumas. A UDS não tem um bar, não tem uma sede, um posto de gasolina como outros clubes têm, por exemplo. Não tem um apoio sustentado e reiterado da CMS ou de outras entidades. Eu dou como exemplo, o terreno da ‘Rua O’, que foi dado em direito de superfície ao UDS. Está uma acção em Tribunal contra a Repsol para o terreno reverter para a CMS. O principal modelo de sustentação do Casa Pia é as bombas da Repsol, que estão em Lisboa. Esse tipo de apoio o nosso clube não tem. A UDS é credora em muitos aspectos. Não percebo porque foi tomada a decisão de reverter os terrenos da Repsol para a CMS sem consultar a UDS. O clube tem direito a esse património que já foi dado. Mas há muito apoio, sem ser dinheiro, que a CMS pode dar. Dou o exemplo de um parceiro nosso, o Hospital da Luz, que já está a investir ainda não estando cá, mas onde havia um direito de reversibilidade dos terrenos e isso não foi feito. E era uma coisa que nos podia ajudar muito: muitos clubes têm 50.000€ de receita de bar, nós não temos. Até há pouco tempo ouvi dizer que o UDS é o clube mais apoiado pela CMS porque investiu um milhão de euros na aquisição do Chã das Padeiras. Mas isso não é bem assim: o campo foi adquirido por um milhão de euros porque ia ser integrado num projecto imobiliário de reconversão do Campo Infante da Câmara. Ninguém investiu 1 milhão de euros no Campo Chã das Padeiras para dar o campo à UDS. Adquiriu-se esse terreno, e as pessoas que estiveram nesse negócio ainda estão em Santarém, por 1 milhão de euros, para aqui fazer um projecto. Ninguém investiu 1 milhão de euros para dar ao UDS, isso é falso.
O apoio que temos tido é aquele referente ao associativismo, como todos os outros clubes. A rega, a Água, e a electricidade… e agora tivemos um esforço conjunto de melhoramento do Chã das Padeiras, que foi mínimo, para poder receber aqui os jogos. A pintura dentro das instalações foi a SAD que investiu. Acho que não estamos a pedir nada de especial e há carências mais importantes na cidade para salvaguardar, mas achamos que é altura de se olhar para a UDS.
O União tem quantos associados neste momento?
O clube perdeu a sua sede. O UDS ainda tem, creio, no pavilhão antigo, algumas taças e a base de dados que foi recuperada do local e que temos aqui contabilizava cerca de 4.400 nos tempos áureos. Neste momento, temos cerca de 300 sócios, com as cotas pagas. Estamos a fazer um trabalho de actualização. Ainda recentemente, quando abrimos a zona da bilheteira, tivemos 30 e poucos sócios a vir pagar. Aí estamos a crescer cada vez mais. Não queremos só a envolvência dos sócios, queremos a envolvência da sociedade e dos outros clubes. Não é só A UDS que está nos nacionais, a Académica de Santarém está no nacional de juniores….
O convite a outros clubes para estarem presentes no jogo inaugural da época demonstra essa abertura de que fala?
Eu reuni com todas as associações de estudantes do ensino superior localizadas em Santarém, inclusive com as tunas: Os alunos podem vir ver os jogos sem pagar. Eu quero ver o Chã das Padeiras cheio. Eu gostava que a UDS fosse para os estudantes do ensino superior de Santarém como a Académica de Coimbra para os alunos da Universidade. Fiquei um pouco frustrado porque a maior parte dos alunos dizem que à quinta-feira vão embora e chegam na segunda…. Mas ficaram satisfeitos pela parceria que estamos a tentar fazer, inclusive com o ISLA e as duas associações de estudantes do Liceu e Ginestal Machado.
Queremos, igualmente, envolver o próprio comércio do concelho. Em relação ao comércio do Centro Histórico, estamos a ponderar uma parceria que visa dar descontos ou oferecer bilhetes a que fizer compras no comércio local. Estamos também a envolver a comunicação social da terra. Em suma: temos de fazer de Santarém, e do campo Chã das Padeiras aquela muralha, aquele “inferno”, ter o estádio cheio. É preferível abdicar um pouco da receita de bilheteira para que as pessoas começem a sentir e a ter uma bandeira e um símbolo. Já fui ver jogos do Rugby, participei quase sempre nas iniciativas dos ‘Night Runners’, cheguei até a patrocinar provas. Eu acredito que temos que fazer mexer a cidade a apoiarmo-nos uns aos outros. O convite foi para virem com as camisolas dos seus clubes porque o que importa é estarmos todos por Santarém. Quem vier com as próprias camisolas dos clubes, mas seja de Santarém entra. Os jogadores da Académica de Santarém que venham com o seu cartão entram e não pagam. E podem vir com o equipamento da Académica. Há uma coisa em comum: Santarém.
Há muitos anos que se fala de um protocolo – que penso que nunca avançou – que seria a Académica poder ser o ‘grande fornecedor’ de jogadores para os seniores do UDS. Vê isso com bons olhos?
A UDS, com o seu projecto, não pode viver sem formação e não pode deixar de a ter. Santarém, com o nível de crianças que tem vindo para o futebol tem espaço para os dois clubes. Não terá espaço para mais mas para estes dois terá com certeza. E são complementares. O presidente da Académica até nos fez o desafio de lançarmos uma equipa comum de sub-23. Eu disse que não temos campos… nem ele, nem nós. Até poderíamos fazer essa equipa em comum mas não temos condições. Quando comecei o projecto eu disse que o objectivo, para além da formação e de subir aos nacionais, era o futebol feminino. O UDS tem grande tradição no sector feminino. Só que não temos campos… Se tenho carências na formação – e nós com a SAD começamos com 40 miúdos e este ano já vamos ter 200 – isso acontece porque não temos espaço para os treinar. Não dá para sonhar sem infra-estruturas. Não somos só nos que temos carências, a Académica também terá, certamente.
É possível sermos complementares, mas penso que a Académica não irá abdicar de ser um clube de formação e nós, tendo seniores, também não podemos abdicar dessa formação. Com os juniores queremos, também, em três anos, chegar aos Campeonatos Nacionais. Se me perguntar qual o grande sonho da União, digo-lhe: queremos chegar à primeira liga com jogadores da terra. Eu joguei sempre na UDS e era comum ouvir-se, “quando é para subir é com os da terra, quando chegam aos nacionais, vão buscar jogadores de fora”. A grande ambição do UDS é poder formar. Quer jovens da Académica, quer jovens da UDS. Serem eles a integrar o plantel de seniores. Quem me dera que o nosso plantel fosse da cidade.
Para além do futebol, o que é o União?
Não acredito muito em clubes monomarca, só com um produto. Temos uma equipa de Snooker, quero lançar o Basquetebol e tivemos, no ano passado, uma proposta para iniciar com o Futsal. A questão é que, para construir, leva tempo mas para destruir é muito fácil. As pessoas são poucas. Isto vive muito de voluntariado. Santarém tem carências de infra-estruturas desportivas, não só de futebol. Provavelmente, se a UDS criasse uma equipa de Basquetebol, de raiz, sem ser em acordo com ninguém, se calhar não teria onde jogar. Seria difícil. Mas queremos outras modalidades. Temos um projecto social, fizemos um desafio a uma instituição da terra, totalmente inovador. Espero, no final do mês, poder anunciar, eu e essa instituição, essa parceria.
Que mensagem gostaria de deixar à cidade?
Acreditem em nós. Em vez de estarem à espera, ajudem-nos a tentar ganhar. Ganhar não é só ganhar em campo. É colocar Santarém no mapa do desporto nacional. Juntem-se a nós. Vamos acreditar!