João Gomes, artesão de Pernes, é finalista do Prémio Nacional de Artesanato 2021, na categoria Inovação, promovido pelo IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional. O artesão pernense quer que arte dos torneados renasça em Pernes, ver os Mestres Torneiros serem valorizados e convidados a partilhar o que sabem com gerações mais novas.
Como é que o João Gomes se torna artesão? A minha formação académica foi no Curso de Professores do 1º Ciclo, portanto nunca tive a intenção de ser artesão. Fui no entanto construindo um currículo informal em diversas áreas do artesanato, serigrafia artesanal, cestaria de junca, cestaria de papel, olaria, moldes, produção com pele, marionetas e fantoches, marcenaria criativa e só mais tarde torneados em madeira. A ‘Artesão’ enquanto conceito e realidade começa de uma forma mais altruísta em 2002. Na altura a minha preocupação era o declínio da indústria de torneados de Pernes e a praticamente inexistência de novas pessoas a aprender. A criação da marca ‘Artesão’ surge então com o intuito de sugerir algumas formas de valorizar as produções tradicionais, tais como, sugerir formas de embalamento de peças, onde constasse informação sobre materiais utilizados e técnicas de produção e dar a conhecer o artesão que as produzia, com o objectivo de aumentar margens de lucro e, se possível, vender directamente ao consumidor final. Muito embora eu tenha iniciado algumas produções experimentais entre 2002 e 2015, é em 2015 que formalizo a oficina, tenho reconhecido o estatuto de artesão e opto por abraçar o artesanato como a única actividade profissional. A ‘Artesão’ é hoje uma oficina multidisciplinar que compila uma diversidade significativa de técnicas, saberes e materiais. É uma oficina que combina a execução técnica não só na criação de peças, mas também na recuperação e reutilização de materiais e saberes antigos, em absoluta consonância com um conceito de sustentabilidade e preocupação ecológica.
Que tipo de peças fabrica no seu atelier? Na ‘Artesão’ criam-se maioritariamente peças de autor, a maior parte das vezes construídas com materiais já existentes na casa de cada cliente, ou usando materiais recolhidos e armazenados por mim. Assim a produção vai desde de pequenos objectos em madeira, como brinquedos e utensílios de cozinha, a mobiliário e estruturas, casas de banho de compostagem e eco-casas. Sempre que possível as peças são exclusivamente torneadas em madeira, ou acrescento às produções pormenores ou objectos torneados.
A ‘Artesão’ é sua marca. Sentiu necessidade de criar esta marca para diferenciar os seus produtos? A diferenciação do meus produtos acontece naturalmente e sobretudo porque as solicitações que me iam fazendo e os materiais pré-existentes pediam essa diferenciação. A diversidade de áreas que fui explorando, formal e informalmente, permitiram-me ir respondendo a isso. Portanto não posso dizer que tenha criado a marca para diferenciar, mas que a diferenciação dos produtos que iam surgindo tornou a ‘Artesão’ uma marca diferenciadora.
Faz muitas das suas peças com materiais reciclados ou reaproveitados. A sustentabilidade e a preocupação ambiental é um dos factores preponderantes da sua arte? Absolutamente sim! O meu trabalho enquanto professor praticamente não aconteceu em classes regulares, estive quase sempre em ONG`s, em projectos mais sociais e posteriormente em Angola, onde desenvolvia materiais pedagógicos a partir do que existia. Em ambas as situações os recursos eram limitados e era necessário ser-se criativo. Quando se tem menos para produzir respeita-se mais o que se tem e praticamente tudo pode ser utilizado. Esta experiência foi valiosa para o que faço agora. Marvão e Castelo de Vide desempenharam um papel muito importante nesta preocupação de sustentabilidade, antes de mais por se estar em ambiente de Parque Natural e depois porque as madeiras antigas utilizadas na construção são madeiras nobres, portanto das remodelações saem madeiras com história, personalidade e um potencial imenso. O conceito principal foi o de devolver à casa as madeiras que sempre lá estiveram, até serem substituídas, e devolvê-las com um novo formato e para um fim destinto. Procuro utilizar apenas produtos de base aquosa, ou ceras e óleos naturais, não utilizo produtos sintéticos e procuro reduzir ao mínimo os excedentes das produções.
É finalista do Prémio Nacional de Artesanato 2021, na categoria Inovação. O que sente ao ver que o seu trabalho é reconhecido? Estar nesta lista final é uma honra que aceito e sinto que mereço, o caminho até aqui não foi fácil, as mudanças e sacrifícios que tive de fazer foram significativos e o preço a pagar foi algumas vezes alto. Por outro lado este processo revelou mais de mim, inspirou-me e abriu novas perspectivas, foi, em suma, um caminho determinante para o meu percurso e para chegar a este momento. Sinto assim um misto de alegria pelo reconhecimento do meu trabalho e uma esperança de que o meu percurso inspire os Artesãos/ Mestre Torneiros de Pernes. É quase como fechar um círculo e voltar ao altruísmo que me fez iniciar este caminho. O que me marcou mais nesta fase de selecção foi ver um apoio público tão grande, tão diversificado e tão incondicional, é uma honra e uma emoção ter o apoio de tanta gente. Agradeço assim absolutamente a todos os que têm votado em mim e apoiado o meu trabalho. Não posso deixar de agradecer também os apoios públicos institucionais que tive nesta fase de votação pública, agradeço assim por ordem de apoio à Câmara Municipal de Castelo de Vide, Junta de Freguesia de Póvoa e Meadas, Câmara Municipal de Marvão, Sociedade Recreativa e Filarmónica Pernense, Junta de Freguesia de Pernes e Câmara Municipal de Santarém.
A indústria de torneados de Pernes tem estado em declínio com cada vez menos artesãos. Que falta fazer para contrariar esta tendência? Esta é sem dúvida a questão fundamental que deve fazer-se e que Pernes já devia ter feito há muito tempo atrás. Antes de responder a esta questão gostava de deixar bem claro que eu, em relação à minha terra, não sou apolítico, mas sou apartidário, por isso espero que a minha resposta seja entendida simplesmente como a de alguém que se importa, pensa e age sobre este assunto há muito tempo. O declínio da indústria de torneados de Pernes é inquestionável e a resposta sobre o que fazer para alterar essa tendência está dada há muitos anos, mas parece menos óbvia do que aquilo que deveria: A indústria de Torneados de Pernes não está em declínio por haver poucos artesãos/ torneiros, ainda hoje, há em Pernes bastantes Mestres Torneiros com uma experiência e capacidade de execução fabulosas, e artesãos a produzir peças muito interessantes, o declínio deve-se à falta de sustentabilidade que terão os que decidiram existir. A inversão do número de Artesãos/ Torneiros, será directamente proporcional ao sucesso e viabilidade que tenha a indústria/ produção artesanal. A questão passa a ser então a do porquê a indústria dos torneados não estar a ser viável ou bem sucedida? É importante termos orgulho num próspero passado industrial, é importante querer manter viva a memória dos Mestres Torneiros de Pernes com monumentos ou museus, mas é fundamental repensar a forma como temos abordado este assunto e imperativo desenhar um plano de acção que assegure a sustentabilidade de quem ainda produz e dos que queiram começar a produzir. Esporadicamente passa por Pernes alguém com uma peça nova para os torneados ou carpintaria, nós produzimo-la, alteramos este ou aquele pormenor e apropriamo-nos dela, sem aprender verdadeiramente com o que acabou de nos acontecer e sem recordar a lição antiga de que esta operação fácil tem os dias contados. Os Torneados de Pernes precisam de designers a criar novas peças e conceitos para a nossa indústria, a acompanhar as tendências do mercado, precisam de uma produção que prime pelo brio e pela exclusividade, precisa de uma produção que assente em madeiras nobres e peças de autor, tão exclusivas quanto possível, e precisa de um plano ao nível do embalamento e da venda ao público. Na conjuntura actual a loja física tornou-se menos importante e o mercado internacional é digitalmente alcançável. Se as limitações financeiras das empresas não permitem ter designers tanto industriais como gráficos, pode recorrer-se à compra de direitos através da realização de concursos dirigidos a designers industriais e gráficos,, como acontece, por exemplo, com um Concurso Nacional de Literatura Infantil, que adquire dessa forma a propriedade intelectual de autores e ilustradores. Pernes poderia adquirir assim a propriedade intelectual de novas peças e embalagens. As parcerias interinstitucionais locais e nacionais são outra das soluções ao nível da formação: combinar o saber dos Mestres Torneiros com os estágios de alunos do Agrupamento de Escolas, ou incentivar os estudantes da região para a formação em áreas que contribuam para o desenvolvimento da nossa indústria, sobretudo a formação ao nível do design industrial. Não seria de todo justo dizer que nada foi feito, Pernes tem já reconhecida a «Marca Pernes», um processo extremamente burocrático e moroso, que culminou em 2013 com o reconhecimento pelo Instituto Nacional da Proteção Industrial de algumas produções de Pernes, entre elas a Indústria dos Torneados. Pernes tem assim na mão, como sempre teve, tudo o que precisa para que as coisas corram bem e se inverta essa tendência de declínio, mas é importante não ter ilusões, é premente mudar e mudar bem.
Onde é que os clientes podem encontrar e comprar as suas peças? Como a Artesão é uma oficina que não trabalha com moldes e que depende do que a madeira tiver para oferecer os produtos que poderão encomendar serão apenas semelhantes aos que podem ver nas imagens, cada peça acaba por ser única. Algumas das peças não serão, de todo, possíveis comprar porque foram feitas especificamente para alguém ou porque já não consigo encontrar os materiais que utilizei na altura. Podem ver algum do meu trabalho em: https://www.facebook.com/artesao.portugal
Que desejos tem para o futuro? Vou focar os meus desejos para o futuro apenas nos torneados em madeira e no artesanato. Gostava de ver a arte dos torneados renascer em Pernes, ver os Mestres Torneiros serem valorizados e convidados a partilhar o que sabem com gerações mais novas. Gostava de ver a Marca Pernes assumir o seu potencial pleno e ser uma compiladora de novas ideias e conceitos com peças novas e grafismo sólido. E, naturalmente, gostava de vencer o Prémio Inovação do Prémio Nacional de Artesanato deste ano e ver outros Mestres Artesãos e Torneiros de Pernes fazerem o mesmo e muito mais no futuro.