No final de dezembro de 2020 o país escandalizou-se com a morte de centenas de animais na Quinta da Torre Bela. A montaria organizada no concelho da Azambuja gerou indignação de ativistas ambientais, autarcas e forças partidárias.

Soube-se depois que a morte de veados, gamos e javalis se relacionava com a construção de um megaparque de painéis solares (775 hectares). De pronto o Ministério do Ambiente e da Ação Climática emitiu um despacho que determinava a suspensão imediata do procedimento de avaliação de impacte ambiental do projeto “Centrais Fotovoltaicas de Rio Maior e de Torre Bela, e LMAT de Ligação”. Passada a tempestade o processo foi, calma e silenciosamente, retomado.

Assistimos ao nascimento de um novo problema ambiental que ocupa milhares de hectares no Ribatejo: proliferam os projetos de enormes centrais solares na Azambuja, Cartaxo, Alenquer, Santarém, Chamusca, Rio Maior ou Benavente.

Só um projeto de produção de energia solar de grandes proporções, em curso nos concelhos do Cartaxo e Santarém, pretende criar um parque solar que abrange uma área de 568 hectares, nas freguesias de Almoster, Vila Chã de Ourique e União das freguesias do Cartaxo e Vale da Pinta. Uma linha elétrica de muito alta tensão (220 kV), incluída no projeto, ligará o parque solar à subestação de Santarém, intercetando as freguesias de Vila Chã de Ourique, Almoster, Póvoa da Isenta e União das freguesias da cidade de Santarém. O projeto terá uma vida útil de 30 anos, segundo o Estudo de Impacte Ambiental apresentado pelo proponente.

Depois de uma petição criada em dezembro, de requerimentos do eleito municipal do Bloco de Esquerda de Santarém, Vitor Franco, e de intervenções na Assembleia Municipal do Cartaxo, levei o assunto à Audição Regimental do Ministro do Ambiente, na Comissão de Agricultura e Mar.

O Bloco de Esquerda reconhece a importância da produção solar fotovoltaica e não tem dúvidas sobre a sua relevância na descarbonização do país e no combate à crise climática. Entende, no entanto, que não devem ser hipotecadas vastas áreas do território – muitas delas sumidouros naturais de carbono – milhares de hectares de Reserva Ecológica Nacional e de solos adequados para a agricultura, para a floresta e para a biodiversidade, quando existem alternativas viáveis para a produção de energia solar. A produção solar descentralizada nas coberturas de edifícios e zonas improdutivas deve ser privilegiada e incentivada.

A criação de grandes parques solares deve estar sujeita a critérios ambientais, sociais e económicos transparentes e objetivos. Devem ser feitos todos os esforços para que a sua instalação ocorra sobre solos improdutivos, onde os impactes no ambiente são mínimos, enquanto se promovem processos de consulta pública com as comunidades locais.

Onde será a sede fiscal destas empresas? Quantos empregos serão criados e de que tipo? Haverá algum projeto educativo associado? Como serão salvaguardadas as áreas de Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional afetadas? Está garantido o desmantelamento e reconversão da paisagem, após a sua vida útil? Tantas questões por responder!

Não podemos passar do fóssil para o solar e manter o modelo centralista e predador de recursos naturais, que ignora as pessoas, o trabalho, o ambiente e o desenvolvimento local.

Há quem diga que este não é o momento para ter preocupações ambientais, mas se queremos ser mais resilientes nas próximas crises temos de fazer melhor. Produzir ricos não chega, temos de produzir riqueza que fique para as próximas gerações.

Fabíola Cardoso – Deputada do BE eleita por Santarém

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