Desde criança que gosto de ler jornais. Comecei a lê-los naquela longínqua cidade amuralhada de Damão, onde nasci, na antiga Índia Portuguesa e, creio, com 7 anos de idade. Ansioso aguardava que o meu pai o dobrasse e o pusesse de lado. Para tristeza do meu irmão, que ainda não sabia ler, de imediato acabava a “cowboyada”, com aquelas negras pistolas “made in China”, que disparavam uma rolha de cortiça. Lia eu com grande interesse os pequenos contos infantis, em quadradinhos, de autores goeses, destaco aqui Beatriz de Ataíde Lobo e Faria, todos eles recorrendo a estereótipos narrativos que procuravam garantir a aceitação e o apreço de uma juventude em formação, servindo claras intenções pedagógicas com a bênção governamental. Menos difusores da propaganda governamental eram os contos, localmente traduzidos e também publicados em banda desenhada, vindos da vizinha imprensa inglesa de Bombaim. Um ou dois anos depois, outros dois temas passaram a ser os meus preferidos: o “sport” local e nacional (a vitória do Benfica em 1956/57 levou-me a ser benfiquista) e a saga dos “sputnick”, acompanhando os feitos da Laika, Belka, Strelka e dos quarenta camundongos. Sempre que possível procurava religiosamente completar as palavras cruzadas. Esta diversificação de temas cada vez mais me entusiasmava na leitura dos periódicos.
Este permanente gosto de ler jornais (perdoar-me-ão os leitores por esta escrita mais intimista) foi o que me aproximou do Correio do Ribatejo naquele longínquo ano de 1974, quando depois das minhas “estâncias” por Índia e Moçambique, num total de 25 anos, venho para Portugal, precisamente para Santarém, terra de familiares meus. Aqui encontro-me pela primeira vez com o Dr. Virgílio Arruda e seus colaboradores, um Director e uma Redacção que operavam em instalações e tecnologia “pequenas”, mas grandes na avidez de notícias, não de afirmação porque essa já há muito haviam alcançado desde os tempos do “Correio da Estremadura”, mas sim notícias com objectividade (eram tempos difíceis aqueles), que fossem de perspectivas e opiniões diferenciadas. Isso cativou-me.
Porque à época já eu era aprendiz no “ofício de historiador”, aplicado a explorar os fundamentos remotos e recentes do mundo nas suas diferentes vertentes, deles me aproximei. Assim nasceu uma forte ligação leitor/colaborador, pautando-se inicialmente a minha colaboração em artigos pontuais de foro desportivo, para na actualidade, de uma forma mais assídua, e com coluna própria intitulada “Arquivos de História”, se pautar em escritos sobre o nosso passado, logo, artigos diferentes, sejam de natureza narrativa, investigativa ou interpretativa, desconhecidos da grande maioria dos leitores, abordando temáticas diferentes daquele nosso antigo e longo Império.
Da minha parte satisfaz-me tal colaboração, que estou certo perdurará enquanto o Correio do Ribatejo, um órgão de comunicação social que vem desempenhando um papel de relevo pela Região (e desde tempos difíceis que o faz na formulação de concepções democráticas), continuar a pretender dos seus colaboradores a diversificação da informação, qual fórum de eventos e opiniões, onde o objectivo último seja um contributo na formação pluralista da consciência social e política dos seus leitores na sociedade ribatejana.
Continuarei, se assim me for permitido e os meus leitores o continuarem a solicitar, o que muito me tem animado, a procurar com a verdade e rigor despertar naqueles que me lêem, o prazer pela leitura de factos históricos de ontem, com temas tão diferentes como a coragem, a diversidade, os pecados e as traições dos portugueses, ajudando-os a enriquecer o seu conhecimento sobre aquele “Império já morto onde os portugueses foram, estiveram e fizeram”(1) como disse o ensaísta Manuel de Lucena. Estou certo que este contributo, nada fácil, nem escrito sobre os joelhos, os facilitará na sua criticidade, em relação aos acontecimentos de hoje, ajudando-os a compreender no que podemos ser e fazer pelo amanhã.
Aqui expresso os meus parabéns ao Correio do Ribatejo neste seu 129º aniversário, desejando-lhe uma longa existência e a continuação da importante comunicação diferenciada e límpida que semanalmente produz, augurando que perdure enquanto “complexo cultural já institucionalizado”, pois uma comunicação independente e pluralista é seguramente uma das necessidades do ser humano e, hoje, tão necessitada em Portugal.
(1) Porque aqui falamos de factos históricos, será oportuno dizer que foi Goa, na Índia, de entre todas as colónias ultramarinas, onde a imprensa teve o seu início. A tipografia foi levada pelo Patriarca da Etiópia, D. João Nunes Barreto e, em Setembro de 1556, editava-se a primeira obra intitulada Conclusiones Philosophicas. Seguiram-se outras livros, alguns catecismos e até gramáticas, em idiomas locais. O primeiro jornal a surgir será a Gazeta de Goa, a 22 de Dezembro de 1821, de edição semanal, que vem marcar uma das mais importantes datas da história cultural de Goa. Continha este as deliberações do governo, o cadastro mensal da receita e da despesa do tesouro público, do Senado da Câmara e da Santa Casa da Misericórdia, além de notícias locais, nacionais e estrangeiras.
Cândido Azevedo