Nasceu no seio de uma família cristã praticante e de origem humilde. Num tempo longínquo, onde a terra ainda era lavrada com o auxílio de animais, houve um texto bíblico que o chamou para a prática religiosa. O texto “Deitar a mão ao arado e olhar para trás não é digno do Senhor”, levou-o a confiar na palavra do Senhor e a ver os resultados positivos na relação com os outros e consigo próprio.
O voto de confiança de Deus veio em 1980, na sequência do seu crisma. Seguiram-se os seminários e a comprovação do chamamento, na pregação do retiro, em fevereiro de 1982. O seu percurso como sacerdote iniciou-se em 1988, estando ao serviço do Senhor há 37 anos.
Recentemente foi nomeado reitor do Santuário do Santíssimo Milagre e assistiu à elevação deste a santuário diocesano.
O Correio do Ribatejo esteve à conversa com o Padre Aníbal Vieira, que expressou as suas convicções sobre a importância da elevação do santuário, os desafios da comunidade cristã em Santarém e o futuro da igreja em Portugal.
Foi nomeado reitor do Santuário do Santíssimo Milagre, numa altura em que este foi elevado a Santuário Diocesano. Que significado tem para si esta nomeação e este novo estatuto do Santuário?
Em termos de estatuto do santuário, tem uma clarificação e a importância que o povo de Deus lhe vai dando. Ao ter um estatuto próprio de santuário, tem do ponto de vista eclesial e canónico, um enquadramento próprio, nomeadamente em termos de administração, benefícios e graças que são concedidos a estes lugares.
Quanto à nomeação, foi uma situação que se tornou necessária. É uma missão de responsabilidade e procuro fazê-lo com o máximo de humildade, enquanto o Bispo quiser.
Que mudanças práticas trouxe esta elevação do Santuário, tanto na gestão interna como na relação com os fiéis e peregrinos?
Ainda estamos a tentar estudar como é que vamos melhorar o acolhimento e tentar criar mais condições, para uma vivência espiritual mais intensa ligada à eucaristia.
Têm sido dados alguns passos, mas ainda não é fácil encontrar pessoas para ajudar nesta missão.
Quais são para si as prioridades imediatas para garantir que este espaço responda às expectativas da comunidade e dos fiéis?
Não há, assim, nada extraordinário, porque trata-se de um lugar que já era de peregrinação e de acolhimento. Penso que precisa de uma maior rapidez de respostas em relação às solicitações. Porque recebe muita gente, grupos sem marcar e que chegam de repente. Estes grupos querem logo ser atendidos e é preciso criar uma certa serenidade, até para eles poderem viver estes lugares.
Nas suas homilias e intervenções públicas tem chamado a atenção para o individualismo crescente na sociedade e para o papel central da família. Quais são os desafios concretos que detecta hoje na vivência comunitária e cristã em Santarém?
Em primeiro lugar é que as pessoas não sentem o gosto de pensar a vida. Penso que uma das coisas que precisamos é que as pessoas sintam vontade de usar a sua liberdade e as suas qualidades, para criar um projeto pessoal. Muitas vezes as pessoas estão um bocadinho fixadas, ou nas suas ideias, ou nos seus sentimentos. E isto cria barreiras e limitações até na concretização do projeto pessoal.
É este o significado de ser igreja, de ser membro de uma comunidade. Em que as pessoas não apenas vão à procura do seu “eu” com Deus, mas que sintam esta alegria de estar uns com os outros, a celebrar a fé.
É necessário este espaço de diálogo, de abertura e também de adoração. E a pandemia trouxe-nos, por um lado, este individualismo que se acentuou, mas por outro lado muita frustração. Em que as pessoas sentiram muito vazio e muita dor.
E há todo um desafio agora de ver a alegria da fé e da relação uns com os outros.
Como vigário-geral e pároco em várias freguesias, como é que concilia as múltiplas atividades com a proximidade que sempre manifesta para com a comunidade?
Nós temos de estabelecer prioridades. Há coisas que dá para fazer de noite. As noites não têm portas e há as tarefas primeiras em qualquer comunidade que têm de ser feitas. Vou procurando fazer de acordo com as capacidades e colaboradores que tenho.
Por exemplo, em termos de processos administrativos da paróquia de batismo, há uma parte pastoral que faço, mas nós temos uma secretária que resolve esse problema da parte administrativa dos registos. Na parte da contabilidade, dos dinheiros, temos leigos que tratam disso tudo nas várias comunidades cristãs.
Assim como na diocese, também temos vários funcionários e temos colaboradores gratuitos o que, de facto, nos liberta de atividades, por exemplo, em paróquias de aldeia, para poder estarmos, mais do ponto de vista espiritual, a atender, a resolver ou a tratar dos assuntos.
O santuário também realiza eventos, para promover o encontro entre a fé, a cidade e os visitantes?
Tem dois ou três momentos. Entre eles o 16 de Fevereiro, que é o dia de Aniversário do Milagre e a grande festa na Pascoela com procissão, que junta muita gente.
Que papel acha que o santuário deve ter na promoção da religiosidade popular e do património espiritual e cultural de Santarém?
O santuário é mais do que promover, é para acolher. Há aqui toda uma série de atividades. Por exemplo, as crianças da primeira comunhão aqui da cidade têm feito aqui a celebração e outros momentos da vida da igreja. Mas principalmente, criar um bom ambiente para que as pessoas se sintam acolhidas.
Neste momento, penso que um dos desafios da Câmara, é a ligação de onde param os autocarros até o santuário. Ainda hoje estava a sair do Santíssimo Milagre e lá estava um senhor de cadeira de rodas.
Ora, o caminho do Largo Infante Santo, até ao Milagre, nomeadamente aqui na rua Capelo Ivens, tem muitas irregularidades que dificultam alguém com a mobilidade reduzida a ir ao santuário.
Penso que já está pensado, criar aqui uma melhor acessibilidade. Para quê? Para que o Santuário não seja apenas o único na cidade a receber, mas que também as pessoas se sintam bem e possam demorar mais tempo na cidade. E nomeadamente, possam também fazer o comércio local crescer.
Que balanço faz do seu percurso como sacerdote, iniciado em 1988, e como olha para o futuro da igreja na diocese e no país? Acha que há motivos para esperança?
Estamos no Ano Santo da Esperança e, portanto, não tenho dúvidas relativamente à esperança. Tenho-me sentido sempre feliz nestes 37 anos de sacerdote, que se completaram no dia 16 de Julho. Já percorri várias comunidades e sinto gosto nisso. As pessoas reconhecem o meu trabalho e dizem que sentem saudades minhas.
Significa que tive alguma intervenção positiva. Também há gente marcada negativamente, não tenho dúvidas disso.
É ter sempre a humildade de fazer tudo o que posso para o bem, mas também aceitar as minhas limitações e a certeza de que não sou perfeito. Quero fazer o melhor possível no tempo e de acordo com a vontade do Bispo. Já vou no terceiro Bispo que conheci e não tenho dúvidas de ir e de aceitar as missões que me vão sendo confiadas.
Em termos de diocese, temos vindo a diminuir o clero. Quando comecei, éramos mais padres. Neste momento estamos já com menos de 50 padres, para as 113 paróquias da diocese e os outros serviços, o que é preocupante, em termos de manter as coisas como habitualmente temos e vamos ter de adequar às possibilidades.
Quais são os motivos para que isso esteja a acontecer?
Poucos filhos, ou seja, a população também diminuiu. O não viver a fé. A juventude vive por vezes as atividades, mas não tem a ousadia de se interrogar mais diante de Deus e daí as próprias dificuldades de resposta.
As dificuldades para a entrega no sacerdócio são também como as dificuldades para a fidelidade no matrimónio. Nós hoje vemos que há um nível crescente, um nível muito grande de casais, ou que nem sequer casam, ou que não tomam decisão de entrega na dimensão sacramental, assim como não tomam decisões definitivas, de certa forma. O viver felizes para sempre é uma expectativa em que não há passos concretos, como em relação ao sacerdócio. Há um certo receio.
O senhor é conhecido pelo seu bom humor e frontalidade. O que é, para si, mais importante transmitir às pessoas no seu ministério diário? Que mensagem gostaria de deixar aos fiéis de Santarém?
Gosto que sintam que Deus os ama e que todos somos amados por ele. Este amor precisa ser alimentado e cuidado.
A Igreja não vive na dependência de um, mas de vários. E esta complementaridade, quer de formas de pensar, de estar, de caminhar, quer nas comunidades cristãs, quer no mundo, são fundamentais, assim como não ter medo da frontalidade daquilo que pensamos.
Uma tensão é fundamental para crescer e para caminhar, para abrir as perspetivas. Hoje há mais espaço de aceitação, de liberdade, mas as pessoas têm de ser mais corajosas a pensar a vida espiritual.
Nós temos sede de Deus no nosso interior, o nosso interior quer uma vida espiritual. Não vale a pena andarmos à procura em charcos para beber, mas sim ir ao encontro de Cristo e escutar a sua palavra.
RP