António Pina Braz, director do Agrupamento de Escolas Dr. Ginestal Machado, em Santarém, partilha os desafios que a sua instituição enfrenta no início do ano lectivo, destacando a necessidade de adaptação às novas exigências demográficas e tecnológicas. Em entrevista ao Correio do Ribatejo, o responsável aborda questões como a inclusão de alunos estrangeiros, a gestão de recursos humanos e materiais, e as medidas implementadas para preparar a escola para um futuro digital, mantendo a qualidade educativa como meta principal.

Quais são os principais desafios que o seu agrupamento enfrenta no início deste novo ano lectivo? Como estão a ser geridos os recursos humanos e materiais para garantir o normal funcionamento das actividades lectivas?

Neste princípio de ano lectivo, os principais desafios que se colocam, referem-se à dificuldade causada pela falta de espaços de trabalho com os alunos, que acaba por constranger de alguma forma a elaboração de calendários horários. Esta dificuldade decorre principalmente de duas questões: a redução de alunos por turma e consequente aumento das mesmas e o aumento do número de alunos, principalmente originários de outros países e que constituem 21% dos alunos do Agrupamento.

Esta realidade implicou a colocação de monoblocos nas escolas dos Leões e Mem Ramires, aumentando dessa forma o número de salas de aula. Por razões estranhas ao Agrupamento verificou-se um ligeiro atraso na conclusão dos trabalhos necessários, que têm implicado um desgaste acrescido em termos organizativos e ao trabalho a desenvolver. Neste âmbito está a decorrer uma intervenção em termos de obras, instalação eléctrica e equipamentos na Escola Ginestal Machado, com o objectivo de colocar em funcionamento o Centro Tecnológico Especializado de Informática no segundo semestre deste ano lectivo.

Relativamente aos recursos humanos, a exemplo dos anos anteriores, conseguiu-se mais uma vez a colocação de todos os professores. Estão em curso apenas as contratações de professores para substituição de professores doentes. No que concerne ao pessoal não docente, observa-se falta crónica de profissionais, não só porque a população escolar tem aumentado, mas também porque as instalações da maioria das escolas do Agrupamento serem antigas e implicarem mais trabalho, assim como pelo aumento de alunos que necessitam de medidas de apoio e acompanhamento e que implicam um trabalho personalizado e individual.

O governo implementou recentemente a medida de limitar o uso de telemóveis nas escolas. Qual é a sua opinião sobre esta política e como está a ser aplicada no seu agrupamento? Acredita que terá um impacto positivo no ambiente escolar?

A questão do uso de telemóveis e outros equipamentos electrónicos nas escolas do Agrupamento tem sido alvo de observação, análise e debate, o que levou a que há já alguns anos tenha merecido uma intervenção em termos de utilização e que se consubstancia em parte no Regulamento Interno. A política agora divulgada vem atrás de uma questão que carecia de outra abordagem e do devido reconhecimento, para os problemas que está a criar aos mais jovens e já criou aos mais velhos.

A questão da utilização de equipamento de comunicação digital e outros não decorre da incorrecta utilização pelas escolas. Vem do exterior das escolas, vem das famílias, vem dos círculos de amigos, vem da imitação dos mais velhos, vem da crença de que a tecnologia tudo resolve, decorre de todos aceitarem estar 24 horas contactáveis e do pouco cuidado que de uma forma geral se observa na sociedade por parte de todos os agentes, quer em termos laborais, quer pessoais e familiares.

No momento em que este problema é já grave e em que são publicados estudos que confirmam o que se observa diariamente, de repente passa a falar-se do assunto em público e surgem as primeiras medidas, para um assunto que deve ser encarado em muitos casos como uma doença (porque é viciante e de difícil substituição).

Cada escola/agrupamento/comunidade terá de adoptar as medidas que considere necessárias, para limitar este problema social, devendo ter em consideração outros aspectos, como a livre escolha, a possibilidade de decisão diferente em realidades diferentes, assim como a possibilidade de responsabilização de cada um e do colectivo. Sem responsabilidade e apenas com limitações, será mais difícil, mas terá melhores resultados.

No caso do Agrupamento e tendo em consideração que se acordou regulamentar (Regulamento Interno) nos últimos anos, passou sempre pela responsabilização de todos os actores e a criação de regras básicas de utilização. Os telemóveis não são permitidos em sala de aula, salvo se em devido tempo o professor informar os alunos, que em determinada aula essa ferramenta será necessária para o trabalho de sala de aula. Ao mesmo tempo é desincentivado o uso desses equipamentos fora da sala de aula, devendo verificar-se a interacção pessoal e presencial, realidade que implica a sensibilização e o diálogo. O registo de fotos é interdito em todos os espaços escolares.

No que se refere aos profissionais é interdito o uso durante os períodos de trabalho, para uso pessoal.

O respeito pelos outros, a importância dada às relações pessoais, a responsabilização de todos, o bom senso e a ponderação, como em todas as realidades da vida de cada um de nós, trará sempre melhorias quer individuais, quer colectivas, o que se espera da correcção de comportamentos e atitudes, que humanizem mais as relações e aproximem mais as pessoas.

Com o aumento das necessidades de inclusão e diversidade nas escolas, de que forma o seu agrupamento está a preparar-se para acolher alunos com diferentes perfis, tanto a nível académico como social?

O trabalho relativo à inclusão de diferentes alunos, com diferentes perfis, com problemas em termos de estrutura familiar, provindos de países estrangeiros onde não se fala português, está subordinado a um processo dinâmico de adaptação e procura de respostas adequadas, desde sempre, se bem que nos últimos anos as exigências sejam cada vez maiores, impliquem mais atenção, novas formas de abordagem e mesmo de novas soluções, é um trabalho desenvolvido pela escola/agrupamento desde sempre, com o maior cuidado.

Nos últimos anos o esforço tem sido de facto maior, mas com o apoio da tutela, da autarquia e de outras entidades, todas as necessidades têm tido a resposta possível e têm sido acompanhadas de forma cuidada e constante.

Por exemplo, no caso de famílias mais necessitadas, os jovens têm apoio alimentar para o pequeno-almoço, almoço e lanche, para além de manuais escolares, transportes, equipamento informático, visitas de estudo, roupa, medicamentos, quer de forma institucional quer decorrente de apoios privados e campanhas realizadas pela comunidade.

Um outro exemplo de apoio, neste caso a cidadãos não falantes de português, é o projecto implementado ao nível do Português Língua de Acolhimento, que permitirá que este ano lectivo, tenhamos de forma institucional o ensino da língua e cultura portuguesa a adultos estrangeiros em aulas nocturna, com objectivo de incluir mais rapidamente estas pessoas na nossa sociedade e para que os jovens mais rapidamente aprendam esta nova língua.

A digitalização da educação é um tema recorrente, mas há desafios evidentes, desde a falta de recursos tecnológicos até à capacitação dos docentes. Como está o seu agrupamento a enfrentar estes desafios e a preparar-se para o futuro digital na educação?

O equilíbrio entre o ensino da utilização de meios tecnológicos e os seus tempos de utilização é hoje, como já referi, um campo que requer a melhor atenção, desde logo porque os alunos começam ainda no primeiro ciclo a manusear equipamentos informáticos (cedidos pelo Agrupamento), tendo depois no seu currículo a disciplina de Tecnologias de Informação, no ensino básico (cedendo o agrupamento equipamentos informáticos para todos os alunos.

Neste campo defendemos nos últimos anos, que as escolas/agrupamento têm de estar atentas aos concursos, que surgem, quer a nível nacional, quer a nível europeu. As alterações decorrentes do financiamento dos estabelecimentos de educação, os protocolos de delegação de competências, o papel diferente que as autarquias assumiram no processo de administração dos recursos escolares, implicam uma atenção permanente e o concurso regular a novos projectos, nomeadamente ao nível dos recursos digitais.

No nosso agrupamento temos em curso a execução e projecto ganho, âmbito do Clube de Ciência Viva, que totalizará uma dezena de milhares de euros e que em parte envolve recursos digitais.

Candidatamo-nos logo na primeira fase, sendo um dos primeiros agrupamentos a nível nacional a ver aprovado um Centro Tecnológico Especializado, neste caso de Informática, elaborado, candidatado e gerido pelo agrupamento, sem qualquer outro apoio, o que foi e continua a ser um trabalho muito difícil pela sua complexidade, que envolve um investimento de quase um milhão de euros.

Também neste campo do digital desenvolvemos uma dezena de projectos Erasmus+, em parceria com diversos países europeus, para intercâmbio de alunos e professores, assim como para estágios de formação para os mesmos.

Uma parte significativa destes projectos centrou o seu trabalho ao nível do digital, o que permitiu resultados e trabalhos muito interessantes. Foi neste âmbito que registamos mais de três centenas de alunos e professores em formação em outros países, incluindo quase meia centena de alunos, que realizaram estágios entre duas semanas e dois meses, em empresas estrangeiras, tendo já alunos com propostas de trabalho nas mesmas ao nível do digital. Estes projectos mereceram um investimento superior a meio milhão de euros, provindos de projectos aprovados.

Em termos de formação e complementando o supra-referido, o Agrupamento em parceria com os restantes Agrupamentos da região e do Centro de Formação da Lezíria do Tejo, organiza a cada dois anos um plano de formação para professores, com uma oferta de perto de uma centena de acções formação, sendo uma parte substancial das mesmas, na área digital.

Que expectativas tem em relação ao ano lectivo 2024/2025 e quais são as prioridades da direcção do seu agrupamento para garantir uma educação de qualidade para todos os alunos?

O ano lectivo que agora se inicia, a exemplo de anos lectivos anteriores, comporta sempre a confiança necessária de todos no trabalho dos seus pares, colegas e companheiros, sejam professores, alunos, não docentes ou famílias, tendo por premissa incontornável que o processo educativo, seja a que nível for, se baseia sempre na confiança. Confiança nos outros, confiança nas capacidades de cada um e nas capacidades do colectivo.

Confiança e capacidades, que como muito bem foi colocado na questão apresentada, pressupõe a procura da qualidade. Qualidade em tudo o que se faz, qualidade no trabalho, o que implica rigor e exigência. A qualidade do que cada um faz e que o colectivo pretende e persegue, não se pode confundir com o lugar comum, que regularmente se ouve, que passa pela afirmação da excelência. São duas realidades diferentes, sendo que o centro da atenção, objectivos e metas do Agrupamento são de facto a qualidade.

A qualidade que perseguimos poderá representar-se de diferentes formas, destacando duas a título de exemplo.

Nos últimos anos a taxa de sucesso escolar dos alunos do Agrupamento passou de menos de noventa por cento, para mais de noventa e cinco por cento. Mas não foi apenas a taxa de sucesso escolar que melhorou. A taxa de sucesso pleno (alunos que transitam/são aprovados a todas as disciplinas aproximou-se de oitenta por cento, a taxa de alunos que integrou o quadro de excelência foi superior a catorze por cento, a taxa de retenção repetida limitou-se a um por cento e a taxa de abandono escolar, registou apenas zero vírgula três por cento.

Estes são alguns dos indicadores de qualidade, que se conseguiram nos últimos anos e se pretende continuar a perseguir, o que acreditamos ser possível com o apoio, colaboração e confiança de todos.

 A outra vertente da procura da qualidade, foca-se na melhoria e correção de atitudes e na importância dada a um conjunto de valores e princípios que são fundamentais a uma vivência social tranquila com humildade, respeito e trabalho.

Aproveito para desejar a toda a comunidade educativa um bom ano lectivo, com muito trabalho, com a necessária colaboração entre todos e com a necessária confiança que com a partilha e ajuda de todos, os objectivos desejados serão por certo alcançados.

Leia também...

“No Reino Unido consegui em três anos o que não consegui em Portugal em 20”

João Hipólito é enfermeiro há quase três décadas, duas delas foram passadas…

O amargo Verão dos nossos amigos de quatro patas

Com a chegada do Verão, os corações humanos aquecem com a promessa…

O Homem antes do Herói: “uma pessoa alegre, bem-disposta, franca e com um enorme sentido de humor”

Natércia recorda Fernando Salgueiro Maia.

“É suposto querermos voltar para Portugal para vivermos assim?”

Nídia Pereira, 27 anos, natural de Alpiarça, é designer gráfica há seis…