António Alves Redol (29-12-1911/ 29-11-1969) foi um dos precursores e dos mais qualificados escritores do neorrealismo português, tendo prestado particular atenção a diversos aspectos da etnografia e do folclore nacional, o que não menoriza a sua obra nem diminui o seu engrandecido estatuto, muito ao contrário, pois, quem ler os “Gaibéus”, os “Avieiros”, a “Fanga” ou o “Barranco de Cegos”, para não ser demasiado exaustivo na enumeração da sua vasta bibliografia, pode avaliar a grandeza da sua obra literária.

A abordagem a esta temática, onde o folclore e a etnografia se fundem em descrições sublimes da vivência do nosso povo, resultantes de um conhecimento profundo sobre as características sócio-culturais das populações de diversas regiões do nosso país, proporcionam algumas das mais belas e expressivas páginas da literatura portuguesa.
Para fundamentar a sua narrativa, Alves Redol empenhou-se em estabelecer uma relação de vizinhança e de afectuosa cumplicidade com o povo de quem narrou histórias de vida, numa pungente realidade das suas expectativas, das suas angústias, das suas ansiedades e das suas alegrias.

Regista-se a par e passo uma luta constante, decorrente do conflito social entre patrões e assalariados, num exercício de dialéctica verdadeiramente sublime, onde, em jogos metafóricos, se surpreende a subtileza com que caracteriza a essência da verdade nua e crua das dificuldades básicas com que se debatiam as famílias rurais ou piscatórias.
Mas, se ao nível do romance, Alves Redol é um dos escritores mais relevantes do século passado, também como etnógrafo se destacou, pois, as suas obras “Glória – Uma Aldeia do Ribatejo” e o “Cancioneiro do Ribatejo” nos dão conta da profundidade dos seus conceitos e do vanguardismo que caracterizou a sua investigação etnográfica e a consequente compreensão dos fenómenos sociais e culturais que nos desvendou com inequívoca fidedignidade.

Numa atitude de autêntico pioneirismo no âmbito da investigação científica, Alves Redol seguiu na esteira do antropólogo Bronislaw Malinowski (1884-1942) que, em 1922, publicou a magnífica obra “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, em cuja introdução caracterizou as bases essenciais do “método etnográfico”, que, entre outras muito oportunas e judiciosas recomendações, define a necessidade da permanência tão prolongada quanto possível do etnógrafo no seio da comunidade que está a estudar.

Pois, a uma distância de menos de duas décadas Alves Redol praticou plenamente estes fundamentos científicos instalando-se por algumas semanas na aldeia da Glória do Ribatejo para poder compreender profundamente a sua essência como comunidade, como o viria a fazer mais tarde na aldeia piscatória da Palhota, onde, inclusivamente, acompanhava os pescadores nas suas fainas nocturnas, para aí se inteirar sobre a especificidade dos costumes avieiros, o que daria origem e pretexto a esse magnífico romance “Avieiros”.

Mas, também, na Introdução ao “Cancioneiro do Ribatejo” Alves Redol expendeu as bases da sua concepção sobre folclore e etnografia, alertando-nos para os perigos de não respeitarmos diversos pressupostos, que o emblemático escritor neorrealista já tinha perfeitamente assumidos.

Se dúvidas houvessem, a simples afirmação, de que “folclore é a vigilante e desapaixonada retenção de tudo o que o povo conserva do passado e cria no presente, dando este as tradições do amanhã, num encadeamento que afirmará a presença constante da inventiva popular na cultura das nações”, atestaria inequivocamente o seu mérito de pesquisador e de folclorista.

Lembrar Alves Redol, na data do seu 110.º aniversário, é dignificar e valorizar a nossa cultura tradicional. Não o esqueceremos…

Leia também...

Grupos Infantil e Académico de Santarém assinalam 66.º Aniversário

Os Grupos Infantil de Dança Regional e Académico de Danças Ribatejanas foram…

O penoso ofício de mendigar… (I)

Por uma ou qualquer outra razão sempre houve quem se dedicasse ao…

As migrações sazonais no Ribatejo

Um dos temas mais aliciantes na investigação antropológica prende-se com a influência…

Fandanguista. Ou será Fandangueiro?

A dança do fandango assumiu tanta relevância no contexto das expressões coreográficas…