Os jovens estão actualmente mais insatisfeitos com a democracia e mais de 57% dos que têm entre 15 e os 24 anos não revela qualquer interesse no tema. Os dados de um estudo recente da Marktest mostram, ainda, que os jovens entre os 18 e os 30 anos são quem menos vota nas eleições em Portugal. Precisamente porque a abstenção marca a relação da juventude com a política, três jovens de Santarém decidiram ‘descodificar’ a linguagem dos candidatos à presidência da capital de distrito, no intuito de estimular uma ida às urnas informada e consciente. Chamaram-lhe ‘Vota Santarém’.

Para tal, estabeleceram uma parceria com o Correio do Ribatejo que dá suporte a esta missão de levar os mais novos a interessarem-se sobre o que acontece na sociedade onde vivem e estimular os ‘millennials’ a envolverem-se na construção da sociedade.

Mariana Prudêncio, 21 anos, licenciada em Ciências da Comunicação, na área de Comunicação Estratégica, e actualmente Freelancer na área de Conteúdos de Edição, numa produtora televisiva assume o desafio: “queremos ser participantes na sociedade a que pertencemos”.

“A abstenção demonstra a falta de envolvimento que existe a nível nacional, e que infelizmente, ganha valores bastante elevados. É também esta preocupação o motivo deste projecto”, afirma ao ‘Correio do Ribatejo’.

O objectivo, segundo Mariana Prudêncio, é “levar a política, neste caso as eleições autárquicas, aos jovens, aproximando-os desta realidade”.

“Esperamos dar a conhecer os candidatos à Câmara Municipal de Santarém neste próximo mandato, de modo a que os escalabitanos tenham um voto consciente. Além disso, queremos informar sobre as eleições autárquicas, como é que estas se processam, e também algumas informações sobre o concelho. Queremos aproximar a política dos habitantes da cidade, tornando-os parte da mesma”, acrescenta.

Maria Rodrigues, 22 anos, licenciada em Ciências da Comunicação, na área de Jornalismo e actualmente a trabalhar em jornalismo de investigação e a estudar Comunicação Política sublinha: “É fundamental que se invista em educação para o voto”.

“O sistema de ensino está orientado para a memorização de conteúdos e muito pouco para a reflexão. Este cenário estimula pouco a iniciativa política e até a identificação com determinada ideologia”, reforça.

Para Maria Rodrigues “é urgente pensar em políticas públicas que estimulem o envolvimento político dos jovens e em medidas que eduquem e informem para o voto”.

O terceiro jovem envolvido no Projecto ‘Vota Santarém’ é Miguel Laia, 21 anos, residente na cidade de Santarém, licenciado em Ciências da Comunicação e actualmente a estudar Gestão do Desporto. É também Jornalista Estagiário na rádio TSF.

Para ele, “é preciso mais mobilização, no que concerne ao voto, no próprio conhecimento que se tem relativamente à política. Aí a escola deveria ter um papel mais relevante. Literacia política, ou seja, conhecer melhor, para poder decidir melhor”.

Segundo Miguel Laia, este projecto procura “tentar estreitar e dar a conhecer melhor a todos nós o que faz um deputado, um político, que limites tem, o que pode e não pode fazer. Entrar no mundo de um político, ajudar a desmistificar a sua profissão, possa ser um passo para quebrar preconceitos e atrair jovens para a causa pública”, remata.
Por isso, e para isso, nasceu o ‘Vota Santarém’.

JPN


“Queremos ser participantes na sociedade a que pertencemos”

Mariana Prudêncio, 21 anos. Licenciada em Ciências da Comunicação, na área de Comunicação Estratégica, e actualmente Freelancer na área de Conteúdos de Edição, numa produtora televisiva.

Como surgiu este projecto?
Face o número de abstenção das últimas eleições e também a falta de envolvimento dos scalabitanos enquanto cidadãos participantes, em Março, a Maria sugeriu um projecto onde poderíamos mudar isto. Iríamos levar a política, neste caso as eleições autárquicas, aos jovens, aproximando-os desta realidade. Depois de dizermos que sim a esta ideia, começamos a pensar em vários formatos possíveis e como o poderíamos realizar. Após vários meses de planeamento, conseguimos pô-lo em prática.

O que esperam alcançar?
Esperamos dar a conhecer os candidatos à Câmara Municipal de Santarém neste próximo mandato, de modo a que os scalabitanos tenham um voto consciente. Além disso, queremos informar sobre as eleições autárquicas, como é que estas se processam, e também algumas informações sobre o concelho. Queremos aproximar a política dos habitantes da cidade, tornando-os parte da mesma.

Como estão a operacionalizar e pôr em prática a ideia?
Entre várias reuniões e conversas constantes, definimos as áreas de trabalho de cada um. Desde pesquisas, elaboração de guiões de entrevistas, gravação das mesmas, criação de design e posts, tentamos trabalhar com o que nos sentimos mais à vontade, usando as áreas de estudo de cada um. Depois da preparação estar toda pronta, usamos as redes sociais para publicar os nossos trabalhos.

“A abstenção demonstra a falta de envolvimento que existe a nível nacional, e que infelizmente, ganha valores bastante elevados. É também esta preocupação o motivo deste projecto.”

Mariana Prudêncio

Como tem sido a abordagem aos candidatos da Capital de Distrito?
Começámos por enviar emails e contactarmos telefonicamente os candidatos, que se mostraram desde o início bastante disponíveis para a participação no projecto.

Qual é a importância da parceria com o Correio do Ribatejo?
O Correio do Ribatejo é uma referência para os habitantes de Santarém, incluindo para nós, enquanto jornal regional. Queríamos uma parceria onde as nossas ideias pudessem crescer, e não serem vistas como apenas mais um projecto. Assim, após o primeiro contacto, demonstraram sempre apoio e interesse no Vota Santarém, auxiliando-nos na concretização das nossas ideias e no reconhecimento do mesmo.

Quais são as questões de fundo que os jovens precisam de ver resolvidas?
Os jovens precisam de sentir que fazem parte de algo: da cidade em que vivem, do meio que os rodeia, e que estes sítios estão prontos para os receber. Precisam de condições para os seus futuros – a nível laboral, de habitação, de lazer – de espaço para as suas ideias, e serem ouvidos.

Só entre 45% e 52% dos jovens votaram nas últimas presidenciais, diz uma sondagem da Católica. Os níveis de abstenção jovem nas eleições é uma questão que vos preocupa?
Enquanto jovens, queremos ser participantes na sociedade a que pertencemos. A abstenção demonstra a falta de envolvimento que existe a nível nacional, e que infelizmente, ganha valores bastante elevados. É também esta preocupação motivo deste projecto.

O que se pode fazer, na vossa opinião, para contrariar isso?
Acreditamos que a educação para o voto e a consciencialização para a importância do mesmo são fundamentais para contrariar este números. Este é o principal o objectivo do Vota Santarém.


“É fundamental que se invista em educação para o voto”

Maria Rodrigues, 22 anos, licenciada em Ciências da Comunicação, na área de Jornalismo. Actualmente, a trabalhar em jornalismo de investigação e a estudar Comunicação Política.

O papel dos jovens na política tem-se alterado com o tempo? As anteriores gerações tinham um maior interesse e envolvência na política?
A sociedade está mais ou menos activa politicamente, consoante o período que atravessa. Os jovens, como parte mais activa da sociedade, reflectem isso. Em Portugal, os jovens foram, em vários momentos, parte importante das mudanças no país, muito ligado ao movimento estudantil. Desde a Geração de 70 no século XIX às lutas pelo fim da guerra colonial ou à oposição à PIDE nos anos 60. Por isso, o envolvimento político dos jovens não deve ser analisado apenas na filiação ou não a um partido. Hoje, os jovens continuam a ser as principais vozes dos movimentos sociais que marcam a actualidade, como o “BlackLivesMatter” ou a Marcha Mundial do Clima. Essa é também participação política.

Em termos de educação, acreditam que as escolas e faculdades alertam para a consciência cívica das crianças e jovens?
A escola está pouco preparada para envolver politicamente as crianças e os jovens. O sistema de ensino está orientado para a memorização de conteúdos e muito pouco para a reflexão. Este cenário estimula pouco a iniciativa política e até a identificação com determinada ideologia. Para além disso, nos graus de ensino obrigatório, o papel das instituições políticas e o próprio sistema eleitoral são pouco estudados, ocupando, maioria das vezes, os conteúdos finais do programa, leccionados, muitas vezes, à pressa. As faculdades, até pelo histórico de acção política estudantil, estimulam mais a reflexão política. No entanto, a falta de educação anterior faz com que os jovens, que não têm este incentivo em casa, tenham que ir por iniciativa própria perceber e estudar o sistema político.

Cada vez menos as pessoas estão fidelizadas a partidos, em particular os jovens. Qual a razão para esse fenómeno?
Os jovens têm ideias e valores, no entanto nem sempre se identificam na totalidade com um partido político. Muitas vezes, os partidos são espaços conservadores, onde os temas que mais interessam aos jovens não são os que dominam a agenda política. Com a emergência das redes sociais, os jovens têm um canal que amplifica as suas lutas, não estando tão dependentes dos partidos para dar a conhecer as suas causas e alcançar sucessos políticos.

Em 2019, o PAN levou à Assembleia da República uma proposta que previa o direito ao voto aos 16 anos, que foi chumbada. Pensam que seria uma boa medida?
O voto é um direito, mas é também um dever. Por isso, deve ser feito de forma consciente e informada. Nos últimos quatro actos eleitorais em Portugal, a abstenção só foi inferior a 50% nas eleições autárquicas de 2017, tendo atingindo percentagens superiores a 60% nas eleições europeias e presidenciais. A abstenção é um problema sério da democracia, que dificilmente encontra resposta no alargamento da idade permitida para votar. É, por isso, mais urgente pensar em políticas públicas que estimulem o envolvimento político dos jovens e em medidas que eduquem e informem para o voto.

O que pensam do voto obrigatório, solução adoptada por países como a Bélgica, o Luxemburgo e a Austrália?
O voto deve ser feito em consciência. Quando voto, sei que o faço livremente e que o meu voto tem o poder de manter viva a democracia. É, por isso, fundamental que se invista em educação para o voto.

A linguagem dos políticos tem de se adaptar às novas gerações?
O poder político só se mantém pela legitimidade que os cidadãos lhe dão. Em toda a história política, independentemente do regime, os eleitos, para manter o poder, precisaram de garantir que os eleitores continuavam a reconhecer-lhes legitimidade para os representarem. Por isso, é sempre necessária a adaptação aos interesses e às necessidades das gerações. Para isso, a mensagem tem que ser clara e chegar aos eleitores de forma perceptível e que lhes interesse.

“O sistema de ensino está orientado para a memorização de conteúdos e muito pouco para a reflexão. Este cenário estimula pouco a iniciativa política e até a identificação com determinada ideologia.”

Maria Rodrigues

Como adequar a linguagem para a geração ‘millennial’?
Com a imensidão de canais de informação que temos hoje à nossa disponibilidade, a mensagem precisa de ser mais clara do que nunca. Os jovens querem objectividade na comunicação política e não propriamente que se tente recorrer a “linguagem jovem”. É importante também ter em conta a adaptação à plataforma. Assim, a linguagem pode tomar a forma de imagem ou vídeo e tornar-se mais apelativa.

Que importância terão as redes sociais nesta campanha?
As redes sociais são hoje um espaço público importante. A maioria dos actores sociais, inclusive os políticos, já se serve das redes sociais para passar mensagens. São meios de transmissão de informação baratos e de amplo alcance. Apesar de as eleições autárquicas serem talvez as de maior proximidade com o eleitorado, as redes sociais são também uma forma de contacto, porque o próprio eleitorado está nas redes sociais. Por exemplo, os fóruns de debate online, usados por muitos candidatos, permitem que o eleitor não tenha que sair da sua casa para ir a uma iniciativa política. Esta dinâmica faz com que sinta que o candidato vai ao seu encontro e não o contrário.


“Achamos que a evolução tem de ser no sentido da educação”

Miguel Laia, 21 anos, residente na União de Freguesias da Cidade de Santarém. Licenciado em Ciências da Comunicação e actualmente a estudar Gestão do Desporto. É também Jornalista Estagiário na rádio TSF.

Como é que começaram a ganhar esta consciência cívica?
Essa consciência devemos muito à nossa formação, em especial à universitária. Algo que une os três integrantes do projecto, para além da paixão pela cidade de Santarém, é a passagem pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. É uma instituição que tem um movimento académico bastante presente e, por isso, acabamos por ser envolvidos. No nosso caso, até já éramos interessados em questões cívicas, foi apenas um clique para nos envolvermos mais.

Que leitura fazem da participação da juventude dentro do cenário político? Existe interesse e participação?
É difícil, porque temos um pouco dos dois lados. Jovens que participam, que votam sempre, que se mobilizam para que os seus problemas sejam atendidos, e outros que não votam, que se sentem um pouco à margem, desinteressados do que se passa no mundo político. É complicado aferir, até porque, vivemos em bolhas, como agora se diz muito, e na nossa bolha, as pessoas que conhecemos, podemos dizer que há esse envolvimento. Mas, se formos para outra bolha, a realidade pode ser bastante distinta.

Quais são os bons exemplos ou iniciativas que podemos ver actualmente?
As redes sociais ajudam a que jovens como nós possam exteriorizar aquela ideia do “querer mudar o mundo”. Curiosamente, o nosso projecto vem na sequência disso. Temos alguns exemplos, alguns que foram fonte de inspiração, como o Politicamente Falando, que explica a política nacional e internacional de forma clara e apelativa no Instagram. Outro exemplo é o “Eu voto, e tu?”, cujo objectivo era sensibilizar o voto nas eleições presidenciais.

A participação da juventude na vida pública existe, mas ainda precisamos evoluir nesse sentido. Concordam?
Sem dúvida. Basta ver que quando há um determinado tema em debate, o meio mais fácil para tentar intervir é através das redes sociais. Sente-se que as pessoas, em particular os jovens, têm necessidade de exprimir o que sentem. Depois, podemos discutir se o que escrevem demonstra ou não conhecimento sobre determinado acontecimento, mas pelo menos há o querer ocupar um espaço. Agora é preciso mais mobilização, no que concerne ao voto, no próprio conhecimento que se tem relativamente à política. Aí a escola deveria ter um papel mais relevante. Literacia política, ou seja, conhecer melhor, para poder decidir melhor. Achamos que a evolução tem de ser nesse sentido, na educação.

“É preciso mais mobilização, no que concerne ao voto, no próprio conhecimento que se tem relativamente à política. Aí a escola deveria ter um papel mais relevante. Literacia política, ou seja, conhecer melhor, para poder decidir melhor.”

Miguel Laia

Quais as barreiras para um maior envolvimento dos jovens na política?
Essencialmente a representação social que a figura do “político” tem actualmente. O sentirem que se ocuparem determinada posição pública, seja como autarcas, ou como deputados na Assembleia da República, vão acabar por sofrer um desgaste rápido, quer publicamente, quer até pessoalmente. Em alternativa, há profissões que, pela remuneração ou pelo recato, acabam por ser mais atractivas. É, talvez, importante tentar estreitar e dar a conhecer melhor a todos nós o que faz um deputado, um político, que limites tem, o que pode e não pode fazer. Entrar no mundo de um político, ajudar a desmistificar a sua profissão, possa ser um passo para quebrar preconceitos e atrair jovens para a causa pública.

Como vêem os portugueses em termos de cidadania e participação?
As taxas de abstenção podem ajudar a responder a isso. E se compararmos com as dos restantes países europeus, Portugal costuma estar sempre nos topos das listas de abstenção. Mas há um outro lado onde vemos que há participação, no caso das petições públicas, onde as pessoas se envolvem em torno de um tema, geralmente motivado pelas redes sociais. É uma evidência de que há participação, e a tecnologia veio amplificar isso. Pode não ser é da forma tradicional, que é ir para as ruas. O sedentarismo contribui para uma forma cívica mais de sofá, com as vantagens e desvantagens disso.

Em relação à situação política de Santarém, qual é a vossa opinião sobre o panorama que actualmente se vive nesta região do país?
É semelhante à realidade nacional, as pessoas vivem afastadas da vida política. A abstenção é muito elevada. Só em Santarém nas últimas eleições a percentagem rondou os 50%. No caso mais local, tem que ver com um debate muito centralizado na cidade. Que políticas temos para as freguesias para lá da cidade de Santarém? Quando é que discutimos o que essas pessoas precisam? Há sempre o timing autárquico que é fértil em utopias de mudança, quando eleição após eleição as pessoas sentem que pouco ou nada mudou. Uma estrada, um arruamento. E mais? O que sabemos nós sobre o que essas pessoas precisam? Com este projecto, queremos dar a conhecer como as coisas funcionam, que meios existem para ter uma voz mais presente.

Que mensagem gostariam de deixar aos jovens – da vossa idade e mais novos – sobre a necessidade de envolvimento e participação na definição de políticas públicas?
Se nós temos nas nossas mãos a possibilidade de fazer algo que beneficie todos, incluindo o individual, e até nem precisa de ser pegando numa pá ou fundar um movimento, basta um voto ou um querer ser mais informado, porque é que não haveremos de tentar? O passado foi de determinado modo e porque é que o futuro tem de ser igual? É preciso usarmos o que temos, seja nas eleições, nas participações cívicas através das associações, das intervenções em redes sociais para expor alguma realidade desconhecida. Há diversos meios para se poderem usar, cada um pode fazer a diferença. É o que queremos com este projecto, fazer a diferença na realidade local. Tentar descentralizar o debate, colocar a lente na realidade local. Mais conhecimento para poder agir melhor.

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