Gostamos de acreditar que o egoísmo, o egocentrismo ou o narcisismo são defeitos dos outros. São rótulos que colamos à pressa, como quem se protege de um espelho demasiado nítido. Mas a verdade é que todos, em maior ou menor grau, somos atravessados por esses traços. Não são patologias exteriores que apenas alguns carregam. São antes correntes subterrâneas que percorrem cada um de nós, às vezes mansinhas, outras vezes em turbilhão.
Inatas e adquiridas.
Quem nunca quis ser reconhecido, ouvido, aplaudido? Quem nunca se fechou no seu mundo, esquecendo que há outros universos a pulsar ao lado? Quem nunca acreditou, ainda que por segundos, que a própria dor ou alegria tinha uma intensidade única, impossível de ser compreendida por mais ninguém?
As diferenças não estão na presença ou ausência do ego, mas na dose. Uns vivem presos ao espelho, reféns da sua imagem. Outros passam de raspão, mas não resistem a espreitar de vez em quando. Uns precisam de palcos, outros contentam-se com um olhar cúmplice. Mas todos partilhamos essa fome silenciosa de existir um pouco mais do que os outros, nem que seja por instantes.
E, no entanto, o espelho não mostra tudo. Porque também todos, em maior ou menor grau, trazemos o impulso contrário: a vontade de cooperar, de dar a mão, de partilhar a mesa, de sorrir ao estranho que passa. Somos também feitos dessa matéria: da alegria de ajudar, da satisfação discreta que brota quando vemos o outro florescer com o nosso gesto. Aqui também as diferenças são de grau. Uns vivem para o coletivo, outros guardam reservas para si; uns são generosos em permanência, outros em ocasiões especiais; mas ninguém está isento de sentir o apelo da partilha, a necessidade de se ligar.
Mas há ainda o jogo das aparências. Quantas vezes um gesto solidário não esconde, no fundo, uma busca de reconhecimento? Quantas vezes a dádiva não é antes uma forma de engrandecer quem dá, mais do que de aliviar quem recebe? O palco da solidariedade é, por vezes, apenas outro cenário para o mesmo ator: o ego, disfarçado de altruísta. Isso não anula o valor do gesto — afinal, quem recebe continua a beneficiar —, mas obriga-nos a desconfiar da pureza das intenções. A fronteira entre generosidade e vaidade é muitas vezes ténue, quase invisível.
Talvez o essencial seja aceitar que habitamos estas duas margens: o eu que se afirma e o nós que nos acolhe. O ego e a empatia entrelaçados num jogo de equilíbrios imperfeitos. Reconhecer isso não nos diminui — antes nos torna mais reais.
No fundo, todos somos egoístas e altruístas, narcisistas e solidários, solitários e gregários. Apenas em diferentes matizes. E é nesse vaivém de graus, nesse mosaico de contrastes, que se desenha a arte possível de viver em comum.
