Focado em reforçar a presença da cultura tradicional na região, o Rancho Folclórico de Vale de Figueira organiza a segunda edição do Festival de Cultura Avieira, convidando membros da comunidade a interagir com elementos da academia numa conferência multi-temática. César Cordeiro e a Direção apostam no fortalecimento do projecto.

Qual a importância da Cultura Avieira para o Rancho Folclórico de Vale de Figueira?

A Cultura Avieira tem uma representação forte no nosso Rancho Folclórico desde a primeira hora. Foi uma das preocupações das pessoas que fundaram este Rancho Folclórico: garantir que a comunidade de pescadoras e pescadores estava bem representada. Isso pode observar-se nos trajes que são usados e, se revisitarmos o espólio fotográfico das apresentações do grupo, verificamos que a presença avieira é uma constante. Por outro lado, também na sede do nosso rancho folclórico é possível observar uma boa quantidade de objectos em exposição, incluindo artes de pesca. Há uma enorme ligação afectiva a esta comunidade, à qual pertencem alguns elementos do nosso grupo. Por outro lado, boa parte do repertório do nosso Rancho Folclórico assenta no cancioneiro dos pescadores. Temos músicas e letras específicas da aldeia da Barreira da Bica, únicas, o que é para nós muito gratificante. 

O que levou à criação desta iniciativa? Qual a adesão da comunidade?

Apesar de tudo isto que acabo de dizer, sentimos que havia mais, muito mais, que estava a perder-se. Nós temos a felicidade de ter em Vale de Figueira uma pessoa que se tem dedicado bastante à preservação da Cultura Avieira e que é hoje uma pessoa reconhecida por todos, o José Gaspar, um dos elementos fundadores do nosso Rancho Folclórico. Tem feito muito pela divulgação da Aldeia da Barreira da Bica e do modo de vida da comunidade, e nós achámos que, com o Rancho Folclórico, conseguiríamos ir um pouco mais além, através da representação etnográfica. Mas só conseguimos representar se houver conhecimento do que se está efectivamente a representar. Portanto, pensámos nesta iniciativa como uma acção de formação e foi esta a génese do Festival de Cultura Avieira. A questão é que começámos a perceber que havia toda uma imensa comunidade académica que tinha muito a partilhar e a ensinar e que fazia sentido abrir a iniciativa a toda a gente. E foi o que fizemos: estruturámos um programa multidisciplinar, juntámos a academia e a cultura popular e decidimos fazer uma iniciativa que atraiu pessoas de toda a região logo na primeira edição. Acho que a comunidade aderiu.

Acredita que há forma de manter a Cultura Avieira viva?

Acredito. Não se pode voltar atrás, evidentemente. Nem é desejável. Tenho tido conversas muito marcantes com pessoas da comunidade, antigos pescadores e pescadoras, são pessoas muito sofridas, tiveram vidas duríssimas. Mas também me dizem que têm saudades do rio, da liberdade que o barco lhes dava, de irem onde quisessem sem dependerem de ninguém. Têm saudades do sabor do peixe acabado de pescar e do convívio. Eu acho que tudo isto é Cultura Avieira e grande parte deste espírito ainda está vivo. Mas falta-nos fazer muito pela parte material: recuperar caminhos, casas – se possível – barcos, utensílios, roupas, até fotografias! Mas estamos a fazer esse esforço e acredito que um dia será possível. Não é por acaso que a nossa Conferência se preocupa tanto com o próprio rio Tejo e fala tanto dele. O Tejo é o berço de uma miríade de comunidades que se estenderam pelas margens do rio e eu acho que a Cultura Avieira é de uma enorme riqueza. Perdê-la seria o mesmo que perder um tesouro valioso, tão valioso como a Cultura da Lezíria ou a Cultura do Bairro. Estas três culturas formam a identidade de Vale de Figueira, correm nas veias de cada um de nós.

De que forma é que o Rancho Folclórico pode contribuir para enriquecer culturalmente a região?

Prosseguindo o trabalho que tem vindo a fazer: contribuindo para a formação dos componentes e do público através de um plano de actividades aberto a todos. Desenvolvemos iniciativas nas quais procuramos envolver as pessoas, explicamos o que estamos a fazer, que objectivos temos. A Direção do Rancho Folclórico de Vale de Figueira, que tenho a honra de presidir, é pequena, mas dinâmica. Todos têm ideias e dão contributos, todos participam e isso tem-se reflectido na dinâmica do próprio grupo. Fazemos um esforço por acompanhar as actividades culturais da região e estabelecemos um intercâmbio constante. Ainda agora, por exemplo, convidamos as outras colectividades a estarem presentes no Festival de Cultura Avieira, para que possam também beneficiar do conhecimento que vai ser partilhado… 

Quais as principais dificuldades que o Rancho Folclórico enfrentado e que apoios tem tido?

Este ano foi de grande transformação para o Rancho Folclórico de Vale de Figueira. No ano passado aderimos à Federação do Folclore Português, concretizando um dos objectivos desta Direção. Queremos introduzir maior rigor na nossa representação, dando maior consistência a este projecto cultural, e isso implicou uma reestruturação profunda. O nosso plano de actividades ganhou outra dinâmica, demos início a um processo de recolha etnográfica e iniciámos também um investimento pesado na renovação dos trajes. Ao nível da composição do grupo, houve também alterações profundas, com a saída de alguns componentes e com a entrada de muitos outros, até na própria tocata, o que implicou um processo de aprendizagem muito bem conduzido pelo nosso director técnico, o Domingos Matos. Esse processo culminou com a apresentação da nossa XL Edição do Festival Nacional de Folclore, à qual juntámos o II Festival Ibérico. As reacções do público permitiram-nos reforçar a convicção de que estamos no caminho certo e a chegada de mais elementos ao grupo tem revelado que o projecto está a construir-se de forma positiva, que é o que nos interessa. As dificuldades, são, evidentemente, as que todo o associativismo enfrenta: a falta de apoios. Ano após ano, são sempre as pequenas empresas que nos ajudam e são sempre as autarquias. As grandes empresas fecham-nos a porta e, ao nível das autarquias, contamos com apoios de natureza logística e pouco mais. A título de exemplo, segundo a imprensa regional, uma festa popular com um cantor ou cantora da moda, a que se chamou “festival avieiro”, na nossa região, no Verão passado, recebeu 13 mil euros de apoio; a nossa iniciativa, onde de facto se trata a Cultura Avieira e onde se colocam a região e os agentes culturais da região em primeiro plano, receberá 659,97 euros quando apresentar contas, depois de ter pago todas as despesas que a iniciativa vai implicar. Se isto é uma dificuldade? Claro que sim. Ainda assim, estamos muitíssimo agradecidos às nossas autarquias, que têm estado sempre presentes. Sem esse apoio, seria impossível. Recordo que temos uma sede cuja aquisição e obras de requalificação contaram com o apoio da Câmara Municipal de Santarém e da Junta da União de Freguesias. Sem esse apoio e sem o apoio dos meus colegas de Direção, de alguns e algumas componentes e também de algum trabalho voluntário teria sido impossível. Não posso também deixar de agradecer o muito afecto da população para com o Rancho, é um projecto muito acarinhado desde sempre e as manifestações desse carinho são uma constante junto de nós. É esse o nosso “combustível” …

Que grandes projectos destaca? O que tem no horizonte?

O ponto alto do nosso plano de actividades é sempre o festival anual de folclore, mas em 2025 acreditamos que vamos conseguir surpreender pela positiva com uma iniciativa nova e multidisciplinar. De resto, temos no horizonte não só a realização dos eventos a que a população de Vale de Figueira e arredores se habituou, mas também pequenos momentos culturais tradicionais com os quais pretendemos marcar o calendário, reintroduzindo tradições quase perdidas. É também essa a nossa missão.

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